Robin Chazdon: “O Brasil é a capital do mundo do potencial para a regeneração natural”
Restaurar 350 milhões de hectares de áreas degradas e desmatadas até 2030 no mundo todo – a ambiciosa meta estabelecida pelo Desafio de Bonn – pode parecer à primeira vista difícil. Mas existe uma técnica de restauração com custos reduzidos e alta efetividade que pode ser a chave para dar escala à restauração: a Regeneração Natural Assistida (RNA).
A RNA combina o plantio ativo com o processo natural de regeneração da floresta, permitindo que a população local ajude as plantas nativas a se regenerarem naturalmente, utilizando seu conhecimento tradicional e relação com a terra. Isso é feito através da remoção de ameaças e obstáculos ao crescimento. Além disso, pode se tratar do reforço de normativas, ações de monitoramento e combate a incêndios. Para pequenos produtores, essa abordagem oferece uma maneira econômica de recuperar a fertilidade do solo, melhorar a produção de água e otimizar a produtividade e os serviços ecossistêmicos. Quando aplicada em larga escala, ela beneficia toda a sociedade ao intensificar a captura de carbono, essencial para enfrentar as mudanças climáticas. Essa técnica pode ser empregada em vários dos biomas brasileiros, incluindo a Amazônia e a Mata Atlântica.
Robin Chazdon é consultora sênior da Iniciativa Global de Restauração do World Resources Institute (WRI) e professora de Ecologia na Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos. Ela realizou pesquisas de longo prazo sobre a regeneração natural de florestas e trabalha com colaboradores para estudar os caminhos de sucessão florestal no Brasil, México e outras regiões. Nos últimos 4 anos, trabalhou com colegas no Brasil em projetos de restauração e regeneração natural assistida.
Na entrevista abaixo, Robin fala sobre a regeneração natural assistida no Brasil, seus destaques e desafios:
WRI BRASIL: Você tem acompanhado a restauração florestal no Brasil há algum tempo. Como você avalia a percepção do potencial do país para a regeneração natural assistida e o que poderia ser feito para destacar a importância e as oportunidades dessa abordagem?
ROBIN CHAZDON: O Brasil realmente é a capital do mundo com potencial para a regeneração natural e eu tenho certeza de que isto não está na agenda. É como se as pessoas do governo sequer soubessem que ela existisse. Eu acho que se eles podem se orgulhar pôr a gente ter uma grande oportunidade de não apenas restaurar, mas restaurar de uma forma que é realmente melhor para a biodiversidade e que também pode nos permitir alcançar uma escala maior. Eu acho que isso é bem importante, deveria ser mais enfatizado.
WRI BRASIL: Como você vê o desenvolvimento da técnica de regeneração natural assistida até agora e qual é o potencial para o país nessa área?
ROBIN CHAZDON: Houve progresso em mostrar como a regeneração natural assistida pode fornecer muitos benefícios. Acho que está se tornando mais conhecida e melhor praticada, mas ainda não está sendo implementada na medida em que poderia ser. Ainda há uma grande prioridade para o plantio de árvores. O que temos que fazer melhor é nos concentrar em grupos específicos de proprietários de terras em cenários característicos onde a RNA realmente se destaca como a melhor solução. Usando projetos-piloto ou apenas começando a implementar, monitorar os efeitos e, em seguida, divulgar obtendo mais evidências, mostrar o que pode ser feito em um período relativamente curto com relativamente menos dinheiro.
A RNA não é uma solução para todos ou para todo lugar. Por isso, estudos de caso que foram realizados ou que estão sendo feitos, por exemplo no Pará, estão realmente ajudando a desenvolver essa base, mas ainda precisamos fazer um trabalho melhor mirando as comunicações e atividades em uma maneira melhor de mantê-la bem-sucedida e então ser capaz de mostrar esse sucesso de maneira adequada.
WRI BRASIL: Quais são os desafios mais significativos enfrentados na implementação de programas de regeneração natural assistida no Brasil?
