Uma floresta e um muro cinza podem ter o mesmo papel. Mas uma floresta é muito mais bonita de se ver. Com essa provocação, Rafael Feltran-Barbieri fala sobre sua principal linha de pesquisa: como a infraestrutura natural, ou as florestas, podem ter o mesmo papel na filtragem da água que a infraestrutura tradicional – o muro cinza a que ele se refere.

Graduado em biologia e economia, Rafa, como é conhecido no escritório do WRI Brasil, é especialista em Infraestrutura Natural para Água. Nesta edição do Conheça o Especialista, ele fala sobre a importância da restauração florestal, explica o papel da natureza no abastecimento de água e conta um pouco de sua trajetória até se tornar um pesquisador da economia dos recursos naturais.

Quem é você e qual a sua trajetória profissional antes de se tornar um especialista do WRI Brasil?

Meu nome é Rafael Feltran-Barbieri, sou economista no WRI, e a minha trajetória começou de maneira curiosa. Quando chegou a época do vestibular eu tinha dúvidas se ia fazer biologia ou economia. Como meu pai é economista, ele me deu a dica de fazer economia. Aí eu fui fazer biologia, porque na adolescência a gente faz o contrário. Depois de formado em biologia eu fui fazer economia, e desde então trabalho nessa área de economia dos recursos naturais.

O que é a economia dos recursos naturais?

É uma economia que basicamente entende o meio ambiente e os recursos como parte de um sistema que é maior do que a economia de mercado ou a macroeconomia. Enquanto a economia clássica entende que natureza é fator de produção, a economia dos recursos naturais considera que o ambiente é mais que um doador de recursos, que faz parte de um sistema que recebe subprodutos da própria atividade econômica e progresso material. É uma visão mais ampla que a economia como uma instituição de formação de preços, valores e trocas.

Como essa economia dos recursos interfere na vida dos cidadãos?

Os recursos naturais são fundamentais para o nosso modo de vida. Não só para o nosso progresso material, mas para o lazer, para riquezas de vivência com outras espécies, para atitudes que mudam nossa qualidade de vida. A economia ambiental é muito mais do que só consumo. Ela é também uma forma de dar valor à natureza. Conhecer a economia ambiental é proporcionar à população o conhecimento e a internalização de que o meio ambiente faz parte da nossa vida há 7 milhões de anos. Isso é importante.

Como aplicar esses conceitos no seu trabalho atual no WRI Brasil?

Eu atuo no WRI em vários projetos em que modelos matemáticos e econométricos são fundamentais para ajudar e dar suporte a programas de restauração. Eu calculo vários tipos de indicadores que poderiam ajudar a restauração, ou a sensibilidade de crédito que poderia alavancar a restauração, ou como serviços ecossistêmicos poderiam auxiliar na formação de riqueza e progresso material. Em outras palavras, o que a restauração poderia trazer de benefícios econômicos para a sociedade em geral.

Por que restaurar, que benefícios são esses?

São inúmeros benefícios. Melhor qualidade de água, fluxo hidrológico mais bem distribuído sazonalmente, benefícios para a biodiversidade, aumenta a capacidade de polinização. A floresta ajuda a fazer o controle climático, especialmente microclimático, ajuda a ciclagens de nutrientes no solo. Além de ser muito mais bonito olhar uma infraestrutura natural, uma floresta, do que um muro cinza. E as vezes a floresta e o muro podem ter a mesma função dentro de um contexto de filtragem de nutrientes ou de água.

Você acabou de publicar um estudo pelo WRI Brasil chamado “Infraestrutura Natural para Água no Sistema Cantareira, em São Paulo”. Conte-nos um pouco sobre esse trabalho.

Esse estudo foi um desafio para mim. Eu nunca tinha trabalhado com o tema da água. Meu trabalho é de estudos econométricos e, nesse caso, com relação a água. E o que me deixou muito surpreso foi ver que esse assunto interessa muito à população. Nesse estudo, mostramos que a floresta funciona como um filtro natural e ajuda a fornecer água de melhor qualidade para as estações de tratamento de água. Com isso, ela poupa energia e produtos químicos. A floresta pode atuar como uma estratégia auxiliar aos métodos convencionais de tratamento de água. Esse estudo está sendo feito no sistema Cantareira, em São Paulo, no sistema Guandu, no Rio de Janeiro, e no sistema Jucu, em Vitória. Também está sendo feito no México, em Monterrey.

Um resultado interessante do estudo é que, se olharmos apenas para um serviço ecossistêmico que a floresta pode proporcionar, no caso a filtragem de sedimentos, já valeria a pena promover a restauração em termos econômicos. O que a floresta poupa de energia e produtos químicos em tratamento de água já é muito maior que o custo de restaurar e manter essa restauração. Se olharmos para todos os outros benefícios da floresta, isso poderia ser multiplicado por muitas vezes, embora nós não tenhamos feito esse cálculo.

O Brasil já tem a maior floresta tropical do mundo. Por que restaurar? Porque não focar apenas na conservação do que já existe?

Por que até em florestas o Brasil é heterogêneo. Somos a nona economia do mundo, mas temos índices de saneamento abaixo do septuagésimo. Temos uma das piores distribuições de renda do mundo. O Brasil é um país heterogêneo., tem muita água e muita floresta, mas onde há muita água e floresta, não coincidentemente não há muita gente. Onde as pessoas vivem, que são as grandes regiões metropolitanas, especialmente no Sul e Sudeste, as florestas são escassas. E embora as florestas distantes sejam muito importantes para a chuva, as florestas locais são aquelas responsáveis pela retenção de água nas próprias bacias. O fato de existir muitas florestas não significa que não é preciso plantar muitas florestas, porque essas florestas estão muito mal distribuídas, como infelizmente tudo no Brasil.

Como o seu trabalho no WRI Brasil pode contribuir para enfrentar os desafios atuais?

Fico muito feliz de trabalhar no WRI porque aqui temos uma diferença muito grande de outras ONGs: somos um instituto de pesquisa com muita robustez. A reputação do WRI e a qualidade da pesquisa é a maneira com que o WRI consegue contribuir para todas essas questões ambientais, fornecendo para tomadores de decisão subsídios muito bem respaldados em estudos técnicos e científicos de qualidade e responsabilidade. Esse é o papel fundamental. Nós não competimos com outras ONGs porque nosso papel é o da pesquisa com qualidade. Essa é a nossa contribuição.