Floresta e produção de alimentos crescem juntas em assentamentos na Amazônia
Em uma antiga fazenda com monocultura de dendê que foi desapropriada e transformada em assentamento da reforma agrária, uma experiência vem mostrando que é possível recuperar uma área degradada, produzir alimentos saudáveis e regenerar a floresta ao mesmo tempo.
Mais do que isso, esse exemplo mostra que existe um caminho para dar escala à restauração a partir da agricultura familiar, garantindo a segurança alimentar das famílias e gerando renda no campo.
Essa experiência, fruto de uma parceria entre o projeto "Promovendo e implementando a Regeneração Natural Assistida no Mato Grosso e Pará", conduzido por WRI Brasil, Imazon e ICV, com o Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pode servir como exemplo para assentamentos em toda a Amazônia, com potencial de grande ganho de escala para a restauração no país.
Essa história foi contada sob a perspectiva de protagonistas da restauração na Amazônia, em uma série de vídeos produzida pelo WRI Brasil e disponibilizada agora. Confira abaixo.
Regenerar a floresta e produzir alimentos saudáveis
A colaboração acontece nos assentamentos da reforma agrária Abril Vermelho e São João Batista, ambos na Região Metropolitana de Belém-PA. Esses assentamentos possuem uma área de 11 mil hectares e abrigam 700 famílias de agricultores e agricultoras. A área, uma antiga monocultura para a produção de dendê, estava degradada, impondo um desafio importante para as famílias assentadas na produção de alimentos. No contexto amplo, em 2020, o MST lançou o plano com objetivo de plantar 100 milhões de árvores em dez anos, o que levou abrindo mais uma possibilidade para assentados buscarem parcerias, informação e técnicas sobre como aprimorar técnicas de restauração e produção.
“Aqui nesta terra tem arara-azul, curió, trinca-ferro. São aves que tinham sumido. Depois que reflorestou, os passarinhos voltaram”.
Luiz Gonzaga, agricultor, assentamento João Batista
No mesmo ano, foi lançado o projeto “Promovendo e implementando a Regeneração Natural Assistida no Mato Grosso e Pará”, que tem entre seus objetivos levar informação e propor modelos aplicáveis de restauração na Amazônia. Com objetivos em comum e sinergias, um acordo de colaboração foi assinado entre as organizações e o movimento social, abrindo as portas para pensar as áreas de forma integrada, considerando demanda produtivas e de adequação ambiental, testando modelos de agroflorestas e regeneração natural na Amazônia brasileira.
O grande desafio da restauração é o ganho de escala. E os assentamentos da reforma agrária podem grandes aliados dessa escala na restauração, a partir do desenho de modelos que atendam as famílias, conectem com a geração de renda e segurança alimentar, e protegem a floresta.
A terra que nos alimenta
Que modelos e técnicas são esses que podem garantir conservação e produção ao mesmo tempo?
“Acho que o futuro não existe sem o SAF. Aqui está toda a regeneração da natureza, e você consegue trabalhar sem agredir o meio ambiente, sem precisar desmatar, sem precisar destruir aquilo que já existia, porque o SAF traz vida”.
Jéssica Soraia, agricultora, assentamento Abril Vermelho
Os Sistemas Agroflorestais (SAFs), ou agroflorestas, é um desses modelos que podem promover a restauração de áreas degradadas. Os SAFs partem de uma abordagem que olha não somente para os aspectos ecológicos da restauração, mas também os produtivos. Ele permite consorciar árvores com produção agrícola, garantindo o benefício econômico ao mesmo tempo que permite ao agricultor manter sua produção para alimentação própria ou comercialização.
Na Amazônia, isso pode significar produzir, em um mesmo hectare, culturas com mercado já consolidado, como a mandioca, açaí ou cacau, com espécies que trarão benefícios ecológicos para o solo ou a água, por exemplo. Existem princípios técnicos que precisam ser considerados, mascada agrofloresta pode ser pensada e desenhada de acordo com a aptidão do local, as motivações e interesses das famílias e coletivamente enquanto movimento para explorar as possibilidades de comercializar os produtos.
