O Brasil está pronto para a nova era da adaptação climática?
A Política Nacional sobre Mudança do Clima completará 15 anos em dezembro de 2024. Neste período, o Brasil presenciou desastres extremos de precipitação de grandes proporções em Petrópolis (RJ), Teresópolis (RJ) e São Sebastião (SP), secas recordes na bacia do Amazonas e no Pantanal, e as enchentes históricas no Rio Grande do Sul (RS), que fizeram o país refletir novamente sobre a fragilidade da população frente a esses extremos. Os impactos sobre vidas humanas, ecossistemas e sistemas econômicos e sociais têm sido cada vez mais graves, mas não imprevistos. Projeções de clima futuro em cenário de aquecimento global sem controle para o Brasil incluídas na Quarta Comunicação Nacional, de 2020, já indicavam eventos de precipitação extrema para o Sul e Sudeste, secas prolongadas no Norte e Centro-oeste, e uma elevação média de temperatura no país de 4°C.
O cenário é desafiador, e a cada ano que passa mais crítico. E não apenas para o Brasil. Em todos os últimos fóruns globais sobre mudanças climáticas – e nos próximos também – as discussões mais polêmicas foram sobre a urgência das mudanças (o quanto é necessário acelerar os acordos políticos e as legislações nos países) e o financiamento (quem vai pagar a maior parte da conta). As questões que se colocam para o Brasil neste momento são: estamos fazendo as mudanças necessárias do jeito certo? E estamos fazendo com a agilidade e a urgência que o momento exige?
Para essa discussão, é importante olhar tanto para o contexto nacional quanto o global. E retomar o conceito da palavra “adaptação”, que no jargão climático resume o processo de se ajustar às mudanças do clima e a seus efeitos atuais ou esperados, levando em consideração o evento climático em questão, a exposição e a vulnerabilidade. Se adaptar é, portanto, promover a resiliência de pessoas e da natureza.
No nível internacional, as últimas negociações em Bonn, na Alemanha, uma etapa intermediária antes da COP29 realizada há poucos dias, resultaram em poucos avanços sobre a Meta Global de Adaptação. Aprovada pelos países na COP28, o texto ainda carece de metas quantificáveis e mensuráveis, assim como medidas para mobilizar financiamento, tecnologia e formação de capacidades (conhecidas como "meios de implementação"). Entretanto, cabe destacar que a presidência do Brasil na COP 30 será um marco histórico com a possibilidade de avanço na conclusão do Programa de Trabalho EAU-Belém para a Meta Global de Adaptação.
No nível nacional, o Brasil demostrou sua capacidade de pioneirismo em 2016 ao instituir um Plano Nacional de Adaptação, mas desde então os avanços foram tímidos. No último ano, o tema voltou à pauta com os debates sobre o Plano Clima – Adaptação, a reação do Congresso Nacional aos eventos no RS e a movimentação para elaboração do Plano Nacional da Defesa Civil, mais de 10 anos após a instituição da Política Nacional da Defesa Civil.
Adaptação avançou de forma tímida no país
Nos últimos dez anos, 93% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum tipo de desastre natural relacionado aos eventos extremos. O Plano Nacional de Adaptação (PNA) foi formalizado em 2016 com o objetivo de preparar o país para enfrentar os impactos das mudanças climáticas, integrando ações de adaptação em diversas políticas e setores econômicos.
Ao longo da história, alguns projetos estruturantes foram implementados, como, por exemplo, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em 2011. No campo do conhecimento aplicado à adaptação houve avanço na granularidade das informações de projeção de cenários climáticos desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e nos alertas hidro meteorológicos e de seca produzidos pelo Cemaden e pelo Serviço Geológico do Brasil. Além disso, a plataforma AdaptaBrasil, que integra indicadores agregados sobre riscos de impactos da mudança do clima no país, é uma iniciativa importante para subsidiar o planejamento de medidas de adaptação.
