O Brasil enfrenta um desafio de múltiplas dimensões em relação à água. Graves crises hídricas – como inundações e secas – atingiram um quarto dos municípios do país no último ano, incluindo grandes cidades como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória. Os moradores dessas capitais também sofreram ameaças à segurança e à qualidade da água, já que enchentes, deslizamentos de terra e o tratamento insuficiente de águas residuais colocaram as pessoas em risco e poluíram fontes de água com sedimentos e esgoto.

Ao mesmo tempo em que essas tendências se intensificaram, o Brasil também perdeu sua principal linha de defesa contra esses desastres naturais: as florestas.

As florestas são uma forma de infraestrutura natural que pode resguardar a água. Restaurar florestas é uma solução baseada na natureza que pode proporcionar proteção contra inundações, aumentar os fluxos de água durante os períodos secos e melhorar a qualidade da água através da filtragem de poluentes e da prevenção da erosão.

A questão é: o Brasil aumentará o investimento em sua infraestrutura natural ou continuará a ser atingido por uma crise hídrica atrás da outra?

A infraestrutura natural brasileira

O Brasil tem um patrimônio inerente de infraestrutura natural. A Floresta Amazônica é uma poderosa reguladora dos padrões das nuvens, pois a transpiração de suas árvores alimenta os "rios voadores" que determinam quando, onde e quanta chuva cairá. A Mata Atlântica fornece fontes de água fundamentais para as regiões metropolitanas brasileiras que são o lar de mais de 63 milhões de pessoas.

Porém, o desmatamento na Amazônia e na Mata Atlântica está novamente em ascensão – apenas 12% da Mata Atlântica ainda está de pé. Quando as florestas são derrubadas, as árvores são incapazes de regular o fluxo de água abaixo do solo e manter os sedimentos no lugar. No céu, os ciclos hidrológicos são interrompidos.

Ao mesmo tempo, os biomas Cerrado, Caatinga e Pampa estão perdendo mais de 1 milhão de hectares de vegetação nativa por ano, uma área sete vezes maior que a de São Paulo. Essas terras abrigam milhares de espécies endêmicas e algumas das mais importantes fontes de água brasileiras, incluindo a Bacia Amazônica e o Aquífero Guarani – o maior do mundo.

As crises hídricas, causadas em parte por essas rupturas, prejudicaram a economia nacional e local, causaram apagões elétricos e provocaram protestos.

Preservar as florestas, preservar a água

O Brasil está começando a despertar para a importância da infraestrutura natural, comprometendo-se a restaurar 12 milhões de hectares de florestas, aumentar a produção agrícola e eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Mas isso pode não ser suficiente para evitar crises hídricas iminentes.

Há oportunidades adicionais para restaurar a floresta com benefícios para o acesso à água no Brasil, especialmente nas bacias ao redor das grandes cidades. As cidades brasileiras, onde vive grande parte da população do país, foram as mais atingidas pelas recentes crises hídricas. Proteger as florestas ao seu redor pode proporcionar benefícios econômicos e ambientais, além de proporcionar meios de subsistência e oportunidades de lazer para milhares de brasileiros.

Três cidades podem encontrar na infraestrutura natural uma solução fundamental para interromper as crises hídricas atuais e futuras:

  • Vitória - As florestas podem solucionar uma crise em andamento? A cidade, que abriga um dos principais portos do Brasil, tem lutado contra secas severas e enchentes que sedimentaram riachos. A companhia de água local quer construir um reservatório de armazenamento de água para garantir o abastecimento durante as estações secas, mas o reservatório e todo o sistema de água ainda é vulnerável à sedimentação e a fluxos variáveis. A restauração das florestas no entorno da bacia hidrográfica que circunda Vitória poderia atacar a raiz do problema da poluição por sedimentos e ajudar a regular o tempo e os fluxos de água, tornando o tratamento da água mais acessível e protegendo o reservatório.
  • São Paulo - A restauração pode impedir a próxima crise? As secas recorde do Brasil atingiram São Paulo de maneira drástica. Ao mesmo tempo, sedimentos e poluição ameaçam a qualidade da água da cidade, aumentando os custos de tratamento. A rápida degradação da Mata Atlântica na área que abastece a capital paulista está piorando a situação. Além de investir em opções tradicionais de tratamento de água, as concessionárias podem se beneficiar restaurando a Mata Atlântica para filtrar água de maneira barata, reduzir a erosão e melhorar os fluxos.
  • Rio de Janeiro - Que tipos de florestas fornecem quais benefícios? Ainda há muito a aprender sobre como os vários tipos de florestas do Brasil afetam a qualidade e a quantidade de água. Uma nova estação de pesquisa nas florestas nubladas, recentemente estabelecida no Rio de Janeiro, pode finalmente responder a algumas das maiores questões relacionadas a isso. A The Nature Conservancy (TNC) e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) estão estudando a quantidade de água que as florestas nubladas são capazes de produzir. Os conhecimentos adquiridos com esse projeto podem contribuir com futuros esforços de restauração para garantir que as árvores sejam plantadas e priorizadas para maximizar a capacidade de produzir água.

O WRI, a TNC e outros parceiros estão estudando essas três cidades para encontrar as respostas das perguntas acima. A pesquisa procura descobrir os benefícios financeiros – desde o aumento dos fluxos de água até a redução dos custos de tratamento da água – que podem ser gerados a partir da proteção e da restauração das florestas.

As abundantes florestas do Brasil são uma ferramenta essencial para a segurança da água: elas são capazes de filtrar a água, regular a oferta e garantir que os rios voadores e terrestres fluam. Quando utilizadas em conjunto com a infraestrutura “cinza” construída, como barragens e estações de tratamento, podem aumentar a resiliência e ampliar benefícios ambientais. Mas, a menos que esses sistemas naturais sejam protegidos e restaurados, as crises de água continuarão. Para que as florestas protejam a água do Brasil, o Brasil deve proteger suas florestas.