COP27, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, terminou com um avanço histórico para ajudar os países vulneráveis a lidar com as perdas e danos decorrentes das mudanças climáticas. Por outro lado, as negociações também decepcionaram muitos atores ao não incluir nenhuma nova medida significativa para reduzir as emissões, o que é essencial para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C. Já em relação à adaptação, apesar de alguns aspectos positivos, os avanços também ficaram aquém do esperado.

A conferência climática foi palco de alguns momentos dignos de nota, como a visita do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; a atenção dedicada à Iniciativa Bridgetown, da primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, que pede reformas no sistema financeiro global; e a retomada das discussões climáticas entre a China e os Estados Unidos. Embora houvesse uma considerável fratura geopolítica na edição deste ano, o encontro mostrou que a cooperação internacional em relação às mudanças climáticas ainda pode gerar ganhos, como demonstra o acordo sobre o fundo para perdas e danos. O próximo ano será uma oportunidade para que essa ação cooperativa vá ainda mais longe.

A seguir, seis resultados da COP27 e o que o mundo precisa fazer daqui pra frente.

1) Criação de um fundo para ajudar os países que enfrentam danos severos causados pelas mudanças climáticas

Por quase três décadas, os pedidos de apoio financeiro dos países mais vulneráveis para lidar com os impactos mais severos das mudanças no clima foram rejeitados pelas nações mais ricas. A criação de um fluxo de recursos específico para perdas e danos era o teste decisivo para avaliar o sucesso da COP27.

PEssoas cobrem a cabeça com sacos em meio a enchente em Bangladesh
Uma inundação intensa em Sylhet, Bangladesh, em junho de 2022, deixou muitas pessoas em busca de abrigo. Por três décadas, os países vulneráveis reivindicaram apoio para lidar com as perdas e danos decorrentes das mudanças climáticas, e a COP27 apresentou um fluxo de financiamento específico para a questão (foto: SM AKBAR ALI PJ/Shutterstock)

Depois de duas semanas de negociações difíceis que quase fracassaram, os países finalmente chegaram a um consenso para estabelecer arranjos financeiros, incluindo um fundo específico para perdas e danos. Esse foi um avanço histórico em um tópico há muito negligenciado pelas negociações climáticas da ONU. Se devidamente alimentado e mobilizado, o fundo de perdas e danos pode ser mais uma peça em um conjunto de soluções para ajudar famílias de baixa renda cujas casas foram destruídas, agricultores cujos campos foram perdidos e moradores de ilhas forçados a deixar seus lares ancestrais.

Outros avanços importantes em perdas e danos também aconteceram na COP27. Os governos progrediram na estrutura de governança e no processo de seleção da sede para a Rede de Santiago sobre Perdas e Danos, que oferecerá assistência técnica aos países em desenvolvimento e deve estar em operação plena até a COP28. A ONU também anunciou um plano de US$ 3,1 bilhões para reforçar a capacidade dos países de se prepararem para eventos extremos e garantir, ao longo dos próximos cinco anos, que todas as pessoas no mundo estejam na área de cobertura de sistemas de alerta precoce.

O V20 e o G7 lançaram em conjunto o “Escudo Global contra Riscos Climáticos”, criado para oferecer aos países vulneráveis mais meios de proteção contra eventos climáticos cada vez mais extremos. A Alemanha forneceu ao fundo € 170 milhões em doações. Dinamarca, Bélgica, Escócia, Áustria, Nova Zelândia, Canadá, Irlanda, Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, União Europeia e a França assumiram compromissos financeiros relacionados a perdas e danos, e o Reino Unido também anunciou a suspensão da cobrança de dívidas das nações vulneráveis por até dois anos após um desastre climático. No entanto, nem todos esses compromissos são novos. Muitos fazem parte de arranjos financeiros mais amplos fora da UNFCCC, constituindo um conjunto de soluções para perdas e danos.

Qual o próximo passo? Agora que os países criaram um fundo, começa o trabalho de projetá-lo e preenchê-lo. Os negociadores formaram um Comitê Transicional para elaborar recomendações, o que deve acontecer até a próxima conferência climática, em Dubai, em 2023 (COP28), além de uma estrutura mais ampla para arranjos financeiros, incluindo fundos e iniciativas dentro e fora da UNFCCC. Além disso, ao longo do próximo ano, os países devem selecionar a organização-sede, eleger os membros do Conselho Consultivo e contratar o secretariado da Rede de Santiago.

