Planejamento espacial é chave para restaurar a floresta na Amazônia e na Mata Atlântica
A restauração florestal é uma das principais soluções baseadas na natureza para combater a perda de biodiversidade, a crise climática e a insegurança hídrica. Contudo, é necessário otimizar os esforços e recursos financeiros para viabilizar a restauração em larga escala, o que torna o planejamento espacial uma ferramenta fundamental para a identificação de áreas que devem ser prioridade para a restauração florestal.
O Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) lança nesta semana dois estudos que identificam áreas prioritárias a serem recuperadas na Amazônia e na Mata Atlântica brasileiras através de uma modelagem espacial multicritério – uma simulação de quais seriam os benefícios da restauração considerando vários critérios. Os estudos foram desenvolvidos no âmbito do projeto Pró-Restaura, executado em parceria com o WRI Brasil, cujo objetivo foi fornecer evidências e orientações práticas para profissionais da restauração, proprietários rurais e tomadores de decisão sobre os benefícios fornecidos pela restauração florestal.
Identificando áreas com maior benefício e menor custo
As áreas prioritárias para a restauração florestal são aquelas que podem gerar os maiores benefícios a um menor custo. Nestes estudos, foram considerados como benefícios a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças do clima para os biomas Amazônia e Mata Atlântica, além da conservação dos recursos hídricos para a Mata Atlântica. A inclusão da água na identificação de áreas prioritárias na Mata Atlântica é uma novidade deste estudo que agrega aos resultados de um exercício anteriormente realizado para esta região . Além disso, foram considerados custos relativos à competição com outros tipos de uso da terra para outras atividades e à implementação das ações de restauração (como produção de mudas e sementes, mão-de-obra, monitoramento, dentre outros).
Esses custos e benefícios foram utilizados como critérios para identificar as áreas prioritárias para a restauração florestal através da formulação e avaliação de cenários alternativos. Foram criados tanto cenários que otimizam um único critério (por exemplo, cenário de mitigação das mudanças do clima, que identifica as áreas com maior potencial de sequestro de carbono da atmosfera) quanto cenários que buscam uma solução equilibrada entre múltiplos critérios simultaneamente, os chamados cenários de conciliação. Para cada cenário, foram quantificados os benefícios e custos esperados a partir da restauração florestal das áreas identificadas como prioritárias, e foram descritas as complexas relações de perde-ganha (trade-offs) e de sinergias entre estes.
Os benefícios de se restaurar a Amazônia
A restauração florestal é uma necessidade urgente na Amazônia. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cerca de 7,8 Mha de florestas primárias foram perdidas na Amazônia Legal brasileira na última década devido ao desmatamento por corte raso. O desmatamento ocorre inclusive dentro de áreas protegidas, onde foi registrado um incremento de desmatamento acumulado no ano de 2020 de aproximadamente 11% em unidades de conservação e 4% em terras indígenas. A Lei de Proteção da Vegetação Nativa brasileira define regras onde é necessário restaurar áreas desmatadas: médias e grandes propriedades rurais situadas em áreas de floresta devem manter pelo menos 80% da área preservada como reserva legal (RL) e as Áreas de Preservação Permanente (APPs), como margens de rios. Estimativas de 2017 apontam a necessidade de se recuperar aproximadamente 3,6 e 1,1 milhões de hectares, respectivamente, de RL e APPs na Amazônia. Este débito se reflete no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que definiu meta de recuperar 4,8 milhões de hectares na Amazônia até 2030 .
Os resultados do estudo apontam que recuperando aproximadamente 11 milhões de hectares, seria possível: reduzir o risco de extinção de até 369 espécies; sequestrar até 13 milhões de toneladas de carbono da atmosfera; e reduzir os custos da restauração a um investimento de R$ 15 bilhões.