No entanto, a implementação do plano foi tímida. O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), por exemplo, investiu apenas R$ 30 milhões de 2011 a 2020 de seus recursos não-reembolsáveis em adaptação. O valor é apenas um indicativo do baixo orçamento federal gasto na implementação de medidas de adaptação. Como o PNA não possui indicação de associação com programas no Plano Plurianual do Governo Federal, tampouco com ações de execução orçamentária anual, é difícil monitorar ou estimar os investimentos em medidas concretas para a promoção de resiliência.
Além da ausência de informações sobre programas e ações do governo federal, faltam no PNA indicadores de risco e vulnerabilidade de pessoas e da natureza aos impactos adversos da mudança do clima. Portanto, não é possível avaliar de maneira mais qualificada a evolução do país em termos de adaptação. Será fundamental que o Plano Clima indique objetivamente programas e ações que serão implementados e os indicadores a serem adotados como referência para avaliação dos avanços.
Adaptação como um pilar do desenvolvimento socioeconômico do Brasil
O momento atual é de retomada da atenção dada ao tema de adaptação, com o tema se tornando uma das frentes do Plano Clima, que também tratará de mitigação e estratégias transversais. Essas discussões serão a base da nova NDC do Brasil, a contribuição nacionalmente determinada que será formalizada no âmbito do Acordo de Paris com metas para 2035.
Na frente de Adaptação, grupos técnicos foram formados para discutir 15 planos setoriais que vão ajudar a compor a Estratégia Nacional de Adaptação. O WRI Brasil, por exemplo, está apoiando a elaboração do plano setorial de Cidades e priorizando os temas que estão associados à justiça climática. Outros setores incluem agricultura e pecuária, biodiversidade, gestão de riscos e desastres, indústria, energia, transportes, igualdade racial e combate ao racismo, povos e comunidades tradicionais, povos indígenas, recursos hídricos, saúde, segurança alimentar e nutricional, oceano e zona costeira, e turismo.
No Congresso, o desastre no RS impulsionou alguns avanços de regulamentação. Um exemplo é o projeto de lei sancionado aprovado em junho que cria diretrizes para a elaboração de planos de adaptação nas esferas municipal, estadual e nacional, fortalecendo a governança climática e estabelecendo uma estrutura para a implementação de medidas de adaptação em todo o território nacional. Também em maio, o governo federal anunciou R$ 1,7 bilhão em projetos para conter encostas e prevenir desastres. Outro exemplo foi o decreto que institui o Programa Cidades Verdes Resilientes (PCVR), aprovado em junho, que integra políticas urbanas, ambientais e climáticas, promovendo práticas sustentáveis e valorização dos serviços ecossistêmicos urbanos.
É positiva a intenção de tornar a adaptação uma agenda transversal em planos de desenvolvimento e políticas setoriais. Essa integração pode melhorar os resultados programáticos, contribuir para um uso mais eficiente dos recursos financeiros e não financeiros e aumentar a sustentabilidade e a escala dos esforços de adaptação. Por outro lado, é necessário um esforço maior para avançar da avaliação de vulnerabilidades para o planejamento, implementação e avaliação dos esforços de integração. Novos decretos e programas precisam incluir informações objetivas sobre orçamentos a serem executados, assim como os níveis de governo envolvidos nas ações.
Um estudo do WRI demonstrou que barreiras institucionais, como falta de cooperação entre as partes interessadas e vontade política, têm impedido melhores resultados para políticas de adaptação. Cinco fatores chave podem ajudar a acelerar a implementação: marcos políticos, liderança sustentada, mecanismos de coordenação, informação e ferramentas, e processos financeiros de apoio. Em resumo, a adaptação precisa estar integrada ao processo de desenvolvimento econômico e social do país.
Acordos internacionais podem destravar financiamento para adaptação
O Plano Clima, em suas três frentes, será a base da nova NDC do Brasil. Até 2025 – ano em que o país sediará e presidirá a COP30, em Belém – todos países signatários devem submeter novas NDCs, e o Brasil pretende liderar pelo exemplo. O país também compõe uma inédita troika, se unindo a Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão para estimular a ambição entre os demais países, em especial com a “Missão 1.5”, uma iniciativa para estimular que os novos compromissos estejam alinhados à ciência. Isso significa maiores cortes nas emissões de gases de efeito estufa, mas também medidas de adaptação.
