Os impactos das mudanças climáticas têm sido ainda mais evidentes este ano, com inundações severas no sul do Brasil e na África Oriental, secas no México e na Europa e incêndios florestais no Canadá, além do calor recorde que tem tirado vidas em todo o mundo. Essas catástrofes são a prova de que o mundo ainda não fez o suficiente para combater a crise climática.

Mas não é tarde demais. Os cientistas dizem que ainda é possível evitar os impactos mais devastadores se fizermos agora uma mudança de rumo. Embora os países estejam avançando em áreas importantes – as vendas de veículos elétricos continuam subindo e as fontes de energia renovável representaram 86% dos adicionais de energia em 2023 –, manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C exige ações cada vez mais rápidas em todas as frentes. As emissões globais de gases com efeito de estufa (GEE) devem atingir o pico imediatamente e diminuir o mais rápido possível para que possamos atingir o zero líquido até a metade do século.

Uma oportunidade crucial para esse objetivo já desponta no horizonte. Em 2025, está prevista a próxima rodada de compromissos climáticos nacionais – conhecidos como “Contribuições Nacionalmente Determinadas” ou NDCs. Esses planos vão detalhar as ações climáticas dos países até 2035. A concretização de NDCs mais ambiciosas nesse próximo ciclo é essencial para limitar o aquecimento global e garantir um futuro mais seguro e habitável para todos.

Mas o que exatamente são as NDCs? E por que são tão importantes para combater as mudanças climáticas?

1) O que são Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDCs)?

As NDCs estabelecem as contribuições de cada país para os objetivos do Acordo de Paris. Os documentos detalham os planos dos países para reduzir as emissões de GEE e ajudar a manter o aquecimento global “bem abaixo” de 2°C, idealmente em 1,5°C. Muitas NDCs também incluem medidas para gerar resiliência a impactos climáticos, como secas e a elevação do nível do mar, e informações sobre os custos necessários para cumprir cada compromisso.

No âmbito do Acordo de Paris, os países concordaram em apresentar novas NDCs a cada cinco anos, refletindo a “maior ambição possível”. A cada ciclo de NDCs, os países precisam fortalecer seus compromissos com base nos dados mais recentes da ciência climática.

A maioria dos países apresentou metas iniciais de emissões antes da adoção do Acordo de Paris em 2015. Em junho de 2024, a maioria enviou NDCs novas ou atualizadas com metas para 2030 – mas apenas algumas incluíram reduções de emissões mais ambiciosas. A próxima rodada de NDCs, que deve apresentar metas para 2035, está prevista para o início de 2025.

 

 

2) Por que as NDCs são importantes para o combate às mudanças climáticas?

O combate à crise climática exige mudanças fundamentais em toda a sociedade, desde a forma como abastecemos casas e veículos com energia e combustível até a forma como produzimos nossos alimentos ou planejamos nossas cidades. Ao mesmo tempo, o mundo deve intensificar os esforços para ajudar as comunidades – especialmente as mais vulneráveis – a se adaptarem às mudanças que já ocorrem. Embora essas ações possam ser impulsionadas por objetivos globais como o Acordo de Paris, em geral são planejadas e executadas em âmbito local ou nacional.

É aí que entram as NDCs.

As NDCs são o principal instrumento por meio do qual os países podem agir de forma coletiva para combater as mudanças climáticas. As NDCs transformam os acordos climáticos internacionais em metas e medidas concretas que os países implementarão nos próximos dez anos. O Acordo de Paris exige que os países reduzam suas emissões para cumprir suas NDCs e comuniquem publicamente seus avanços.

As NDCs também geram apoio político para ações climáticas específicas, demonstrando o compromisso do país com um futuro livre de emissões de carbono. Isso pode impulsionar as transformações sociais e econômicas necessárias para cumprir as metas climáticas nacionais, incluindo investimentos de uma ampla variedade de fontes (públicas, privadas, nacionais e internacionais).

