Nos últimos anos, graves crises hídricas têm preocupado as principais cidades do Brasil. No Rio de Janeiro, a poluição severa na Baía de Guanabara está colocando em risco as competições de vela e outros esportes aquáticos dos Jogos Olímpicos. A seca histórica que acometeu a região metropolitana de São Paulo, entre 2013 e 2015, diminuiu drasticamente sua produção rural e industrial, ameaçando também a economia nacional. A necessidade de racionamento de água nas residências forçou as pessoas a estocarem água em recipientes que se tornaram criadouros do mosquito da Dengue, que podem ter contribuído para o recente surto do Zika Vírus. Os níveis de água nos reservatórios de São Paulo melhoraram desde então, mas fontes estáveis de água estão longe de estar garantidas.

Algumas causas são familiares: aplicação inadequada das leis, perdas nos sistemas de distribuição de água, crescimento populacional e o desenvolvimento urbano ultrapassando os limites de água disponíveis para o abastecimento. Porém, ao olhar para fora dos limites das cidades, uma causa menos conhecida emerge: a degradação da infraestrutura natural.

A infraestrutura natural (também conhecida como “infraestrutura verde”) refere-se a espaços naturais e abertos, como florestas ou zonas úmidas, que são estrategicamente manejados para proteger o abastecimento de água. Se essas áreas naturais são reduzidas em função da expansão urbana, convertidas em áreas agrícolas ou degradadas, o abastecimento de água das cidades estará mais propenso a sofrer por escassez ou tornar-se poluído. Quando manejadas de forma adequada, a infraestrutura natural garante maior disponibilidade de água para as cidades através do controle de vazão, prevenção do acúmulo de sedimentos responsáveis pelo assoreamento de córregos e rios, e pela retenção de poluentes antes que alcancem os cursos d'água.

Enquanto algumas soluções inovadoras têm surgido para proteger e restaurar a infraestrutura natural – como, por exemplo, a criação de Fundos de Água (parcerias público-privadas que investem em infraestrutura natural) – elas ainda são mais exceção do que regra. A maioria das cidades do Brasil – e de toda a América Latina – dependem exclusivamente da "infraestrutura cinza", como estações de tratamento de água, diques e barragens, mesmo quando as ameaças ambientais para o abastecimento de água se intensificam.

Como ampliar a escala da infraestrutura natural?

O Brasil pode ainda não ter aderido plenamente ao uso da infraestrutura natural, mas dois elementos poderiam ajudar a garantir um maior investimento nessa estratégia: uma compreensão clara dos benefícios econômicos e o compartilhamento de conhecimentos sobre o gerenciamento de programas de infraestrutura natural. Alguns novos projetos e ferramentas estão surgindo para atingir estes dois objetivos.

Construindo o Estudo de Caso

A infraestrutura natural pode salvaguardar e complementar os tradicionais sistemas de infraestrutura de água, evitando, por exemplo, a poluição da água que de outra forma passaria por uma estação de tratamento de água convencional, reduzindo assim os custos de tratamento.

Em alguns casos, o retorno do investimento em infraestrutura natural pode ser substancial. Como em outras 19 cidades da América Latina, São Paulo possui um fundo de água apoiado pela Aliança Latino-Americana de Fundos de Água, uma associação da The Nature Conservancy (TNC), Fundação FEMSA, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o Global Environmental Facility (GEF), em parceria com outros parceiros. A TNC calcula que, restaurando pelo menos 14,3 mil hectares de terras degradadas em bacias hidrográficas que fornecem água para São Paulo, a redução da sedimentação seria de 50%, uma economia de US$2,5 milhões por ano no tratamento da água, reduzindo seus custos em 15% ao longo de 10 anos.

O World Resources Institute (WRI) e uma rede de parceiros desenvolveu o método Avaliação Verde-Cinza, uma metodologia de análise econômica que permite aos tomadores de decisão comparar os potenciais valores dos investimentos em infraestrutura natural com os custos e benefícios da infraestrutura tradicional. O WRI e outros testaram essa avaliação em países como os Estados Unidos e o Quênia, descobrindo que muitas vezes a infraestrutura natural oferece significativa redução de custos quando substitui ou complementa a infraestrutura cinza.

Neste ano, o WRI e a Fundação FEMSA avaliarão os custos e benefícios dos investimentos em infraestrutura natural nas cidades de São Paulo e Monterrey (México), aplicando a Avaliação Verde-Cinza. Outra iniciativa intitulada Infraestrutura Natural no Brasil e liderada pelo WRI, pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), pela TNC, pelo Instituto BioAtlântica (IBIO) e pela Fundação Grupo Boticário vai realizar estudos em infraestrutura natural em São Paulo, Vitória e Rio de Janeiro para construir um estudo de caso sobre o investimento em infraestrutura natural.

Compartilhando Conhecimento e Desenvolvendo Capacidades

A implementação de programas de infraestrutura natural exige conhecimento sobre uma variedade de tópicos, desde a priorização de áreas para proteção e restauração até a identificação de mecanismos de financiamento. Tradicionalmente, gestores de água e outros tomadores de decisão no Brasil carecem de informações sobre como realizar essas práticas. Entretanto, novas ferramentas estão surgindo.

A Metodologia de Avaliação de Oportunidades de Restauração (ROAM) orienta a tomada de decisão através do desenvolvimento de estratégias que apontam os benefícios ambientais e econômicos da restauração de áreas naturais degradadas ou desmatadas. A ROAM já foi aplicada em várias regiões da América Latina. Outra ferramentas, InVEST, RIOS e ROOT, apontam as áreas com menor custo para investir em atividades de conservação e restauro, e também fornecem estimativas da quantidade de serviços ambientais que podem ser esperados em qualquer nível de investimento. No Brasil, por 10 anos o Projeto Oásis tem apoiado a conservação de áreas naturais com mais de 300 proprietários rurais, propondo formas de compatibilizar o desenvolvimento rural e a gestão da água.

A colaboração entre o projeto Infraestrutura Natural no Brasil e a Fundação FEMSA também desenvolverá um guia prático para orientar os tomadores de decisão a avaliarem os investimentos rentáveis em infraestrutura natural. Esse guia irá informar as estratégias dos 40 fundos de água apoiados pela Aliança Latino-Americana de Fundos de Água.

Os sistemas de água no Brasil podem não estar seguros ainda, mas com as ferramentas certas o país pode começar a investir em projetos de infraestrutura natural que garantam qualidade e disponibilidade hídrica para cidades vulneráveis nas próximas décadas.


Este artigo foi desenvolvido pelo World Resources Institute (WRI), Fundação FEMSA, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), The Nature Conservancy (TNC), União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Instituto BioAtlântica (IBIO) e Fundação Grupo Boticário, que estão unindo forças para aumentar a escala dos investimentos em infraestrutura natural para assegurar a disponibilidade hídrica para o abastecimento urbano na América Latina.