Quase metade da população global – 3,6 bilhões de pessoas – vivem hoje em condições altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, como secas, inundações, tempestades, ondas de calor e insegurança alimentar. E esse número só vai aumentar enquanto as temperaturas globais continuarem subindo.

O mundo precisa agir rápido para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e conter as mudanças climáticas, mas só isso não será o suficiente para proteger as pessoas que já enfrentam esses impactos. Também é preciso expandir com urgência os esforços de adaptação, que podem proteger as comunidades mais vulneráveis, e vão desde a construção de muros de contenção de enchentes até a restauração de florestas, que mantêm o abastecimento de água, e o plantio de culturas mais resilientes.

No entanto, até aqui os avanços nessa frente têm sido lentos e pouco expressivos, ficando lamentavelmente aquém das necessidades do planeta.

A Meta Global de Adaptação (Global Goal on Adaptation, ou GGA, na sigla em inglês) tem o objetivo de preencher essa lacuna com uma estrutura clara e metas para avaliar os avanços em adaptação. Uma GGA bem elaborada e amplamente apoiada orientará os esforços globais de adaptação por meio da indicação de onde e como os planos e políticas de adaptação estão sendo implementados, e quais áreas estão ficando para trás.

Após oito anos de pouco progresso na definição da Meta Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês), mesmo tendo sido incluída no Acordo de Paris em 2015, os países finalmente concordaram com uma estrutura (framework) abrangente na cúpula climática da ONU de 2023 (COP28). Este framework fornece uma base sólida, delineando amplos objetivos globais de adaptação e áreas-chave para ação. No entanto, ele carece de metas quantificadas e mensuráveis, bem como medidas para mobilizar financiamento, tecnologia e formação de capacidades para adaptação (conhecidas como "meios de implementação"). Estas são questões-chave que devem ser resolvidas para alcançar resultados concretos.

Os negociadores têm a tarefa de resolver essas questões em 2025. Eles trabalharão para aprimorar o framework da GGA de forma que ele realmente impulsione ações na escala necessária, e para que os países disponham de um conjunto útil de indicadores para medir e acompanhar seu progresso.

O que é a Meta Global de Adaptação (GGA)?

A Meta Global de Adaptação é um compromisso coletivo vinculado ao Artigo 7.1 do Acordo de Paris, estabelecido com o objetivo de “aprimorar a capacidade de adaptação do mundo, fortalecendo a resiliência e reduzindo a vulnerabilidade às mudanças climáticas”. Proposta pelo Grupo Africano de Negociadores em 2013 e estabelecida em 2015, a meta deve funcionar como uma estrutura unificadora, capaz de impulsionar a ação política e o financiamento para a adaptação na mesma escala que já acontece com as medidas de mitigação. Isso implica estabelecer diretrizes e objetivos específicos e mensuráveis para a ação em escala global, bem como aprimorar o suporte e o financiamento para adaptação oferecidos aos países em desenvolvimento.

Casas inundadas após chuvas extremas em Bangladesh
Casas inundadas após chuvas extremas em Bangladesh. Muitas das comunidades mais vulneráveis aos impactos das mudanças no clima também são as que possuem menos recursos para intensificar seus esforços de adaptação e construir resiliência (foto: Muhammad Amdad Hossain/Climate Visuals)

A GGA busca possibilitar ações de adaptação de forma oportuna, escalável e específica. Como os países estão enfrentando impactos das mudanças climáticas em diferentes graus e são vulneráveis a eles de diferentes maneiras, a meta também tem como objetivo incentivar soluções que considerem tanto os contextos locais quanto as necessidades específicas das pessoas vulneráveis.

Como os países podem garantir que a Meta Global de Adaptação atinja seus objetivos?