Além disso, as NDCs podem contribuir para as prioridades climáticas e de desenvolvimento de longo prazo dos países. Por exemplo, as ações de curto prazo para reduzir as emissões devem estar alinhadas a quaisquer metas de zero líquido em sua “estratégias climáticas de longo prazo” (LTS, na sigla em inglês). As NDCs também podem apoiar a implementação dos Planos Nacionais de Adaptação ao definir ações para que setores-chave, como energia e agricultura, se tornem mais resilientes aos impactos climáticos.

3) As atuais NDCs são suficientes para combater as mudanças climáticas?

Os países fizeram progressos significativos na ação climática desde 2015, mas os compromissos atuais ainda não são ambiciosos o suficiente para abranger toda a dimensão da crise climática. Longe de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, as ações previstas nas atuais NDCs nos levam a um aquecimento catastrófico de 2,5°C a 2,9°C até 2100.

gráfico detalha lacuna de emissões para objetivos do Acordo de Paris

Manter o aumento da temperatura sob controle exige medidas imediatas para transformar todos os setores econômicos, incluindo uma rápida transição dos combustíveis fósseis. No entanto, menos da metade das atuais NDCs contêm medidas explicitamente relacionadas ao consumo de combustíveis fósseis – e apenas 11 incluem medidas para eliminar gradualmente ou acabar com seu uso. O número de NDCs com metas para setores com altos níveis de emissões, como energia, transportes e agricultura aumentou – mas a ambição desses objetivos é pouco expressiva. E alguns países não contam com nenhuma meta setorial específica.

A maioria dos países em desenvolvimento inclui em suas NDCs medidas relacionadas à adaptação, indicando de que forma vão ajudar as comunidades vulneráveis a construir resiliência aos impactos climáticos. Muitas vezes, porém, esses países não contam com mecanismos adequados de financiamento e monitoramento para garantir que esses planos se concretizem. As nações desenvolvidas, por sua vez, em geral não incluem medidas de adaptação em suas NDCs.

Por fim, os países não têm tomado medidas suficientes para cumprir sequer as metas existentes. Em 2030, as ações atuais provavelmente resultarão em um nível de emissões mais alto do que as NDCs indicam, revelando uma lacuna de implementação significativa que os países devem trabalhar para corrigir.

4) O que os países devem incluir em suas NDCs de 2025?

O próximo ano oferece uma oportunidade fundamental para que os países apresentem NDCs mais ambiciosas, capazes de manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C e garantir um futuro resiliente para todas as pessoas. Mas como isso será no papel?

Especialistas do WRI identificaram cinco pontos cruciais para a próxima geração de NDCs:

  • 1. Incluir metas de redução de emissões para 2035 e fortalecer as metas para 2030 alinhadas com objetivos de 1,5°C e emissões líquidas zero. Todos os países precisam avançar nessa frente, mas os principais emissores precisam demonstrar mais liderança na redução de emissões até 2035. Esse é o meio do caminho entre as primeiras NDCs, em 2020, e o prazo dentro do qual muitos países se comprometeram a atingir emissões líquidas zero, em 2050. Agora, portanto, é o momento para alinhar as ações de curto e médio prazo com os objetivos de longo prazo. As NDCs também devem incluir metas específicas para gases de curta duração, mas altamente potentes, como o metano.
  • Metas setoriais ambiciosas e com prazo definido em setores-chave como energia e alimentos. Todos os países devem estabelecer metas ambiciosas, detalhadas e com prazos definidos para os setores mais intensivos em carbono – como energia, transportes, alimentos, agricultura e uso da terra. Essas metas podem enviar um sinal mais claro a governos, empresas e investidores do que apenas uma meta geral. As NDCs de 2025 devem se comprometer a abandonar rapidamente os combustíveis fósseis, aumentar a energia renovável, adotar meios de transporte livre de emissões, reduzir o desperdício de alimentos e investir em práticas agrícolas de baixo carbono e resistentes ao clima, entre outras medidas.
  • Medidas mais robustas para se adaptar aos impactos climáticos. Fenômenos climáticos como tempestades, incêndios florestais e calor extremo têm aumentado mais rápido do que o esperado. O próximo ciclo de NDCs deve reforçar as ações para tornar as comunidades, economias e ecossistemas mais resilientes. As NDCs também precisam considerar as perdas e danos causados pelas mudanças climáticas – ou seja, mudanças que já vão além daquilo que as comunidades ainda podem se adaptar de forma realista.
  • Estimular investimentos e reforçar a governança para transformar metas em ações. Definir metas é apenas o primeiro passo. As NDCs também precisam definir a forma como os países implementarão seus planos climáticos nacionais. Isso exige uma abordagem abrangente, envolvendo todas as instâncias de governo, de ministérios a governos subnacionais. Exige também políticas para estimular o investimento na ação climática e alinhar o financiamento de diferentes fontes e partes interessadas, incluindo o setor privado.
  • Foco nas pessoas e comunidades. A transição para uma economia livre de emissões e resistente às mudanças climáticas pode criar milhões de empregos, reduzir a poluição, melhorar a saúde humana e gerar uma série de outros benefícios para as pessoas em todo o mundo. Mas os países precisam elaborar seus planos de transição com cuidado, a fim de distribuir os benefícios de forma justa e evitar externalidades negativas, como perdas de emprego ou deslocamento de populações. A próxima rodada de NDCs precisa que todos os países adotem esses princípios de “transição justa” em seus compromissos climáticos.
gráfico mostra os 5 pontos das novas ndcs

5) Qual o apoio necessário para que os países em desenvolvimento possam implementar suas NDCs?

A implementação das NDCs exige investimentos significativos. Embora o financiamento climático possa provir de diversas fontes, incluindo fundos públicos nacionais e investidores privados, os países em desenvolvimento também necessitam de apoio de fontes internacionais, como bancos de desenvolvimento e fundos climáticos.

Já é reconhecido que os países em desenvolvimento precisam de um nível de financiamento muito mais alto do que o atual para adotar tecnologias verdes e construir resiliência ao agravamento da crise climática. Muitas NDCs de países em desenvolvimento incluem compromissos climáticos “condicionais” – ou seja, metas que pretendem alcançar apenas com apoio internacional. Dos US$ 4,5 bilhões que os países em desenvolvimento juntos afirmam precisar para implementar suas NDCs, US$ 1,6 trilhão representam compromissos condicionais. E esta é apenas uma estimativa parcial, uma vez que nem todos os países em desenvolvimento possuem requisitos financeiros em suas NDCs. Em comparação com esses US$ 1,6 trilhão, os países desenvolvidos atualmente estão comprometidos em mobilizar US$ 100 bilhões por ano em apoio até 2025.

Em novembro, na COP29, em Baku, os negociadores estarão reunidos para definir uma nova meta global de financiamento climático e começar a solucionar essa lacuna. A nova meta deve considerar as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento, conforme acordado na COP21 em 2015.

Além de mais financiamento, os países desenvolvidos comprometeram-se a fornecer assistência técnica e transferência de tecnologia para apoiar a ação climática dos países em desenvolvimento.

Assistência técnica se refere a conectar os países em desenvolvimento com especialistas e recursos para ajudá-los a desenvolver e implementar suas NDCs. Os programas de treinamento servem para compartilhar conhecimentos e desenvolver capacidades para ajudar os países em desenvolvimento a adotar abordagens eficazes para promover soluções climáticas.

A transferência de tecnologia envolve o compartilhamento de tecnologias limpas e conhecimentos relevantes por parte dos países desenvolvidos com as nações em desenvolvimento, a fim de apoiar a transição de suas economias para um cenário de baixas emissões de carbono; por exemplo, ajudando-os a obter licenças para utilizar tecnologias patenteadas.

homem caminha em meio a enchente
Num bairro próximo à Cidade do Cabo, na África do Sul, um homem caminha por uma rua inundada depois das chuvas intensas de junho de 2022. À medida que os desastres climáticos se tornam mais frequentes e graves, os países precisam de mais financiamento para enfrentar tanto as causas quanto os impactos das mudanças climáticas (foto: brazzo/iStock)

6) Qual a relação das NDCs com as negociações climáticas da ONU?