Na última COP28, em Dubai, após dois anos de discussões, os negociadores aprovaram uma estrutura para a Meta Global de Adaptação, com prazos específicos para temas e setores (como água e saúde) e para o processo das políticas de adaptação. No entanto, as metas não foram quantificadas nem incluíram apoio – financeiro ou de outra natureza – para os países em desenvolvimento.
Atualmente, a lacuna de financiamento climático para adaptação é maior do que a de mitigação. Relatório publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostrou que há uma enorme lacuna de financiamento: os fluxos financeiros foram de US$ 21 bilhões em 2021, porém a necessidade de financiamento é de cerca de US$ 387 bilhões por ano até 2030.
Em junho deste ano, na Conferência sobre Mudanças Climáticas realizada em Bonn, na Alemanha, ocorreram intensas tratativas sobre os indicadores da Meta Global de Adaptação, incluindo o pedido dos países em desenvolvimento para a consideração de um indicador de financiamento para adaptação. O mapeamento dos indicadores será iniciado ainda esse ano para que possam ser adotados na COP30. Porém, o debate que dominou a pauta deste ano em Bonn foi sobre a nova meta coletiva quantificada de financiamento climático a ser concluído na COP29.
Isso interessa ao Brasil porque o financiamento internacional pode ser uma alavanca importante para tirar do papel a implementação de medidas de adaptação em maior escala. Como descrito acima, o país tem evoluído recentemente em estratégias e políticas para enfrentar os desafios climáticos, como demonstram a aprovação de leis e decretos recentes. Por outro lado, há uma enorme lacuna na implementação das medidas que tornariam os brasileiros mais resilientes a um clima em transformação.
Estamos preparados para o novo paradigma de adaptação?
Considerando os avanços institucionais e legislativos, o Brasil está se movendo em direção a um novo paradigma de adaptação climática. A institucionalização de planos e programas de adaptação, além da aprovação de leis específicas, é um avanço para enfrentar os desafios climáticos futuros. Porém, a integração da adaptação como um pilar do desenvolvimento econômico e social e a implementação efetiva dessas políticas serão cruciais para consolidar esse novo paradigma e garantir a resiliência do país frente às mudanças climáticas.
Há um longo caminho a ser percorrido para assegurar uma governança multinível efetiva e responsiva aos desafios que só crescerão. Espera-se amplo debate social para o pilar de adaptação do Plano Clima a ser adotado até o final do ano. Também que a nova Estratégia de Adaptação avance em informações tangíveis sobre metas, indicadores, programas e ações governamentais a serem implementadas de forma que a sociedade possa participar e monitorar o processo. Mas também é fundamental que exista financiamento público suficiente e de forma contínua para essas medidas, independentemente dos potenciais fluxos financeiros internacionais.
Em relação à oportunidade de avanço da agenda de adaptação com a conclusão do Programa EAU-Belém, na COP 30, no Brasil, é preciso que as lideranças nacionais estejam dedicadas à criação de indicadores significativos para adaptação de forma que a COP 30 produza um consenso sobre o conjunto central de indicadores a ser utilizado, considerando metodologias para coleta, análise e relatório de dados. Em paralelo ao debate técnico, é preciso haver o compromisso com a capacitação e apoio a países com recursos limitados, com o oferecimento de insumos técnicos como sistemas robustos de coleta e gerenciamento de dados e ferramentas analíticas avançadas e metodologias.
O Brasil tem diferentes tabuleiros para avançar a agenda de adaptação: no nível internacional, com as presidências do G20, da COP30 e do BRICS, e no nível nacional com as ações do Plano Clima e a reconstrução do Rio Grande do Sul. O cenário dá ao país a oportunidade de liderar não somente na agenda de mitigação como também em adaptação. Para isso, será preciso considerar a promoção da resiliência de forma transversal em todas as políticas setoriais de médio e longo prazo, considerando os riscos climáticos nas projeções econômicas e planos de logística, infraestrutura, planejamento territorial e agrícola. Também é fundamental fomentar a ação subnacional para adaptação de forma coordenada e harmonizada entre os atores. Isso será determinante para garantir um futuro mais resiliente para sua população e ecossistemas.