A parceria entre restauração florestal e infraestrutura convencional pode tornar nossa água mais limpa
Os vários episódios de crise hídrica que ocorreram recentemente no país - como no Sudeste, no Distrito Federal ou no Nordeste - nos ensinaram uma importante lição: a de que uma única solução não resolverá, sozinha, o desafio de abastecer as grandes metrópoles do país. É preciso trabalhar com um grande leque de soluções. Muitas delas, convencionais, como criação de reservatórios e obras de transposições. Porém, especialistas do setor hídrico mostram que soluções baseadas na natureza também precisam ser consideradas para que as populações tenham água limpa e em quantidade nas grandes cidades.
Uma rodada de debates sobre infraestrutura natural reuniu especialistas de governos, da academia, de empresas e da sociedade civil para debater o papel das florestas no abastecimento. O evento foi organizado pelo WRI Brasil e Fundação Grupo Boticário de Conservação da Natureza, e contou com representantes de organizações e empresas respeitadas como Sabesp, Universidade de São Paulo (USP), Secretaria de Recursos Hídricos de São Paulo, TNC e Agência Nacional das Águas (ANA).
Durante o debate, os especialistas ressaltaram o papel que soluções baseadas na natureza podem ter não apenas para o abastecimento, mas em vários setores da nossa economia. “Nós estamos vendo uma migração das soluções convencionais para as soluções baseadas na natureza”, disse o cientista e pesquisador Carlos Nobre.
Nobre considera que essa migração começou no setor de energia, quando as tecnologias de geração de eletricidade eólica e solar provaram que a natureza pode ter papel determinante na economia. Agora, avanços em diversos setores, em especial na agricultura de baixo carbono, mostram que a natureza pode desempenhar papel fundamental no processo produtivo e na economia. “Hoje, vemos que quase sempre há uma solução baseada na natureza competitiva e de longa duração”.
Verde e cinza juntos
A principal mensagem deixada pelos especialistas foi a necessidade de planejar as obras tradicionais, conhecidas como infraestrutura cinza, considerando também a natureza, ou a infraestrutura verde. “Não é uma coisa ou outra. É uma coisa e outra. É conectar as soluções”, disse Samuel Barrêto, gerente nacional de águas da TNC.
Segundo a pesquisadora Mônica Porto, professora doutora em recursos hídricos da USP, a infraestrutura cinza ainda é uma das melhores formas de enfrentar a questão da quantidade de água, especialmente com a reservação, ou seja, a construção de novos reservatórios, uma necessidade em muitas cidades brasileiras que dependem unicamente do fluxo dos rios. “Já a infraestrutura verde é muito significativa para a qualidade da água. Esse é um debate importante e que tem muitos frutos para dar”, disse.
Segundo Mara Ramos, gerente de recursos hídricos da Sabesp, a empresa de saneamento de São Paulo já vem considerando em suas ações as duas estratégias. “É como se tivéssemos uma caixa de ferramentas: são várias soluções para problemas diferentes. A Sabesp contra com investimentos em infraestrutura cinza, mas também colocou as soluções baseadas na natureza em sua estratégia”, diz. Segundo ela, a Sabesp tem hoje 33 mil hectares de Mata Atlântica preservada.
Infraestrutura Natural na Cantareira
Durante o evento, os especialistas em infraestrutura natural Rafael Feltran-Barbieri, do WRI Brasil, e Suzanne Ozment, do World Resources Institute (WRI), apresentaram os dados do estudo “Infraestrutura Natural para Água no Sistema Cantareira”. O estudo mostra que a restauração de 4 mil hectares de florestas nas áreas de recarga da Cantareira reduz em quase um terço o aporte de sedimentos, como terra e sujeira, nos reservatórios do Sistema Cantareira, reduzindo os custos com produtos químicos no tratamento de água e trazendo retornos econômicos para a Sabesp e para a população paulista.
Nos próximos meses, o WRI Brasil, junto com parceiros, publicará análises semelhantes para os sistemas de abastecimento do Rio de Janeiro e de Vitória (ES). Os estudos fazem parte de uma série de trabalhos desenvolvidos globalmente, com pesquisas em cidades americanas e no México.