Embora as NDCs sejam desenvolvidas em âmbito nacional, estão diretamente ligadas às negociações internacionais sobre o clima. Existem mecanismos, no âmbito das negociações climáticas da ONU, destinados a embasar o desenvolvimento das NDCs e acompanhar os avanços dos países, de forma transparente, no cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris.

O Balanço Global, por exemplo, avalia o progresso coletivo dos países no combate às mudanças climáticas de cinco em cinco anos e foi criado especificamente para orientar o avanço das NDCs. O primeiro Balanço Global, em 2023, apelou aos países para que abandonassem os combustíveis fósseis e aumentassem as fontes de energia renovável, entre outras medidas. Essas metas devem servir de embasamento para as NDCs que os países precisam apresentar no início de 2025.

A cada dois anos os países também apresentam relatórios de transparência analisando os avanços na implementação de suas NDCs, incluindo esforços para reduzir as emissões e intensificar as ações de adaptação. Esses documentos também podem comunicar o nível de apoio financeiro, técnico ou tecnológico que os países necessitam ou estao fornecendo.

Além disso, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças climáticas (UNFCCC) publica regularmente Relatórios de Síntese das NDCs que compilam informações de todas as NDCs para avaliar o progresso e identificar lacunas na implementação dos objetivos do Acordo de Paris.

7) As NDCs são obrigatórias e juridicamente vinculantes?

Nos termos do Acordo de Paris, os países são obrigados a apresentar uma NDC e a promover medidas de mitigação nacionais para cumprir seus compromissos. Embora não estejam legalmente obrigados a alcançar as metas de suas NDCs, no âmbito do Acordo os países assumem uma série de responsabilidades que estabelecem as bases para o cumprimento de suas metas.

Por exemplo, a cinco anos todos os signatários do Acordo devem uma NDC nova ou atualizada, mais ambiciosa do que a anterior. O Acordo afirma claramente que os países desenvolvidos devem assumir a liderança, promovendo reduções de emissões em toda a economia, enquanto os países em desenvolvimento devem “continuar aprimorando” seus esforços de mitigação na medida do possível. Os países também são convidados a promover a transparência em torno dos esforços de implementação, sendo os países desenvolvidos obrigados a acompanhar e reportar suas reduções de emissões.

Além disso, muitos países – como o Reino Unido e o Chile – consagraram seus compromissos climáticos em leis e regulamentos nacionais vinculantes.

Saiba mais sobre a estrutura jurídica do Acordo de Paris aqui.

8) Onde posso saber mais sobre as NDCs anteriores e atualizadas dos países?

O WRI desenvolveu diversos recursos e materiais com informações sobre as NDCs dos países e como implementá-las. Por exemplo:

  • O NDC Explorer do Climate Watch é um amplo banco de dados das NDCs de todos os países. A ferramenta inclui mais de 150 indicadores que permitem que usuários explorem todos os aspectos das NDCs, incluindo a forma como tratam de adaptação, financiamento, mitigação, perdas e danos e diferentes setores.
  • O Next Generation NDCs oferece recursos e seminários online para ajudar os países na elaboração de suas próximas NDCs, incluindo orientações sobre a definição de metas setoriais específicas e como as NDCs podem ser alinhadas a estratégias climáticas de longo prazo.
  • O Paying for Paris, do WRI, reúne um conjunto de ferramentas para ajudar os países a entender como financiar suas NDCs.

Antes da COP29, o World Resources Institute lançará ainda o “2025 NDC Tracker”, uma plataforma que permitirá que os usuários acompanhem quais países submeteram novas NDCs e qual seu potencial de redução de emissões em comparação com as NDCs do ciclo anterior.


Este artigo foi publicado originalmente no Insights