2) Avanços em medidas de adaptação, mas não na escala e no ritmo necessários

Diferente dos avanços em perdas e danos, no que diz respeito à adaptação, o progresso ficou aquém do necessário para lidar com os impactos cada vez mais severos e rápidos das mudanças climáticas.

De um lado, os países desenvolvidos não fizeram movimentos significativos para honrar o compromisso assumido no Pacto Climático de Glasgow, na COP26, de duplicar o financiamento destinado à adaptação até 2025 (em relação aos níveis de 2019). Não foi estabelecido um roteiro para a implementação dessa meta, como era planejado, deixando as partes envolvidas menos confiantes de que esse objetivo será alcançado no prazo previsto.

Também se esperava que os países avançassem na definição da Meta Global de Adaptação – o equivalente à meta do 1,5°C do Acordo de Paris que é focada em mitigação. A COP27 registrou discussões intensas e bem-vindas sobre potenciais componentes dessa meta, incluindo uma abordagem mais estruturada que trate de temas como responsividade de gênero, capacitação e conhecimentos locais e indígenas de forma mais sistemática. No final, porém, as partes não conseguiram definir a meta e, em vez disso, estabeleceram uma estrutura para orientar sua formulação, que será avaliada e adotada no próximo ano, na COP28.

Uma notícia positiva é que o Fundo de Adaptação recebeu US$ 230 milhões em promessas e contribuições que devem ser canalizadas para os países mais vulneráveis aos impactos climáticos, alguns dos quais estão cumprindo compromissos anteriores, assumidos na COP26.

E a presidência egípcia da COP27, junto aos Campeões Climáticos de Alto Nível e a Parceria de Marrakesh, lançou a Agenda de Adaptação de Sharm El-Sheikh. Trata-se de um plano de ação conjunto para acelerar soluções transformadoras por meio de intervenções em diferentes sistemas e um conjunto de objetivos de adaptação, mobilizando o trabalho de atores estatais e não-estatais para alcançá-los até 2030. Detalhes mais precisos de como essa agenda será implementada e como seus avanços serão monitorados ainda precisam ser elaborados.

Qual o próximo passo? Ao longo de 2023, todos os olhares estarão voltados para ver se as partes serão capazes de adotar uma estrutura sólida para o Objetivo Global de Adaptação; se as promessas financeiras – para o Fundo de Adaptação e para o Fundo dos Países Menos Desenvolvidos, entre outros – serão cumpridas; se haverá progresso no objetivo de duplicar o financiamento de adaptação; e até que ponto os bancos multilaterais de desenvolvimento vão ampliar seus esforços de adaptação. Outro aspecto a ser observado é se esses fundos serão de fato acessíveis e se chegarão ao âmbito local.

3) Reforço para as reformas de financiamento climático

O financiamento climático ocupou o centro das negociações este ano. A decisão da COP27 reflete a preocupação dos países em desenvolvimento de que o compromisso assumido pelas nações desenvolvidas – de fornecer US$ 100 bilhões por ano – ainda não foi cumprido, mesmo com a necessidade de financiamento se tornando cada dia mais óbvia.

Muitos países em desenvolvimento também expressaram insatisfação com a falta de transparência e responsabilização e com a forma pela qual o financiamento tem sido oferecido, com uma ampla parcela em forma de empréstimos, aumentando o peso da dívida em países já endividados.

A necessidade de promover uma reforma no sistema financeiro público, incluindo os bancos multilaterais de desenvolvimento, também foi objeto de atenção, inclusive na decisão principal da conferência. É um reconhecimento da necessidade de fornecer mais financiamento para o clima e abordar a maneira como o endividamento pode prejudicar a ação climática nos países em desenvolvimento. Esses aspectos foram estabelecidos na Iniciativa Bridgetown, um apelo para reformar o sistema financeiro internacional anunciado no início do ano pela primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley. Durante a COP27, líderes de países desenvolvidos e em desenvolvimento manifestaram seu apoio à iniciativa, entre eles o presidente da França, Emmanuel Macron.

