
O papel da regeneração natural assistida no fortalecimento da cadeia da restauração no Brasil
A Regeneração Natural Assistida (RNA) é uma abordagem de restauração que une práticas, saberes e intervenções para acelerar a recuperação de ecossistemas naturais e manejados, com base no potencial regenerativo da natureza. Mais do que uma técnica, a RNA é uma parceria entre pessoas e natureza – onde práticas podem acelerar os processos da natureza, em um movimento que se adapta ao contexto local e promove soluções sustentáveis para o uso da terra. Inspirada em práticas tradicionais e indígenas, a RNA surgiu na década de 1970 nas Filipinas como uma solução de baixo custo para restaurar áreas degradadas. Desde então, evoluiu para se tornar uma estratégia chave da Era da Restauração da Paisagem Florestal ou a Década da Restauração da ONU, ganhando escala e relevância global.
A RNA se mostra promissora para escalar a restauração de paisagens e florestas, pois demanda poucas intervenções humanas e possui baixo custo para implementação. Em um momento em que o Brasil responde por mais de 20% do potencial global de regeneração natural, discutir como apoiar e expandir a RNA é essencial para acelerar a restauração de milhões de hectares e alcançar metas climáticas e de biodiversidade.
No Brasil, RNA vem se consolidando como uma estratégia central para ampliar a escala e a efetividade da restauração ecológica no Brasil, especialmente por seu baixo custo, viabilidade técnica e potencial de engajamento comunitário. No âmbito das políticas públicas, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) reconhece a RNA como abordagem prioritária em áreas com capacidade de regeneração espontânea, integrando critérios de eficiência ecológica e inclusão social. Essa diretriz tem sido incorporada em políticas subnacionais, como o Plano de Recuperação da Vegetação Nativa do Pará (PRVN-PA), que destaca a RNA como eixo estratégico para alinhar restauração, justiça climática e valorização dos modos de vida tradicionais. Reforçando esse movimento, a Taxonomia Sustentável Brasileira, lançada em 2023 pelo governo federal, classifica a restauração ecológica, incluindo a RNA, como atividade verde elegível para financiamento sustentável. Para que esse arcabouço se torne efetivo, é necessário avançar na definição de diretrizes técnicas, critérios operacionais e mecanismos financeiros que consolidem a RNA como pilar estruturante da política ambiental e climática do país.
Mobilizando atores chave na promoção da RNA
O WRI Brasil, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (ICS) e o Sequoia Climate Foundation, vem apoiando a criação e a implementação de políticas públicas que fomentam a implementação da RNA. Como parte desse esforço, o WRI Brasil realizou, no dia 21 de maio de 2025, um workshop sobre Regeneração Natural Assistida com o objetivo de aprofundar o entendimento conceitual, técnico e prático da abordagem, a partir da proposta de avançar coletivamente nessa agenda e garantirmos um apoio cada vez mais qualificado aos instrumentos que envolvem a implementação da RNA.
O encontro contou com a presença e a colaboração de importantes instituições e especialistas de diferentes setores da sociedade, que desempenham papéis fundamentais na promoção da RNA. Entre os nomes, destacam-se representantes do do Ministério do Meio Ambiente (MMA), BNDES, Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Observatório da Restauração e Reflorestamento (ORR), Assisted Natural Regeneration Alliance, Imazon, Instituto Internacional de Sustentabilidade (IIS), Instituto Centro de Vida (ICV) e Conservação Internacional (CI). Além disso, tivemos a participação especial de Robin Chazdon, Senior Fellow do WRI e uma das maiores especialistas globais no tema, que apresentou uma visão geral das práticas e do conceito de RNA para embasar a discussão.
A diversidade dos participantes reforça a importância de construir pontes entre diferentes realidades, escalas e saberes, fundamentais para fortalecer a restauração no Brasil.
Qualificando o tema: o que é (e o que não é) RNA?
