Que Reserva Legal (RL) realmente se quer recuperar na Mata Atlântica? A pergunta, que motivou a recente campanha lançada pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, precisa ser respondida para viabilizar o uso econômico sustentável dos recursos naturais nos imóveis rurais no bioma, a conservação da biodiversidade e a proteção da fauna silvestre e da flora nativa.

A reserva legal é um mecanismo para a proteção da cobertura vegetal nativa dentro de uma propriedade rural privada e está prevista na Lei Florestal 12.651, de 2012. Na Mata Atlântica, a lei exige que 20% da área do imóvel rural esteja recoberta por vegetação nativa, a título de Reserva Legal (RL). Os proprietários que não possuem essa porcentagem devem compensá-la por meio de contratos de servidão florestal, títulos de Cota de Reserva Ambiental ou então recuperar sua vegetação nativa.

O momento é apropriado para estimular o debate e criar um consenso mínimo em torno da reserva legal que se quer no bioma. Um dos motivos para isso é que os proprietários precisarão optar por aderir – ou não – aos Programas de Regularização Ambiental (PRA) estaduais até o prazo final para a regularização no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Criado pela mesma lei, o CAR é o instrumento obrigatório para a regularização ambiental das propriedades rurais no país. Sem ele, o proprietário ficará, por exemplo, impedido de receber o crédito agrícola e ter acesso a outros benefícios previstos na Lei Florestal.

A adesão aos PRA é voluntária. O proprietário que decidir por ela em seu estado terá acesso a diversos benefícios previstos em lei, como a recomposição da reserva legal com plantio intercalado de espécies nativas e exóticas e metragens mais brandas, de acordo com o tamanho do imóvel, para Áreas de Preservação Permanente (APP).

Oportunidade de restauração nas reservas legais

As reservas legais na Mata Atlântica oferecem uma oportunidade para o fortalecimento da economia da restauração florestal. Além de usar a reserva legal como área produtora de bens que podem ser usados nas propriedades, como lenha e madeira para benfeitorias (estacas, postes, mourões), plantas medicinais e frutos, o proprietário também pode lucrar com a comercialização de produtos madeireiros e não madeireiros produzidos de forma sustentável dentro da área.

A RL gera benefícios ambientais, reduz a perda de solo e melhora a qualidade de água além de colaborar para a estabilidade climática, beneficiando o produtor rural, os vizinhos da propriedade e as comunidades urbanas, mesmo as mais distantes.

O sucesso da agenda dependerá de um esforço coletivo para estruturar uma cadeia de valor capaz de atrair investimentos, gerar milhares de “empregos verdes” e valorizar a produção e o consumo de produtos oriundos da rica sociobiodiversidade brasileira.

Metodologias como a ROAM auxiliam a identificar oportunidades de Restauração de Paisagens Florestais (RPF), sejam elas econômicas, ambientais ou sociais. A valorização econômica do reflorestamento com espécies nativas, objeto fundamental do Projeto VERENA, busca demonstrar a viabilidade técnica e econômica dessa nova economia.

Essas abordagens, nas quais o WRI Brasil tem participação ativa, colaboraram para engajar atores locais em um objetivo comum, que é o de ganhar escala na recuperação de florestas e articular oportunidades de restauração com investidores públicos e privados comprometidos com a nova economia da restauração.

Benefícios da natureza: mel, água, sementes e madeira (Fotos: Aurelio Padovezi/WRI Brasil)

Benefícios da natureza: mel, água, sementes e madeira (Fotos: Aurelio Padovezi/WRI Brasil)

O futuro da Mata Atlântica nas reservas legais

Pouco resta (12,5%) da Mata Atlântica, distribuída em 17 Estados brasileiros. A floresta remanescente sobrevive em unidades de conservação e, principalmente, propriedades rurais. Os pequenos fragmentos verdes (80% não passam de 50 hectares) garantem a conservação da biodiversidade, o abrigo de espécies endêmicas e a manutenção do alto grau de heterogeneidade biológica do bioma, um dos mais elevados do planeta.

No Brasil, há um déficit de florestas que poderiam ser protegidas, restauradas ou mesmo compensadas. As estimativas mais conservadoras apresentam uma demanda maior que 20 milhões de hectares a serem recuperados, sendo mais da metade em reservas legais.

A ratificação do Acordo do Clima de Paris posicionou as florestas em um lugar de ainda mais destaque para a mitigação das mudanças climáticas, a reorientação dos rumos da economia mundial e o futuro da humanidade. Zerar o desmatamento ilegal e contribuir para a restauração de 12 milhões de hectares, ambos compromissos da NDC brasileira, são peças fundamentais para mitigar a mudança do clima até 2030.

Que Reserva Legal queremos?

A campanha Que Reserva Legal queremos na Mata Atlântica? pretende construir um ambiente favorável para que investimentos e ações de recuperação aconteçam. O questionário foi elaborado para identificar a opinião de atores-chave sobre temas sensíveis à agenda.

As perguntas pedem preparação e conhecimento sobre o tema. Para isso, foram disponibilizados pareceres sobres aspectos jurídicos, ecológicos e econômicos.

As respostas serão sistematizadas em um relatório final, que servirá de base para que o Conselho de Coordenação do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica redija uma carta de opinião sobre a reserva legal que se quer no bioma. A carta será utilizada para influenciar governos estaduais a estruturarem seus respectivos Programas de Regularização Ambiental (PRA), o que contribuiria para viabilizar a recuperação de reservas legais.

Recuperar a Mata Atlântica é fundamental para conservar esse patrimônio da humanidade. Fazer isso tem o potencial de disparar a nova economia de restauração no Brasil e contribuir para que o país enfrente a desaceleração da economia. O desafio não é trivial: estão em jogo milhões de hectares e reais. Assim como qualquer projeto de desenvolvimento nacional, é preciso construir uma visão clara de onde se quer chegar entre aqueles que farão isso acontecer. Neste caso, são proprietários rurais, empresários, representantes do governo, ambientalistas, economistas e demais integrantes da agenda da restauração.

A riqueza da Mata Atlântica pagou um preço alto por acompanhar de perto o desenvolvimento brasileiro, desde os ciclos econômicos como o da madeira, o do ouro e o do café até a industrialização. Diferente de outras épocas, o bioma em que vivem quase 72% dos brasileiros (IBGE, 2014) pode testemunhar nos próximos anos uma outra revolução verde que marcará a história: a era da restauração.

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Aurelio Padovezi é vice-coordenador do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e coordenador do Grupo de Trabalho de Política Pública do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. O WRI Brasil idealizou e coordenou o lançamento da campanha pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.