Em última análise, as novas promessas de financiamento climático foram mais limitadas do que o esperado; de fato, os países ainda esperam pelo cumprimento de compromissos anteriores. Negociações sobre tópicos importantes – em especial a nova meta global de financiamento para 2025 – não tiveram avanços significativos. Em vez disso, as partes se concentraram em questões processuais e adiaram decisões importantes em relação à quantia, prazo, fontes e mecanismos de responsabilização, elementos importantes para uma nova meta financeira. Os negociadores também postergaram discussões mais aprofundadas sobre uma definição comum para o financiamento climático e sobre a operacionalização do Artigo 2.1(c) do Acordo de Paris, que trata da necessidade de consistência entre os fluxos financeiros globais e o Acordo de Paris.

Qual o próximo passo? Em 2023, veremos se os países desenvolvidos enfim cumprirão o compromisso de fornecer US$ 100 bilhões por ano para as nações em desenvolvimento e se darão sinais de que vão se esforçar para compensar o déficit dos anos anteriores. Também veremos o quanto as partes estão dispostas a negociar os detalhes (tipo de financiamento, cronogramas, instrumentos, fontes e acesso, entre outros) da nova meta de financiamento e estabelecer pontos de partida para sua consolidação em 2024. Outras decisões virão com a agenda de reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento durante as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial em abril de 2023, prazo dentro do qual o enviado para o clima dos Estados Unidos, John Kerry, afirmou que gostaria de ver propostas práticas. A COP28 também precisará melhorar o entendimento em relação ao Artigo 2.1(c) e às formas de consolidá-lo, a partir de dois workshops sobre o tema que devem ser realizados em 2023.

4) Os cortes de emissões não foram suficientes

Na COP27, os países entraram em um acordo em relação a compromissos que refletem apenas avanços modestos na redução de emissões, mesmo diante de uma lacuna evidente entre os atuais planos climáticos nacionais e os esforços necessários para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C.

O Pacto Climático de Glasgow, adotado na COP26, exige que as partes “revejam e fortaleçam suas metas para 2030”, a fim de mantê-las alinhadas à meta de temperatura do Acordo de Paris. Ainda assim, desde então apenas 34 dos 194 signatários enviaram NDCs novas ou atualizadas, embora esse grupo conte com economias relevantes, como Austrália, México e Indonésia. A decisão tomada na COP27 reitera a exigência de que as partes revejam e fortaleçam suas metas, alinhando-as ao Acordo de Paris. Um sinal encorajador veio da União Europeia, que já havia reforçado sua meta em 2020, e agora anunciou um reforço, de 55% para 57% de redução até 2030.

O Pacto Climático de Glasgow também convoca os países a desenvolverem, até a COP27, estratégias de longo prazo “rumo a transições justas para um cenário de emissões líquidas zero”, atualizando-as regularmente. Ainda assim, em 2021 foram apenas 11 novas estratégias, elevando o total para apenas 54. A decisão da COP27 estimula os demais países a comunicarem suas estratégias de longo prazo até a COP28.

Durante a COP27, também houve avanços no Programa de Trabalho de Mitigação, adotado durante a COP26, com foco em expandir a ambição e a implementação de medidas ainda nesta década (isto é, até 2030). Os negociadores determinaram que o programa terá vigência até pelo menos 2026, com foco em todos os setores, e oferecerá recomendações para as decisões anuais da COP, embora não tenha permitido que o processo estabeleça novas metas para reduzir as emissões. A cada ano, serão realizadas dentro do programa pelo menos duas rodadas de diálogos, seguidas por um relatório executivo para orientar os países, em âmbito político, na construção de mais ambição e de ações de mitigação mais fortes.

Fora das negociações formais, mais países se comprometeram a reduzir as emissões de poluentes de vida curta. Vinte novas nações se juntaram ao Pacto Global do Metano, lançado na COP26, para reduzir as emissões de metano em 30% até 2030 (em relação aos níveis de 2020). Com isso, são 150 signatários, incluindo 12 dos maiores emissores de metano do mundo. A China, que não aderiu ao pacto, anunciou que a aprovação formal para seu plano focado nas emissões de metano estava pendente.

