Este artigo foi publicado originalmente no WRI Insights.


Como recentemente publicado no jornal britânico The Guardian, o desmatamento da Amazônia pode potencialmente agravar a crise hídrica da região metropolitana de São Paulo. A conversão em larga escala da grande floresta altera o ciclo hidrológico do continente sul-americano, modificando os padrões climáticos mesmo em regiões muito distantes como São Paulo. Entretanto, a Amazônia não é a única Floresta que garante a oferta hídrica para a metrópole. A Mata Atlântica, que originalmente se estendia por todo o litoral brasileiro, adentrando pelo interior dos estados do Sul e Sudeste, tem um papel crucial na estabilidade climática e amenização dos picos sazonais hidrológicos e pluviométricos, prestando serviços ambientais essenciais às bacias nas quais se assentam grandes metrópoles, entre elas o Rio de Janeiro, Vitoria, Salvador, Recife e a própria São Paulo.

É preciso cuidar da Mata Atlântica à nossa volta

Apesar do apelo à proteção da Amazônia dominar o discurso de conservação no país, a Mata Atlântica tem uma história de desmatamento muito mais drástica – mesmo com apenas 12% da sua área original ainda em pé, resguarda uma das maiores biodiversidades do mundo. Para além da perda de habitat, das espécies endêmicas e da cultura, a degradação das florestas também compromete os recursos hídricos dos quais dependem mais de 63 milhões de habitantes das regiões metropolitanas localizadas no bioma Mata Atlântica.

Restaurar a Mata Atlântica pode ajudar essas regiões aumentando a resiliência das cidades ao fornecer infraestrutura natural, com benefícios como:

  • Regulação Climática. Assim como a Amazônia, a Mata Atlântica influencia positivamente a hidrologia local. Suas florestas que recobrem as montanhas costeiras e formam os cinturões verdes geram oferta de água, especialmente nos períodos secos, através da condensação da água vaporizada que forma as neblinas e as frentes úmidas, transferindo-as ao solo pela infiltração.

  • Controle de sedimentos. As árvores saudáveis da Mata Atlântica têm um complexo sistema de raízes que seguram o solo, previnem a erosão, evitam a perda de solo e nutrientes, e, consequentemente, aumentam a qualidade da água captada para abastecimento público, uso agrícola e industrial.

  • Controle de enchentes. A Mata Atlântica funciona como uma esponja que ajuda a conter enchentes durante o período chuvoso, reabastecendo o lençol freático e transferindo lentamente a água para os rios nos períodos mais secos. Por auxiliarem esses processos de regulação e estabilização do fluxo hídrico sazonal, essas florestas se tornam ainda mais necessárias, especialmente diante do prolongamento esperado dos períodos de estiagem e do aumento na frequência de chuvas torrenciais causadas pelas mudanças climáticas.

  • Melhoria na qualidade de vida. Restaurar florestas pode gerar empregos, renda e ampliar espaços para recreação, educação e práticas esportivas, melhorando a qualidade de vida das pessoas. Entre 138 e 215 mil empregos podem ser criados se o Brasil cumprir seus compromissos assumidos em Bonn de restaurar 12 milhões de hectares de florestas.

Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento (Sanasa) e outras companhias de abastecimento público da Região Sudeste não têm controle sobre as decisões que são tomadas em relação ao uso do solo amazônico. Portanto, não podem alcançar a oferta hídrica que chega ao sudeste via “rios aéreos” formados na grande floresta, distante quase dois mil quilômetros. Mas podem ajudar a proteger e restaurar as florestas à sua volta, como uma estratégia proativa no manejo dos recursos hídricos regionais. A Sabesp, por exemplo, tem conduzido a conservação de mais de 45 mil hectares de florestas em áreas sob sua responsabilidade, enquanto a Sanasa vem promovendo parcerias com o setor público e privado para a recuperação de matas ciliares nos mananciais que abastecem a região de Campinas. Entretanto, as ações das companhias de abastecimento público ainda são muito tímidas e restritas.

Tome-se, por exemplo, o caso do Sistema Cantareira — um complexo manancial localizado na Mata Atlântica, que abastece quase metade da população metropolitana de São Paulo. Essa bacia possui apenas 21.5% de sua área coberta atualmente por florestas, boa parte das quais degradadas, com esforços de restauração muito incipientes. Embora a Sabesp esteja restaurando cerca de 1,2 mil hectares nas adjacências dos reservatórios que compõem o Cantareira, há certamente muito mais água, e de melhor qualidade, que poderia ser produzida e reservada se a restauração de florestas se estendesse para os terrenos íngremes que foram desmatados para sustentar pastos degradados, improdutivos e abandonados, que hoje se somam a uma área de quase 228 mil hectares. Há, portanto, uma grande oportunidade de trazer a Floresta e as águas límpidas de volta – e bem perto de casa.

Esforços de restauração exigem engajamento

Felizmente, já há alguns compromissos mais ambiciosos para restauração da Mata Atlântica aos quais as companhias de abastecimento de água poderiam aderir. O Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, por exemplo, tem agregado cerca de 260 membros — incluindo governos, organizações da sociedade civil, entidades privadas de vários setores — com o compromisso de restaurar 1 milhão de hectares de florestas para 2020 e 15 milhões até 2050. O Pacto já encomendou estudos para prospectar as áreas mais aptas e adequadas para auxiliar na segurança hídrica das grandes cidades. A ONG The Nature Conservancy (TNC) também tem liderado ações para a impulsionar a restauração da Mata Atlântica estabelecendo três fundos para projetos relacionados a água na região Sudeste, e procura angariar recursos provenientes dos grandes usuários de água sensibilizando-os a investir no planejamento e manejo para a restauração de mananciais estratégicos. Nesses programas, o engajamento das companhias de abastecimento é fundamental.

Mata Atlântica: conhecer para proteger

Embora se saiba que a Mata Atlântica provê benefícios que podem auxiliar na segurança hídrica das grandes metrópoles, é preciso conhecer melhor as especificidades locais para identificar as regiões que poderiam ser restauradas para otimizar a provisão dos serviços ecossistêmicos. Sem essas informações, companhias de abastecimento podem ficar hesitantes para engajar-se em projetos mais ambiciosos de restauração.

A fim de identificar essas áreas que potencialmente poderiam otimizar os serviços de água, World Resources Institute (WRI), The Nature Conservancy (TNC), International Union for the Conservation of Nature (IUCN), Natural Capital Project (NatCap), Instituto Bioatlantica (IBio), Boticario Foundation e FEMSA Foundation têm estabelecido sólida parceria nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória, construindo business cases para auxiliar processos de decisão em investimentos em infraestrutura natural pelas companhias de abastecimento de água. Nesse contexto, esse projeto pretende oferecer um guia para auxiliar as companhias de abastecimento e comitês de bacias a identificarem onde e quanto investir em infraestrutura natural (restauração florestal) para otimizar os efeitos benéficos da floresta para controle de erosão, aumento da infiltração e melhoria da qualidade da água.

Uma coisa é certa: enquanto não houver restauração florestal em escala nos nossos mananciais, estaremos perdendo a oportunidade de melhorar nossa água, sem ter muito o que fazer com as fontes longínquas como a Amazônia, sobre a qual temos pouco controle.