ROBIN CHAZDON: O desafio mais crítico da restauração é proporcionar ganhos econômicos para o proprietário de terras em fazendas privadas. Ainda estamos vivendo em uma situação em que a prioridade ainda está em preocupações econômicas imediatas, e é perfeitamente compreensível que agricultores precisem ter renda. A RNA pode fornecer alguns benefícios, mas não competiria com uma cultura comercial, com outros usos da terra que talvez façam uma oferta maior em benefícios econômicos para um agricultor.
Por isso, a RNA pode ter um potencial melhor em áreas públicas, onde esse não é o problema principal. Nas áreas privadas, podemos adaptar os sistemas agrícolas atuais, utilizando a regeneração em sistemas como a agrofloresta junto com RNA ou sistemas silvipastoris.
WRI BRASIL: Como as comunidades locais podem se envolver e se beneficiar da regeneração natural assistida?
ROBIN CHAZDON: De várias maneiras: eles podem realmente ser as mãos que estão construindo as cercas ou aceiros ou fazendo silvicultura nas áreas; é uma floresta que já está começando a crescer novamente, eles poderiam estar fazendo algum monitoramento. Há muitas atividades que as pessoas podem ser treinadas para fazer e isso pode fazer parte da atividade familiar, ou parte de uma atividade escolar, ou parte do grupo de mulheres ou grupo de jovens. A ideia é que eles realizem atividades sociais que fazem parte da implementação da RNA: contribuam diretamente para gestão, se envolvam profundamente e aprendam sobre a floresta, por exemplo, a identificar certas espécies e entender seus usos. Então, eles estão quase que crescendo junto com a floresta e como aquela floresta poderia ser gerenciada para fornecer alguns outros benefícios econômicos uma vez que eles estão familiarizados com isso. Eu acredito que há esse potencial em deixá-los crescer com esse conceito e permitir que se desenvolvam à medida que estão engajados. Acho que isso poderia produzir alguns resultados realmente interessantes.
WRI BRASIL: Sabemos que restaurar florestas e paisagens traz vários benefícios. Quais são os benefícios ambientais e econômicos da regeneração natural assistida em comparação com os métodos tradicionais de restauração?
ROBIN CHAZDON: Tem sido comparada principalmente a outros métodos em termos de custo-efetividade. Os benefícios, por exemplo, para a produção de carbono ou mesmo para a produção de madeira poderiam ser tão altos quanto projetos de plantio de árvores, uma vez que a floresta apenas começa a crescer bem. Mas a principal diferença é que o custo inicial é muito menor, então tem imediatamente mais custo-benefício porque você não precisa sair e arrecadar fundos, especialmente se você tem uma comunidade envolvida que está fazendo muito do trabalho. Você não precisa ter um grande orçamento associado a isso, porque isso pode ser feito como uma espécie de atividade de base e não envolver um programa governamental ou um programa de ONG. E há casos como o Programa Reflorestar no Espírito Santo em que os agricultores recebem pagamentos por serviços ambientais, e isso pode fazer uma grande diferença. É em como poderíamos fornecer esse tipo de incentivos que deveríamos estar nos direcionando.
WRI BRASIL: Quais são as implicações de longo prazo da regeneração natural assistida para florestas e paisagens?
ROBIN CHAZDON: Quanto mais RNA fizermos nas condições certas, mais iremos aprender. Vai se tornar uma espécie de auto reforço, porque as pessoas vão ver e dizer: "Uau! Olha o que esse grupo fez! Vamos fazer aqui também!". É o efeito de ver o projeto ter sucesso. "Eles não tiveram tantas inundações lá onde deixaram a floresta crescer novamente, mas olha, a gente tem inundações muito terríveis aqui" ou "olha os solos deles são melhores e eles estão produzindo mais agricultura do que a gente". Então, ser capaz de ver esses efeitos diretos irá motivar o comportamento das pessoas para estarem mais envolvidas. Por isso que é importante focar em fazer em áreas que vão ser bem-sucedidas. Porque assim você vai encorajar mais pessoas a fazerem seguindo as melhores orientações para implementar.