Qual o próximo passo? Uma vez que as lacunas na redução de emissões continuam, os países, em especial os maiores emissores, precisam apresentar com urgência planos climáticos robustos e ambiciosos e buscar políticas mais fortes para reduzir as emissões. Isso pode ser feito inclusive por meio de ações setoriais e focadas nas emissões de metano, visando conduzir as transformações necessárias para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Ao longo do próximo ano, as primeiras etapas do Programa de Trabalho de Mitigação e os resultados do primeiro Balanço Global na COP28 serão uma oportunidade importante para os países entrarem em um acordo coletivo em relação aos caminhos para reduzir as emissões em setores-chave.

5) Adiamento do debate sobre a aceleração da transição energética

A transição para abandonar o uso de combustíveis fósseis tornou-se um tema inesperadamente importante durante a COP27.

No ano passado, a COP26 terminou com uma discussão sobre os termos utilizados para descrever a eliminação gradativa da energia gerada a partir do carvão sem abatimento de emissões – a expressão definida, no final, foi “redução gradual”. Neste ano, assim como já havia feito em 2021, a Índia propôs estender a redução gradual para todos os combustíveis fósseis, uma proposta que ganhou apoio de 80 países em Sharm el-Sheikh, inclusive de membros da União Europeia.

Alguns países foram resistentes à proposta, que acabou excluída dos resultados finais da COP27, mas o tópico deve ressurgir como uma questão central na COP28.

Além disso, considerando a decisão da última COP em relação à energia a base de carvão, ainda restam dúvidas quanto ao avanço dos países nesse quesito.

Em paralelo, pela primeira vez a decisão principal da COP incluiu um apelo para acelerar a implantação de energia renovável. Mas esse progresso foi atenuado nos momentos finais da conferência, quando uma referência a implantação de energia de baixa emissão também foi adicionada, sem que muitas delegações estivessem cientes. Embora muitos tenham interpretado “baixa emissão” como uma referência ao gás natural, este não é de fato uma fonte de energia de baixa emissão, principalmente devido ao intenso e contínuo vazamento de metano.

Pessoas instalam painéis solares em edifício na Espanha
Instalação de painéis solares nas Ilhas Baleares, na Espanha. Pela primeira vez, a decisão principal da COP incluiu um apelo para acelerar a implantação de energia renovável (foto: tolobalaguer/Shutterstock)

Fora das negociações, parcerias pela transição energética justa (JETP, na sigla em inglês) – um conceito mencionado pela primeira vez na COP26, como um pacote de apoio para a África do Sul – foram objeto de atenção. O governo sul-africano publicou recentemente um plano de investimento detalhado para uma transição energética justa. O documento indica a necessidade de um investimento total de US$ 98,7 bilhões, enquanto as promessas de governos doadores somam apenas US$ 8,5 bilhões, e, desses, apenas 2,7% no formato de doações. A África do Sul já assinou acordos de empréstimo com a França e a Alemanha, cada um incluindo € 300 milhões em financiamento com condições favoráveis para apoiar uma transição energética justa no país africano.

Na Cúpula do G20 em Bali, que aconteceu no mesmo período da COP27, foi anunciada uma estrutura de parceria para a transição energética justa da Indonésia, com US$ 10 bilhões em financiamento dos Estados Unidos, Japão e diversos países europeus, além de outros US$ 10 bilhões do setor privado. Os detalhes, incluindo informações sobre como será o investimento privado, serão definidos posteriormente. Uma parceria pela transição energética justa do Vietnã também pode ser lançada este mês na cúpula UE-ASEAN, no valor de US$ 14 bilhões. Relatórios sugerem que entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões devem vir de empréstimos públicos e doações, e o restante de fontes privadas.

Qual o próximo passo? No próximo ano, o debate sobre a redução gradual de todos os combustíveis fósseis ou apenas do carvão deve continuar, potencialmente se tornando um tópico central nas discussões da COP28. E, à medida que a abordagem das parcerias pela transição energética justa ganha mais atenção, algumas questões importantes precisarão ser respondidas, como o tipo de financiamento que envolvem (quanto em financiamento com condições favoráveis e quanto em doações). A provisão de auxílio para trabalhadores e comunidades também deve ser incorporada nos planos de financiamento e investimento – tanto para Indonésia e Vietnã quanto para a África do Sul.

