
Diplomacia brasileira levou inovação a Bonn, mas caminho até Belém será de tensão crescente
A conferência preparatória da ONU sobre mudanças climáticas realizada em Bonn, na Alemanha, entre os dias 16 e 26 de junho, mostrou que a estrada até Belém – sede da COP30 – será longa, cheia de curvas diplomáticas e marcada por desafios geopolíticos. Ainda assim, o Brasil, à frente da presidência da COP30, saiu da reunião com uma base para construir novos caminhos.
Mas há uma nova variável neste jogo: as diferentes inovações trazidas pela diplomacia brasileira ora bem recebidas ora encontrando resistência. Com a quarta carta apresentada em Bonn, a diplomacia brasileira deixou claro que pretende articular a ação climática com o mundo real. Juntas, as quatro cartas assinadas pelo embaixador André Corrêa do Lago formam um plano diretor para a COP30, um esforço que busca não apenas avançar nas negociações climáticas, mas também reconstruir a arquitetura da cooperação internacional sobre o clima.
Isso implica ancorar a agenda climática nos debates globais sobre finanças e desenvolvimento; estabelecer metas e métricas concretas organizadas em seis temas estratégicos para a Agenda de Ação Climática Global; reposicionar a ambição climática como algo indissociável da implementação e da justiça; e recuperar o multilateralismo como um espaço de ação coordenada.
Governos subnacionais, setor privado e comunidades locais são chamados a compor uma agenda de implementação do Acordo de Paris baseada na transparência e ambição alinhadas ao Balanço Global. Em Bonn, as atenções também ficaram voltadas para os desafios logísticos e preços dos hotéis, o que tem gerado preocupação para as delegações.
Leia a seguir um resumo de alguns dos principais temas discutidos na conferência.
Meta Global de Adaptação: o desafio técnico-político
Um dos temas principais de negociação em Bonn, a Meta Global de Adaptação (GGA) segue sendo um quebra-cabeça de difícil encaixe. No final do último dia de negociação houve a aprovação do texto a ser encaminhado para discussão em Belém na COP 30. Apesar de progressos em solicitar a simplificação do número de indicadores (reduzindo a lista original de 490 para uma centena), divergências persistem. Meios de implementação e definição dos fatores habilitadores, como ter indicadores para financiamento, ainda travam os debates.
Ainda há opções na mesa sobre incluir ou não a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (ODA) e gastos domésticos. Além disso, ainda não existe sinalização sobre se e como o GGA será alinhado com a Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG) e com a rota Baku-Belém, ambas sobre financiamento.
Também não houve avanços concretos nas discussões sobre os Planos Nacionais de Adaptação (NAPs). No entanto, o fato de que há agora um conjunto de recomendações aos especialistas já representa um avanço importante – e a liderança brasileira foi fundamental principalmente nas últimas horas da negociação.
Poucos avanços na implementação do Balanço Global do Acordo de Paris
Se o GGA avança com tropeços, o Diálogo dos Emirados sobre a implementação do Balanço Global (GST) praticamente estagnou. A meta de concluir as modalidades do processo em Bonn não foi atingida. A repetição de posições já conhecidas e o impasse sobre escopo e entregáveis resultaram em um rascunho que mais desagregou do que uniu.
Como resultado final, o texto sobre o assunto foi encaminhado para negociação na COP30 com duas versões distintas, com todas as opções em aberto. A lição é clara: não basta medir o progresso climático, é preciso garantir as condições para que ele aconteça. E, mais uma vez, a equação passa pelo dinheiro – ou pela falta dele.
Transição Justa: progresso lento, mas real e engajador
Talvez o tema mais sensível – e promissor – em Bonn tenha sido o Programa de Trabalho de Transição Justa. Após negociações intensas e discretas, houve acordo para avançar com uma nota informal que contém opções para temas centrais como energia e comércio
Mais que um texto, o documento traz princípios fortes sobre direitos, equidade e participação. No entanto, tudo segue em aberto. As discussões detalhadas virão depois, e os nós mais apertados continuam onde sempre estiveram: financiamento, medidas comerciais unilaterais e as implicações políticas da transição energética global. A expectativa é de um segundo semestre de muitas consultas até que as pontes para o consenso possam estar estabelecidas até Belém.
Outras frentes: gênero e natureza
Em outras frentes, ocorreram avanços pontuais. Nos workshops sobre o Plano de Ação de Gênero, o formato participativo gerou boas ideias, e as negociações resultaram em uma conclusão procedimental.

A sinergia entre a Convenção do Clima e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) também foi discutida. Foi acatada a proposta de um novo item de agenda da Colômbia para que as partes e observadores possam submeter contribuições sobre o tema pelo portal da UNFCCC nos próximos meses, a fim de apoiar a preparação antecipada para as discussões em Belém.
O Brasil na presidência: ambição e realidade
O Brasil deixa Bonn com um saldo misto: avanços em estrutura da agenda de negociação, lacunas em conteúdo e um grande trabalho de construção política pela frente. A diplomacia brasileira mostrou criatividade e capacidade de articulação em um momento geopolítico cada vez mais complexo. Os países também mostraram engajamento e reafirmaram o papel dos espaços multilaterais como arenas de construção de cooperação em prol das metas do Acordo de Paris.
Até Belém, o Brasil precisa construir pontes entre os interesses conflitantes e liderar com estratégia e em um processo de escuta e construção coletiva, tal como conclama o mutirão. A inovadora estratégia de engajamento criada para a COP 30 com os círculos, o Balanço Ético Global e o mutirão têm aberto novos espaços de articulação para arejar negociações que já estavam em becos sem saída. Com todo esse movimento espera-se mais pressão para que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) coloquem o mundo mais próximo da meta de 1,5°C – e não mais longe.
As consultas devem continuar, os textos precisarão ser negociados com habilidade e as expectativas deverão ser geridas com transparência. E com o direcionamento para os temas e objetivos da Agenda de Ação Climática Global agora indicados, espera-se uma intensa mobilização da sociedade em torno de propostas ambiciosas de atores não estatais.
Só que o multilateralismo climático está se expandindo para além da COP 30. O Brasil está entrelaçando a diplomacia climática com as agendas globais mais amplas incluindo o G20, os BRICS e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pós-2030. O objetivo é superar a atual fragmentação entre os diferentes fóruns internacionais e construir uma abordagem multilateral integrada, que posicione a política climática como um pilar fundamental da reforma econômica e financeira global.
Se a COP30 quer ser a COP da implementação, Bonn mostrou que o terreno ainda pode gerar frutos. Agora o mundo precisa responder para que essa implementação seja ambiciosa, justa e urgente.