A RNA não é apenas “deixar a natureza agir sozinha”. Apesar de uma menor intervenção, é uma abordagem ativa e intencional que envolve um conjunto práticas para acelerar a recuperação de ecossistemas. Nesse sentido, o evento conduziu o debate com base em um quadro de práticas e componentes da RNA, elaborado pelo WRI a partir do contexto da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB). A TSB é um instrumento de política pública criado para orientar os investimentos públicos e privados em alinhamento com os objetivos climáticos, ambientais e econômico sociais do Brasil.
Para os debates acontecerem de maneira mais aprofundada, os participantes foram divididos em grupos que pensaram as práticas de RNA em três diferentes contextos de aplicação: implementação no nível local, a nível dos ecossistemas e no nível da paisagem.
As práticas de RNA discutidas durante o evento envolveram:
- Proteção e combate contra incêndios;
- Controle de espécies invasoras e/ou exóticas;
- Enriquecimento com espécies nativas;
- Monitoramento e cuidado com mudas nativas;
- Controle de formigas;
- Manejo de gado e isolamento da área em restauração;
Ao contrário do plantio convencional de árvores, a RNA não segue um protocolo único, nem depende de espécies exóticas ou práticas desconectadas do território. Trata-se de um conjunto de intervenções sob medida que dialogam com o potencial do ecossistema e o modo de vida das pessoas que o habitam.
Regenerar saberes: aprendizados coletivos em prática
O evento foi um espaço de escuta ativa entre organizações que já aplicam práticas de RNA em campo e especialistas que trabalham com conceitos e políticas públicas. A troca entre diferentes experiências revelou as múltiplas escalas e adaptações necessárias para o sucesso da RNA, da propriedade rural à paisagem regional.
Além disso, o workshop foi um primeiro passo importante para alinhar teoria e prática, discutindo se os conceitos técnicos da RNA estão, de fato, sendo aplicados de maneira eficaz nas ações de restauração já em curso.
Um campo fértil para colaboração
Durante as conversas, ficou clara a lacuna de eventos e espaços de troca focados na RNA no Brasil. Ao promover esse workshop, o WRI Brasil buscou suprir essa necessidade e fortalecer uma rede de atores interessados em desenvolver, adaptar e escalar a RNA como parte das soluções baseadas na natureza.
Ao possibilitar um diálogo entre a teoria e a prática, o encontro permitiu reforçar pontos que já estão em discussão dentro do tema e deu espaço para novos aspectos serem aprofundados, de acordo com a ótica das organizações que estão implementando RNA na prática.
Destaques do workshop
- RNA como componente chave para dar escala à restauração de paisagens para atingirmos as metas estabelecidas nos acordos internacionais e nas metas nacionais;
- Flexibilidade e adaptação local como força da abordagem;
- A compreensão e o papel dos diferentes níveis de aplicação do conceito de RNA;
- A importância de manter espaços de diálogo entre as construções teóricas e implementações práticas que estão ocorrendo;
- Discussão sobre como medir, monitorar e comunicar resultados da RNA;
A RNA representa uma estratégia poderosa, de baixo custo e alta efetividade, especialmente relevante para o Brasil, onde milhões de hectares têm potencial para regenerar com apoio mínimo. Mais do que uma técnica, ela é um movimento construído a muitas mãos, com base em saberes diversos, inovação e colaboração.
O workshop sobre RNA marcou não apenas um momento de troca de experiências, mas marca a jornada colaborativa rumo à consolidação dessa abordagem como estratégia estruturante da restauração ecológica no Brasil. Ao reunir diferentes saberes, escalas de atuação e perspectivas institucionais, o encontro reforçou que restaurar é também um ato político e coletivo.
Diante da urgência climática e da necessidade de soluções escaláveis e socialmente justas, a RNA se apresenta como uma ponte entre ciência, políticas públicas e práticas locais. Para avançarmos, será essencial manter abertos os espaços de diálogo, apoiar tecnicamente os territórios e articular mecanismos financeiros que reconheçam o valor da regeneração como ativo ecológico e socioeconômico.
Este foi um primeiro passo. Que ele nos inspire a seguir construindo, com coragem e cooperação, os caminhos da restauração no Brasil e na Amazônia.