O bioma Mata Atlântica é hoje um dos maiores hotspots de restauração do mundo. Por ser um ecossistema que foi muito desmatado por mais de 500 anos e hoje conta apenas com 12,5% de sua cobertura original, é também o bioma onde há as maiores oportunidades de restaurar áreas degradadas e regenerar florestas, com grandes ganhos para as áreas rurais e urbanas.

Pesquisas recentes a partir de levantamentos de satélite mostram que parte significativa da área desmatada na Mata Atlântica está, aos poucos, naturalmente se regenerando, principalmente em áreas privadas. Muitas vezes, por conta de mudanças no fluxo populacional, migração para cidades, ou por questões econômicas ou operacionais, essas áreas são abandonadas ou deixadas sem produção, e aos poucos a floresta volta a repovoá-las. Em outras, o grau de degradação da área acaba comprometendo o uso eficiente da terra para fins agrícolas.

Se essas áreas forem deixadas a se regenerar, os ganhos para a sociedade podem ser muitos. A restauração, recuperação e regeneração de paisagens e florestas já foi identificada como uma forma eficiente e efetiva de combater as mudanças climáticas, pois as árvores capturam o carbono na atmosfera, ajudando a limitar o aquecimento do planeta e evitar seus piores impactos. Além disso, as florestas fornecem uma série de benefícios para a sociedade como um todo, como polinização, proteção de nascentes, proteção da biodiversidade, melhora da qualidade do solo e da produção agropecuária, entre outros.

Infelizmente, esses mesmos estudos que identificaram grande regeneração na Mata Atlântica também descobriram um padrão preocupante. É comum que áreas em regeneração natural sejam novamente desmatadas em até 10 anos. O resultado é uma redução clara na quantidade de áreas que poderiam se tornar florestas, reduzindo os benefícios esperados da restauração e emitindo mais carbono na atmosfera.

Para reverter esse padrão, o Pacto para a Restauração da Mata Atlântica propõe um desafio para toda a sociedade: uma série de estratégias para garantir que as áreas em regeneração não sejam desmatadas, garantindo os benefícios da restauração para todos.

Estratégias para a regeneração permanecer

O Pacto para a Restauração da Mata Atlântica é um dos maiores movimentos de restauração organizados regionalmente e com participação de múltiplos setores no mundo. O movimento foi criado em 2009, com uma meta ambiciosa para a época, de restaurar 15 milhões de hectares de florestas nativas até 2050. Atualmente o Pacto conta com mais de 300 membros, entre institutos de pesquisa, ONGs, governos locais e empresa privadas. O WRI Brasil é um dos membros.

Isso faz do Pacto uma organização bem posicionada para apresentar propostas que enfrentem o padrão de desmatamento de áreas em regeneração. O Pacto conta com ampla experiência em governança e articulação de estratégias, além de trabalho em conjunto com organizações das esferas público e privada. Já possui um banco de dados e sistema de monitoramento com dados dos parceiros e acompanha de perto exemplos de restauração feito por seus membros.

Para coordenar essas estratégias e torná-las viáveis no campo, o Pacto está preparando o Pact Challenge, um desafio com oito linhas de ação com objetivo de restaurar 1 milhão de hectares até 2025. Essas linhas de ação partem de estratégias que preveem a inclusão de produtores rurais e todos os atores envolvidos na restauração, o fortalecimento da governança e dos comprometimentos do setor público, e a mobilização da sociedade em prol da regeneração de nossas florestas.

Abaixo, veja um resumo de cada uma dessas linhas de ação.