6) O Balanço Global passa da técnica para a política

O “Balanço Global” do Acordo de Paris é um processo por meio do qual os países avaliam, a cada cinco anos, o progresso coletivo em direção às metas do acordo, a fim de aumentar a ambição e as ações ao longo do tempo. A COP27 marcou o ponto intermediário do primeiro Balanço Global. Os países concordaram sobre a necessidade de se preparar para a fase política final do processo, que deve ser concluída na COP28, nos Emirados Árabes Unidos. Essa etapa será encerrada com uma decisão ou declaração da conferência com recomendações e mensagens políticas a respeito de questões-chave relacionadas à ação climática.

Em Sharm El-Sheikh, as discussões técnicas no âmbito do Balanço Global se concentraram em como os países e atores não-estatais podem preencher as atuais lacunas na ação climática nas áreas de mitigação, adaptação e apoio. O terceiro e último diálogo técnico deve acontecer em uma reunião intersecional em Bonn, na Alemanha, em junho de 2023, com a conclusão da fase política na COP28.

Qual o próximo passo? Para se preparar para a fase política final do Balanço ao longo do próximo ano, os países precisam comunicar e debater suas percepções sobre a abordagem e os resultados políticos do processo. Essa é uma mudança de foco – passando dos aspectos técnicos aos potenciais resultados políticos – essencial para garantir impacto. O Balanço Global pode desempenhar um papel fundamental na promoção de mais ação, cooperação e apoio setorial nesta década e depois. As nações devem pressionar por um resultado politicamente relevante, que vá além de apenas um compartilhamento de informações com recomendações vagas. Além disso, os países reiteraram o convite para a realização de eventos em âmbito nacional, regional e internacional para apoiar o processo do Balanço e saudaram os esforços do Secretário-Geral da ONU para convocar uma cúpula de ambição climática em 2023, antes da conclusão do primeiro Balanço Global.

7) Lançamento de novas iniciativas importantes na África

A COP27 foi chamada de “COP africana” por ter acontecido no Egito e, sob esse guarda-chuva, diversas iniciativas africanas chamaram a atenção.

Por exemplo, três parceiros financeiros da AFR100 – iniciativa que reúne 32 governos africanos comprometidos a restaurar mais de 120 milhões de hectares de terras degradadas até 2030 – anunciaram um mecanismo de financiamento combinado de US$ 2 bilhões para apoiar e acelerar iniciativas locais de restauração. O compromisso passa uma mensagem clara de que empreendimentos em restauração são investimentos seguros.

Durante a COP27, também foi lançado um fundo de adaptação para água entre cidades africanas (Fundo ACWA). Esse novo esforço vai permitir que lideranças municipais africanas tenham acesso direto a recursos e apoio técnico para implementar soluções inovadoras para uma série de questões hídricas, incluindo governança, gestão de bacias hidrográficas, serviços de saneamento e melhorias na gestão de águas pluviais e residuais. O Fundo vai disponibilizar US$ 222 milhões em doações e US$ 288 milhões em investimentos diretos, além de alavancar indiretamente outros US$ 5 bilhões em investimentos adicionais para ajudar a implementar soluções hídricas resilientes em 100 cidades africanas até 2032.

Homens preparam carregamento de melancias à beira de rio no Níger
As águas lamacentas do rio Niamey são usadas para o transporte de mercadorias no Níger. Um novo fundo lançado na COP27 apoiará soluções inovadoras para questões hídricas na África (foto: Katja Tsvetkova/Shutterstock)

Essas iniciativas são um indicativo do interesse crescente em mecanismos de financiamento combinado – unindo fundos públicos e privados – para mobilizar o capital necessário para os investimentos em resiliência na África. Ampliá-las e investir nas potencialidades locais para projetar, implementar e alavancar novos investimentos continua sendo fundamental para dar conta das dimensões desse desafio.

8) Preocupações sobre as regras do mercado de carbono

A maior parte das regras para os mercados de carbono foram finalizadas na COP26, e a COP27 deveria apenas acertar detalhes operacionais. Infelizmente, porém, as partes tiveram dificuldades com o grande volume de texto e a natureza altamente técnica do conteúdo.

