Entenda como o Pacto Climático de Glasgow planeja reduzir as emissões
Em novembro de 2021, as negociações climáticas em Glasgow estamparam as manchetes com novos anúncios a respeito de uma série de soluções climáticas voltadas para florestas, financiamento e emissões de metano. Enquanto essas iniciativas se tornavam notícia, nos bastidores os negociadores oficializavam o resultado formal da COP26: o Pacto Climático de Glasgow. Diferente dos anúncios setoriais feitos por variados atores durante a conferência, o pacto foi um acordo entre todos os países que fazem parte do Acordo de Paris.
Mas como o Pacto Climático de Glasgow conduz os esforços para reduzir as emissões de gases do efeito estufa que causam as mudanças climáticas? A seguir estão as cinco principais maneiras pelas quais isso acontece.
1. O pacto exige que as partes envolvidas reavaliem e fortaleçam suas metas de redução de emissões para 2030
Nos dois anos que precederam as negociações em Glasgow, aproximadamente 150 países submeteram novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês) ou atualizaram as anteriores, a maioria contendo metas de redução de emissões que devem ser atingidas até 2030. A maior parte das metas propõe uma redução de emissões que vai além das versões anteriores das NDCs. Apesar desse avanço, ainda há uma profunda lacuna entre a projeção das emissões globais conforme as NDCs e o que deveria ser um caminho compatível com o limite de aquecimento de 1,5°C.
Para fechar essa lacuna, o Pacto Climático de Glasgow solicita que os países reavaliem e fortaleçam suas metas para que estejam “alinhadas à meta de temperatura do Acordo de Paris até o final de 2022, consideradas as diferentes circunstâncias nacionais”.
Embora o pacto não especifique os países, é provável que esse tom busque chamar atenção em particular de grandes economias – como Austrália, Brasil, Indonésia e México – que submeteram NDCs “atualizadas” mas não mais ambiciosas do que as anteriores. Países que ainda não publicaram ou atualizaram suas NDCs – como Índia e Turquia – também são convocados a fazer isso. E todos os maiores emissores devem revisar seus compromissos para 2030 a fim de identificar aspectos que podem ser fortalecidos, incluindo metas mais ambiciosas para as emissões de metano ou outros setores relevantes.
2. O pacto une as NDCs e estratégias de longo prazo a uma transição justa para um futuro de zero emissões líquidas
Além das metas de 2030, cada vez mais países têm estabelecido metas para atingir o zero líquido das emissões por volta da metade do século. Para isso, essas nações têm traçado estratégias climáticas de longo prazo, que em geral detalham as trajetórias das metas para 2050. Na verdade, se as metas atuais forem alcançadas, o aquecimento poderia ser limitado a 1,9°C. Mas as NDCs – muitas das quais apresentam metas de redução de emissões para 2030 – ainda não estão alinhadas com metas de longo prazo focadas no zero líquido: contando somente com as NDCs, a temperatura pode aumentar até 2,5°C, uma realidade longe de estar compatível com o Acordo de Paris. Além disso, nem todas as estratégias de longo prazo foram concebidas para zerar as emissões líquidas.
Pela primeira vez, o Pacto Climático de Glasgow convoca os países a resolverem essa falta de alinhamento. O acordo enfatiza a urgência para que os governos apresentem estratégias de longo prazo “rumo a transições justas para o zero líquido até a metade do século, consideradas as diferentes circunstâncias nacionais” e ressalta a “importância de alinhar as contribuições nacionalmente determinadas com estratégias de desenvolvimento de longo prazo e baixa emissão de gases de efeito estufa”.
Juntas, essas cláusulas solicitam que os países estabeleçam metas de emissões líquidas zero, planejem estratégias para atingi-las em uma transição justa e alinhem essas estratégias a suas NDCs e outras ações ao longo da próxima década.
3. O pacto prolonga as estratégias de longo prazo e exige um relatório-síntese sobre elas
As estratégias de longo prazo estabelecem marcadores da ação nacional dentro de um prazo de meio século e, portanto, são mecanismos importantes para conduzir e avaliar o progresso em relação aos objetivos do Acordo de Paris.
Ao final das negociações, 46 partes envolvidas haviam anunciado uma estratégia de longo prazo; mais de metade delas foram submetidas apenas no último ano. Para incentivar mais países a elaborarem e submeterem suas estratégias, revisando-as e atualizando-as ao longo do tempo, o Pacto Climático de Glasgow coloca em prática a estrutura necessária para manter e impulsionar o momento favorável ao longo dos próximos anos.
Primeiro, o pacto convoca os países a desenvolverem suas estratégias o quanto antes, sem deixar passar a COP27. Depois, convida os países a atualizarem essas estratégias de forma regular e com embasamento científico, o que é essencial para que planos de 30 anos permaneçam válidos ao longo do tempo. Por fim, exige que o secretariado da UNFCCC elabore um relatório-síntese sobre elas antes da COP27. Embora o escopo desse relatório ainda não tenha sido definido, pode se espelhar nos anteriores, produzidos sobre as NDCs, incluindo uma estimativa do grau em que as metas e estratégias dos países reduziriam as emissões globais de gases do efeito estufa.