É fundamental garantir que as necessidades de todos os países, especialmente aqueles mais vulneráveis às mudanças climáticas, sejam plenamente incluídas e abordadas à medida que os países trabalham para aprimorar e implementar a Meta Global de Adaptação. Isso significa garantir que a estrutura garanta quatro princípios-chave:

Foco em equidade e justiça

Equidade e justiça precisam ser um elemento central na operacionalização da Meta Global de Adaptação, para garantir que as medidas adotadas não piorem as desigualdades já existentes. Por exemplo, os mecanismos de financiamento devem ser estruturados de forma que evitem aumentar os níveis de endividamento dos países em desenvolvimento, muitos dos quais já estão sobrecarregados por dívidas, limitando a sua capacidade de arcar com os custos da ação climática.

Apoio à adaptação liderada localmente

Os países precisam poder ajustar as estratégias de adaptação de acordo com seu contexto local. Para isso, a meta deve garantir que as populações locais, em especial as mais suscetíveis aos impactos climáticos, sejam incluídas nos esforços de adaptação. Eles devem ter poder decisório — inclusive sobre questões orçamentárias — em relação a quais intervenções de adaptação serão implementadas em suas comunidades, por quem e de que forma.

Estratégias comunitárias podem incentivar as pessoas a se apropriarem das ações, aumentar a resiliência e reforçar a coesão social, permitindo flexibilidade nas medidas adotadas, em linha com o caráter dinâmico das mudanças no clima.

Um projeto de liderança local em Mongu, na Zâmbia, para qualificar um antigo sistema de canais vital para a economia da região, mas que muitas vezes acaba inutilizável devido às inundações.
Um projeto de liderança local em Mongu, na Zâmbia, para qualificar um antigo sistema de canais vital para a economia da região, mas que muitas vezes acaba inutilizável devido às inundações. Exemplos como esse, de projetos específicos para cada contexto, são fundamentais para ajudar os países mais vulneráveis em seus esforços de adaptação às mudanças climáticas (foto: CIF Action/Flickr)

Os Princípios para Adaptação Liderada Localmente oferecem uma estrutura quefacilita esse processo. Tomadores de decisão precisam viabilizar a participação dos grupos vulneráveis, incluindo povos indígenas, mulheres, jovens e outros.

Decisões inclusivas e embasadas na ciência

As ações de adaptação devem ser baseadas tanto nas melhores evidências científicas disponíveis quanto nos conhecimentos tradicionais e indígenas para garantir que as estratégias sejam efetivas e adequadas a cada contexto. A Meta Global de Adaptação precisa reconhecer a importância de integrar a sabedoria dos povos indígenas nas estratégias de adaptação, respeitando seus direitos e sistemas de conhecimento e promovendo sua participação ativa nos processos de tomada de decisão e definição de soluções. Viabilizar a transferência de tecnologias e conhecimentos para os países em desenvolvimento também é importante para fortalecer a capacidade local de adaptação e o apoio oferecido aos países. 

Alinhamento com outras metas globais de sustentabilidade

Os esforços de adaptação precisam complementar e integrar outras iniciativas nacionais e internacionais de desenvolvimento. Isso inclui o alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), o Marco Global deBiodiversidade de Kunming-Montreal e a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação

Quais elementos foram incluídos na Meta Global de Adaptação e o que segue faltando?

A estrutura da Meta Global de Adaptação apresentada na COP28, chamada de Quadro dos Emirados Árabes Unidos para a Resiliência Climática Global (UAE Framework for Global Climate Resilience), destaca áreas-chave que exigirão ação de adaptação em todos os países, como alimentos, água e saúde. Esses temas globalmente relevantes podem ajudar a preencher a lacuna entre as prioridades de adaptação nacionais e globais e garantir mensagens e resultados ambiciosos e unificados. 

A estrutura também estabelece metas globais abrangentes (mas ainda não quantificadas) que ajudarão a orientar os países no desenvolvimento e implementação de planos nacionais de adaptação. Estas incluem:

  • Impacto, vulnerabilidade e avaliação de riscos: até 2030, todas as Partes conduziram avaliações de perigos climáticos, impactos das mudanças climáticas e exposição a riscos e vulnerabilidades, e utilizaram os resultados para informar seus planos nacionais de adaptação, instrumentos políticos e processos de planejamento e/ou estratégias. Além disso, até 2027, todas as Partes estabeleceram observações sistemáticas para coletar dados climáticos, bem como sistemas de alerta precoce multi-risco e serviços de informação climática para apoiar a redução de riscos.
  • Planejamento: até 2030, todas as Partes têm planos nacionais de adaptação, instrumentos políticos e processos de planejamento conduzidos pelo país, sensíveis a gênero, participativos e totalmente transparentes, e incorporaram a adaptação em todas as estratégias e planos relevantes.
  • Implementação: até 2030, todas as Partes avançaram na implementação de seus planos nacionais de adaptação, políticas e estratégias, e reduziram os impactos sociais e econômicos dos principais perigos climáticos.
  • Monitoramento, avaliação e aprendizagem (MEL, por suas iniciais em inglês): até 2030, todas as Partes projetaram, estabeleceram e operacionalizaram sistemas de monitoramento, avaliação e aprendizagem para seus esforços nacionais de adaptação e construíram capacidade institucional para implementar plenamente seus sistemas. 

Mas também existem lacunas importantes. A estrutura atual carece de indicadores específicos e mensuráveis para monitorar ações no chão e medir o progresso em direção à realização dos objetivos globais de adaptação. Definir esses indicadores será crucial para impulsionar os esforços nacionais em adaptação e resiliência e para fortalecer e monitorar o apoio às ações de adaptação. 

A framework da GGA também destaca que o financiamento climático internacional para adaptação deve estar em pé de igualdade com o financiamento para mitigação nos países em desenvolvimento, reconhecendo que os níveis atuais são muito baixos para responder à intensificação dos impactos das mudanças climáticas. No entanto, não aborda como os países devem mobilizar financiamento para adaptação. Metas ambiciosas de financiamento são necessárias para garantir que os esforços de adaptação possam ser implementados, especialmente em países e comunidades vulneráveis ao clima. 

Também estão ausentes referências às "responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e respectivas capacidades" (CBDR-RC). Este conceito reconhece que diferentes países têm diferentes níveis de responsabilidade no enfrentamento das mudanças climáticas de acordo com sua riqueza e nível de desenvolvimento.

O quanto se avançou na GGA até o momento e o que está por vir?

O desenvolvimento da Meta Global de Adaptação tem sido um processo complexo e desafiador. Em primeiro lugar, porque as medidas de adaptação são extremamente locais e específicas a cada contexto. E, em segundo lugar, porque as negociações têm encontrado dificuldade em chegar a um consenso sobre aspectos políticos importantes, como quem deve pagar pelas ações de adaptação nos países em desenvolvimento – que são os menos responsáveis pelas mudanças climáticas, mas costumam sofrer os maiores impactos.

Com um framework já estabelecido, os negociadores estão agora trabalhando para resolver questões delicadas sobre a GGA que não foram respondidas em seu texto inicial, como a forma de acompanhar o progresso em relação às suas metas gerais. Já houve alguns avanços: na COP29, em 2024, por exemplo, os países concordaram em monitorar os meios de implementação (financiamento, transferência e desenvolvimento de tecnologias e fortalecimento de capacidades). Isso ajudará a medir o quão bem os países estão se adaptando às mudanças climáticas e se estão recebendo o apoio financeiro e técnico necessário para isso.

Mas ainda restam questões sem resposta. Abordar os pontos seguintes será fundamental para viabilizar ações de adaptação que realmente atendam às necessidades dos países em desenvolvimento:

  • Financiamento para ações de adaptação: garantir financiamento adequado e acessível para a adaptação continua sendo um grande desafio na implementação da GGA. Preencher o déficit no financiamento da adaptação exige não apenas mobilizar recursos a tempo, mas também desenvolver soluções financeiras inovadoras para enfrentar os impactos climáticos atuais e futuros. Metodologias e métricas de adaptação devem ser estabelecidas para rastrear de forma eficaz a quantidade e a qualidade do financiamento climático destinado à adaptação, garantindo que essas metas não sejam subfinanciadas nem mal implementadas. Também é essencial garantir que esse financiamento seja acessível às comunidades e não fique retido nas capitais nacionais. Estimativas recentes indicam que apenas cerca de 17% do financiamento para adaptação chega, de fato, ao nível local.
  • Indicadores e monitoramento: as negociações têm pela frente o desafio de finalizar um conjunto de indicadores para monitorar as atividades de adaptação e suporte. Oito grupos de especialistas técnicos estão atualmente no processo de reduzir milhares de indicadores propostos a uma lista final de no máximo 100 até a COP30, em novembro de 2025. O conjunto final de indicadores deve ser abrangente, mas ao mesmo tempo manejável e aplicável globalmente. Esses indicadores devem captar de forma eficaz o progresso em relação às metas de adaptação, abrangendo uma ampla gama de variáveis, incluindo fatores ambientais e sociais, bem como fatores habilitadores (um dos principais focos de discussão na COP29).
  • Restrição de dados e conhecimento: um planejamento efetivo para adaptação exige dados e conhecimentos precisos sobre as vulnerabilidades e impactos climáticos locais. Muitos países, em particular aqueles com menos recursos, podem não contar com a expertise científica, a capacidade técnica e os dados necessários para desenvolver estratégias de adaptação robustas, o que pode afetar o monitoramento dos objetivos e seus avanços. A Meta Global de Adaptação deve prever medidas para ajudar a aprimorar e agilizar a coleta e análise de dados, bem como o compartilhamento de informações e conhecimentos.
  • Metas e soluções de baixo para cima: criar indicadores adequados e específicos de acordo com cada contexto local implica estabelecer métricas e soluções de baixo para cima. Em outras palavras, uma abordagem única não é eficaz para abordar questões de adaptação. Para que os países desenvolvam sistemas de monitoramento, avaliação e aprendizado robustos, a Meta de Adaptação Global deve oferecer suporte para que façam um balanço das iniciativas locais e integrem esses dados nos processos nacionais e locais de monitoramento, avaliação e aprendizado. Em outras palavras, uma abordagem única para todos não é uma forma eficaz de lidar com questões de adaptação, e o framework não deve assumir isso. Para que os países desenvolvam sistemas robustos de monitoramento, avaliação e aprendizagem (MEL) em adaptação, a GGA deve ajudá-los a fazer um balanço das iniciativas locais e integrar sistematicamente esses dados nos processos de MEL em níveis nacional e subnacional.

Além disso, dois processos foram lançados — o Roadmap de Adaptação de Baku e o Diálogo de Alto Nível sobre Adaptação de Baku — com o objetivo de promover a implementação da GGA, embora ainda não esteja claro como isso será feito. À medida que os escopos do roadmap e do diálogo forem desenvolvidos, as Partes devem considerar como os indicadores serão medidos e acompanhados na prática; como o financiamento para adaptação se conecta à Nova Meta Coletiva Quantificada de Financiamento Climático (New Collective Quantified Goal on Climate Finance); como esses processos podem impulsionar e fortalecer a cooperação regional e internacional para ampliar ações e apoio à adaptação; e como outros atores podem apoiar sua implementação.

Protegendo os mais vulneráveis por meio da GGA

A framework da Meta Global de Adaptação adotada em 2023 marcou uma conquista importante após quase uma década de progresso lento. A COP29 também avançou significativamente no processo de aprimoramento dos indicadores de monitoramento da meta e na criação de novos mecanismos para apoiar sua implementação.

No entanto, para as comunidades na linha de frente da crise climática, esses avanços precisam se traduzir rapidamente em ações concretas no território.

Nos próximos meses e anos, os negociadores devem garantir que o framework da GGA acelere a implementação de medidas para fortalecer a resiliência em escala global — como proteções mais robustas para agricultores que enfrentam a seca, melhor infraestrutura para comunidades costeiras e financiamento que chegue efetivamente a quem mais precisa — oferecendo apoio real às comunidades mais vulneráveis do mundo. Só assim a GGA poderá, de fato, impulsionar a ação em adaptação na velocidade e escala necessárias para enfrentar a crise climática de frente.


Este artigo foi publicado no Insights em novembro de 2023. Foi atualizado em fevereiro de 2024 para refletir o progresso feito na COP28 e em março de 2025 para refletir os avanços da COP29.