O estudo mostra que as áreas com maior potencial de contribuição para a conservação da biodiversidade na Amazônia são as mais caras para se recuperar e possuem menor potencial de contribuir para a mitigação das mudanças do clima a partir do sequestro de carbono, revelando um trade-off significativo entre estes dois benefícios. Se compararmos o cenário de conciliação entre todos os critérios ao cenário mais caro (cenário de maximização da conservação da biodiversidade apenas), é possível ter uma economia de até 73% (aproximadamente R$ 44 bilhões) e ainda garantir um retorno razoável para os benefícios esperados, representando uma solução custo-efetiva para a implementação da restauração florestal na Amazônia.
Os benefícios de se restaurar a Mata Atlântica
Devido ao histórico de ocupação da Mata Atlântica, restam hoje apenas 28% dos seus originais 112 milhões de hectares, distribuídos em paisagens altamente fragmentadas. Após um período de quase 3 décadas de queda nas taxas de desmatamento, foi registrado um aumento de 27% no desmatamento entre 2018 a 2019. Com apenas 30% da vegetação nativa remanescente protegida em unidades de conservação, a restauração florestal também se destaca como uma agenda urgente na Mata Atlântica. Apesar dos importantes avanços obtidos nesta agenda na última década – como a restauração de aproximadamente 1,4 milhões de hectares entre 2011 e 2020 – muito ainda precisa ser feito. Estimativas de 2017 apontam um débito de 4,1 e 2,7 milhões de hectares, respectivamente, de RL e APP na Mata Atlântica. O Planaveg tem como meta recuperar 4,8 milhões de hectares até 2030, e o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica visa viabilizar a restauração de 15 milhões de hectares até 2050.
Ao contrário do que foi identificado para a Amazônia, o estudo mostrou que as áreas com maior potencial em conservar a biodiversidade são mais baratas para serem recuperadas do que aquelas que são mais importantes para mitigar as mudanças do clima e conservar os recursos hídricos. Foram identificadas as áreas prioritárias para recuperar aproximadamente 5 milhões de hectares na Mata Atlântica, as quais possibilitariam: reduzir o risco de extinção de até 647 espécies; sequestrar até 5,6 milhões de toneladas de carbono da atmosfera; aumentar em até 2,3 vezes o potencial de melhoria da qualidade da água; e reduzir os custos a um investimento de R$ 56 bilhões. Se compararmos o cenário de conciliação entre todos os critérios ao cenário mais caro (cenário de maximização da conservação dos recursos hídricos apenas), a economia pode chegar a 52% (aproximadamente R$ 64 bilhões). Sendo assim, novamente, se o objetivo é encontrar uma solução mais barata, garantindo um retorno razoável para os benefícios, o cenário de conciliação se destaca como o mais viável na Mata Atlântica.
A priorização na década da restauração
Os resultados dos dois estudos evidenciam que o planejamento espacial da restauração florestal tem o potencial de reduzir drasticamente os custos e ajudar a dar escala a esta agenda ambiental. Estes estudos se conectam com outros desenvolvidos no âmbito do projeto Pró-Restaura, como as Diretrizes para a Restauração de Paisagens e Florestas na Mata Atlântica e Amazônia, também lançadas nesta semana; um guia de Boas práticas para a restauração de paisagens na Mata Atlântica e Amazônia e seus benefícios para a sociedade e a natureza; um estudo de Impactos da Restauração de Paisagens e Florestas na Mata Atlântica e Amazônia brasileiras; uma Avaliação das oportunidades de restauração em três paisagens localizadas no bioma Mata Atlântica; e um planejamento da restauração nas bacias hidrográficas dos Rios Itaúnas e São Mateus, no norte do ES.
Atualmente estamos vivendo a Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030) declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU), cujo objetivo é aumentar os esforços para a recuperação de ecossistemas degradados em todo o planeta. As bases de dados sobre priorização espacial e respectivos mapas gerados por estes estudos, bem como os resultados dos outros estudos desenvolvidos no projeto Pró-Restaura, representam importantes ferramentas para apoiar a tomada de decisão sobre recuperação florestal no Brasil, especialmente na Amazônia e na Mata Atlântica.
Juliana Monteiro de Almeida Rocha e Renato Crouzeilles são doutores em ecologia e pesquisadores do IIS. Carolina Duccini é analista de comunicação do IIS.