4. O pacto estabelece processos para impulsionar a ambição nesta década
O Pacto Climático de Glasgow também coloca em vigor três novos processos – um programa de trabalho, uma mesa redonda anual e um relatório, também anual – para reforçar a ação climática e a ambição nesta década.
Primeiro, o pacto estabelece um programa de trabalho para “aumentar a ambição e a implementação das medidas de mitigação” ao longo da década de 2020. Como parte desse programa, os países podem solucionar questões como as transformações setoriais necessárias para limitar o aquecimento a 1,5°C, além de alinhar metas e ações mais imediatas com estratégias de longo prazo visando ao zero líquido até a metade do século. Da mesma forma, o acordo também solicita que uma decisão sobre ampliar a ambição e a implementação de medidas de mitigação seja considerada e adotada pelas partes envolvidas até a COP27.
Segundo: o pacto convoca uma “mesa redonda ministerial anual de alto nível” para debater a ambição pré-2030, começando na COP27. Como parte da mesa redonda, os ministros poderão debater as questões técnicas no âmbito do programa de trabalho e transformá-las em resultados políticos relevantes.
Terceiro: o pacto obriga as Nações Unidas a produzirem um relatório anual até a data de cada COP, avaliando as NDCs dos países e a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Embora a ONU já tenha lançado anteriormente relatórios-síntese similares antes da COP26, esses novos relatórios agora se tornam anuais. Além disso, continuarão avaliando os compromissos dos países, mantendo a pressão para que aumentem seus esforços em termos de ambição e implementação.
5. O pacto foca em combustíveis fósseis, natureza, ecossistemas, outros gases além do CO2 e em uma transição justa
Por fim, o Pacto Climático de Glasgow destaca muitas das transições específicas que precisam acontecer para que possamos concretizar a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C – e a necessidade de que essas transições sejam justas. Esse tom traça uma imagem mais clara não apenas do que precisa acontecer – a redução das emissões pela metade até 2030 e o zero líquido até a metade do século –, mas também de como chegar lá. O pacto concentra sua atenção em indústrias específicas e outros atores cujas práticas precisam mudar para que possamos atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris.
Pela primeira vez na história das decisões da COP, foi lançada uma luz sobre os combustíveis fósseis, com um chamado para que os países acelerem “a redução gradual da energia gerada pelo carvão sem abatimento de emissões e a eliminação gradual dos subsídios para combustíveis fósseis”. Embora as negociações tenham enfraquecido o tom (os rascunhos anteriores exigiam uma eliminação gradual, em vez de uma redução gradual, do carvão sem abatimento de emissões), o texto final não tem precedentes em seu apelo explícito em relação ao carvão como peça importante da transição energética. O pacto também exige que se “aumente rapidamente a geração de energia limpa e a implementação de medidas de eficiência energética”.
Em segundo lugar, o pacto pede que os países “considerem ações para reduzir as emissões de outros gases além do CO2, incluindo o metano, também até 2030”. Essa decisão complementa o Pacto Global do Metano, lançado na COP26, por meio do qual mais de 100 países se comprometeram com uma redução coletiva de 30% das emissões de metano até 2030.
Em terceiro lugar, o pacto “enfatiza a importância de proteger, conservar e restaurar a natureza e os ecossistemas para alcançar a meta de temperatura do Acordo de Paris”.
Por fim, em uma dimensão sem precedentes, o Pacto Climático de Glasgow ressalta o papel vital que medidas voltadas para uma transição justa desempenham nas transformações necessárias para combater as mudanças climáticas. Ao convocar os países a apresentarem estratégias de longo prazo, o pacto refere-se a “transições justas em direção ao zero líquido das emissões” e, ao exigir a transição energética e a redução gradual do uso do carvão, a decisão reconhece “a necessidade de apoio para uma transição justa”. Além disso, na seção referente à implementação, o Pacto Climático de Glasgow solicita financiamento para promover essa transição justa, gerar oportunidades de trabalho dignas e atender a outras questões de equidade.
Concretizando o potencial de redução de emissões do Pacto de Glasgow
Juntas, as medidas do Pacto de Glasgow se propõem a acelerar os esforços para preencher a lacuna ainda existente na redução de emissões necessária até 2030. Para isso, pede que os países alinhem seus compromissos com as metas do Acordo de Paris e com o caminho de uma transição justa rumo ao zero líquido. O pacto estabelece processos para priorizar esses compromissos e destaca necessidades e oportunidades específicas para a redução de emissões em setores-chave. Trata-se de um importante resultado que vai além do que o próprio Acordo de Paris exigiu dos países, ampliando o prazo e o foco político de seus compromissos em uma tentativa de aumentar a ambição.
Dito isso, ainda não está claro se essa atenção prolongada será suficiente para superar os obstáculos políticos que ainda impedem compromissos mais ambiciosos até o momento. O ônus, mais uma vez, recai sobre os atores domésticos, que precisam superar essas barreiras e estabelecer objetivos alinhados com metas globais de temperatura – mesmo enquanto aumentam esforços para implementar seus compromissos já existentes.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.