As 8 linhas de ação para regeneração na Mata Atlântica

  1. Desenvolver um plano espacial de restauração: esse plano seria abrangente para toda a Mata Atlântica. Ele identificaria as áreas em regeneração e priorizaria quais devem receber atenção, recursos e políticas públicas para garantir a sua permanência. Trabalhos como a Metodologia ROAM, do WRI Brasil e da IUCN, e trabalhos de priorização espacial como os do IIS, são fundamentais para municiar esse plano.
  2. Melhorar o conhecimento científico da restauração: revisão do conhecimento científico para identificar as melhores técnicas de restauração e regeneração natural assistida, além também de avançar no conhecimento econômico, ou seja, quais espécies tem valor comercial e poderiam contribuir na renda de produtores, funcionando como incentivo para que não desmatem.
  3. Capacitação: levar treinamento e conhecimento para quem está no campo é crucial para que a restauração aconteça. Isso seria feito a partir da estrutura de unidades regionais do Pacto.
  4. Engajar com produtores rurais: trabalho junto com os produtores é importante para garantir suporte na validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e cumprimento do Código Florestal. Além disso, oferecer assistência técnica na implementação de Sistemas Agroflorestais, intensificação de atividades e na comercialização de produtos da restauração ajudam a viabilizar a restauração de áreas.
  5. Ajustar legislação: além do produtor, o engajamento com tomadores de decisão é extremamente importante. Muitos estados ainda precisam implementar o Código Florestal. Garantir que essa regulamentação elimine gargalos na restauração é fator chave para o sucesso da regeneração natural.
  6. Monitorar e reportar: o Pacto já conta com um banco de dados e pesquisa para monitorar áreas em restauração. Levantar dados no campo para regeneração pode ajudar, assim como o trabalho em conjunto com ferramentas já existentes, como o Observatório da Restauração e Reflorestamento.
  7. Desenvolver instrumentos financeiros: é preciso mobilizar doadores, financiadores e criar instrumentos financeiros para garantir que os recursos cheguem na ponta, aos produtores que fazem a restauração acontecer.
  8. Comunicar: por fim, há a linha de trabalho de comunicar a restauração que já está acontecendo. É importante apresentar informações sobre o que é restauração florestal, os benefícios dessas atividades, e também dar visibilidade para quem está restaurando hoje.

Os frutos desse desafio

Avançar na implementação dessas linhas de ação traria resultados concretos, garantindo a permanência de áreas em regeneração, contribuindo para o cumprimento das metas de restauração e reflorestamento. O Pacto ainda identificou outros potenciais resultados esperados, como a captura de mais de 150 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera, a geração de 200 mil empregos diretos e indiretos no meio rural, o aumento de renda para cerca de 40 mil famílias e a melhora da qualidade da água e do solo em 10 sub-bacias hidrográficas na Mata Atlântica.

O que falta para esse desafio se tornar realidade? O primeiro passo é sensibilizar os produtores, tomadores de decisão e sociedade em geral sobre a regeneração natural, por seus benefícios e pelas oportunidades socioeconômicas que podem ser criadas. O segundo é criar as condições necessárias para o cumprimento das 8 linhas.

Com essas ações, o Brasil será capaz de controlar esse padrão de desmatar áreas em regeneração, acelerando a restauração florestal na Mata Atlântica em pelo menos 30%. O Brasil depende da restauração da Mata Atlântica, e essa regeneração é crucial para a melhora da qualidade de vida da população.

*O texto contou com a colaboração dos membros do grupo Pact Challenge: Ludmila Pugliese (Pacto pela Restauração da Mata Atlântica), Adriana Kfouri (TNC Brasil), Alex Mendes (KAWA Estratégias Sustentáveis), Anazélia Tedesco (University of Queensland), Edson Santiami (KAWA Estratégias Sustentáveis), Eric Lino (Instituto Internacional para Sustentabilidade), Julio Tymus (TNC Brasil), Leonardo Ivo (TNC Brasil), Marcos Rosa (MapBiomas), Marcus Vinícius Alves de Carvalho (Instituto Internacional para Sustentabilidade), Mariana Oliveira (WRI Brasil), Miguel Calmon (WRI Brasil), Pedro Brancalion (Lastrop ESALQ/USP), Renato Crouzeilles (Instituto Internacional para Sustentabilidade), Rubens Benini (TNC Brasil) e Joaquim Levy (Embaixador do Pact Challenge).