Recomendações antecipadas sobre atividades envolvendo remoções de carbono, divulgadas no início da COP27, não foram suficientes e devem ser atualizadas antes da COP28 – idealmente, com limites e garantias a direitos humanos. Não foram tomadas decisões em relação à contagem dupla das emissões reduzidas, seja entre os países (como parte de suas NDCs) ou entre atores não-estatais (como empresas), para esclarecer em que casos isso poderia prejudicar a integridade dos mercados de carbono, dando a impressão de que a redução de emissões foi maior do que de fato é.

Em um movimento promissor, o Grupo de Especialistas de Alto Nível da ONU sobre Compromissos de Zero Líquido de Entidades Não-Estatais divulgou um novo relatório durante a COP27. Entre outras recomendações, o documento sugere que créditos de carbono de alta qualidade não podem substituir a redução de emissões necessária para o cumprimento das metas de zero líquido. Créditos de carbono de alto valor devem ser considerados apenas para reduzir as emissões para além da própria cadeia de valor das empresas.

Qual o próximo passo? Embora a expectativa fosse de que os detalhes operacionais dos mercados de carbono seriam discutidos no Egito, as partes decidiram continuar essas negociações ao longo dos próximos dois anos. No próximo ano, iniciativas envolvendo múltiplos atores, como o Conselho de Integridade do Mercado de Carbono Voluntário e a Iniciativa de Integridade do Mercado de Carbono Voluntário manterão seus respectivos esforços para promover a qualidade dos créditos de carbono e assegurar a integridade das solicitações corporativas baseadas no uso de créditos de carbono.

9) Avanço das soluções baseadas na natureza

Na COP27, as soluções baseadas na natureza foram incluídas na decisão principal das negociações pela primeira vez. O texto incentiva as partes a considerarem soluções baseadas na natureza ou abordagens ecossistêmicas e, ao mesmo tempo, assegura garantias sociais e ambientais relevantes – embora tenha falhado o esforço para relacionar clima e natureza de forma mais explícita na decisão principal.

O texto da decisão foi complementado ainda por indicativos do aumento da vontade política e de novos compromissos financeiros.

pessoas agachadas trabalhando na restauração de mangues na Indonésia
Em Semarang, na Indonésia, jovens se voluntariam para plantar manguezais como parte dos esforços de restauração de corpos hídricos no país. Na COP27, pela primeira vez, soluções baseadas na natureza fizeram parte de uma decisão principal das negociações climáticas da ONU (foto: Moh. Saefudin/Shutterstock)

Fora das negociações, o lançamento da Parceria de Líderes de Florestas e Clima reuniu 28 países (e contando) para interromper e reverter a perda e a degradação florestal até 2030. Brasil, Indonésia e a República Democrática do Congo também anunciaram uma parceria para cooperar em esforços pela preservação florestal. Embora um discurso unificado por parte dos países que abrigam florestas tropicais possa levantar o tão necessário financiamento, à medida que a estratégia da parceria avança, será essencial garantir que as comunidades locais tenham um papel significativo.

Dos US$ 12 bilhões prometidos pelos governos na COP26 para proteger, restaurar e fazer o manejo sustentável das florestas ao longo de cinco anos (2021-2026), os países anunciaram que US$ 2,67 bilhões já foram gastos. A Alemanha dobrou seu compromisso financeiro, de € 1 bilhão para € 2 bilhões. E entidades privadas acrescentaram US$ 3,6 bilhões aos US$ 7,2 bilhões com os quais já haviam se comprometido em Glasgow pela proteção e restauração florestal. Essa última mudança inclui o anúncio da Coalizão LEAF (sigla em inglês para “Reduzindo as Emissões Acelerando o Financiamento Florestal”) de US$ 500 milhões para a aquisição de créditos de redução de emissões de alta integridade, bem como o estabelecimento da colaboração Florestas, Pessoas, Clima, que prometeu US$ 400 milhões em financiamento filantrópico.

Qual o próximo passo? No Dia da Biodiversidade da COP27, as principais lideranças climáticas, junto a um grupo de 350 cientistas e representantes de povos indígenas, empresas e ONGs, reivindicaram que os governos priorizem a Conferência de Biodiversidade da ONU (COP15) e criem um tratado semelhante ao Acordo de Paris para reverter o cenário da perda de biodiversidade. Saberemos se isso vai acontecer ou não antes do fim do ano.


Este artigo foi publicado originalmente no Insights