O potencial dos benefícios econômicos dos SAFs é claro: ao poder produzir alimentos com diversidade de árvores e culturas, os SAFs permitem que agricultores, quando organizados, tenham renda ao longo do tempo, pela comercialização dos seus produtos. No aspecto ecológico, as agroflorestas, se manejadas adequadamente, possibilitam o aumento da fertilidade do solo, a recuperação de áreas degradadas, melhoria da qualidade da água e do microclima, tornando a temperatura do ar e do solo estáveis para o agricultor e a para as culturas, e é também capaz de diminuir o impacto do aquecimento global pela estocagem de carbono.
Uma ajuda para a natureza
Quando os assentamentos Abril Vermelho e João Batista foram criados, a área estava degradada por anos de monocultura intensiva.
"Na minha propriedade, chegou a um ponto em que a água estava desaparecendo. Eu tive que tomar uma atitude. Em 6 anos [depois de restaurar], a água voltou 100%"
Igor da Silva, agricultor, assentamento Abril Vermelho
Recuperar áreas degradadas por meio do plantio de mudas pode ser uma atividade custosa para famílias de agricultores familiares. Mas há uma alternativa com grande potencial para dar escala à restauração: a Regeneração Natural Assistida (RNA).
A RNA consiste em fazer intervenções em uma área para facilitar o processo crescimento da floresta. Em outras palavras, é dar uma ajuda para que a natureza faça o trabalho da recuperação da vegetação nativa. O tipo de intervenção vai depender do contexto. Em alguns casos, retirar o fator de degradação - como nesse caso foi o uso intensivo da terra - já é determinante para a transformação do ambiente.
Outras ações viáveis:
- Enriquecer áreas com o plantio de espécies nativas, que podem trazer benefícios ecológicos e também econômicos, como é o caso de árvores frutíferas;
- Controlar espécies invasoras ou exóticas que podem se espalhar de forma descontrolada e impedir o nascimento e a diversificação de espécies nativas;
- Manejar o gado pelo controle ao acesso às áreas.
Um estudo de casos de regeneração natural assistida feito pelo WRI Brasil e parceiros identificou outros exemplos de intervenções e projetos de sucesso ao redor do mundo. O estudo pode ser baixado aqui.
A Regeneração Natural Assistida otimiza esforços para restaurar áreas degradas em escala, tem capacidade de acelerar a regeneração e ampliar a restauração de milhões de hectares, tem bom custo-benefício, se comparada a implementação de outras estratégias, além da capacidade de absorver emissões de gases de efeito estufa.
Restauração é feita de pessoas
Por melhores que sejam as técnicas para implementação de sistemas agroflorestais e regeneração natural, por mais claros que sejam os benefícios, a restauração não vai acontecer se não incluir um fator fundamental: as pessoas.
Para que a restauração de paisagens e florestas seja efetiva, as pessoas que formam a paisagem precisam estar no centro desse processo. Isso significa que os produtores rurais precisam estar diretamente envolvidos com as ações e tomadas de decisão no contexto da restauração, além de conectados com outros agentes e fóruns que tem como objetivo a recuperação de áreas degradadas.
Estudos desenvolvidos pelo WRI Brasil e outras organizações parceiras demonstram que a centralidade dos diferentes atores sociais, principalmente locais, é muito importante. A participação desses agentes na estruturação de ações e desenvolvimento de planos de restauração, por exemplo, garante maior efetividade, já que partem da experiência de quem conhece o território de perto.
O sucesso das iniciativas nesses assentamentos na Região Metropolitana de Belém só foi possível pelo grande envolvimento e participação dos atores locais. No fim, é graças ao trabalho incansável de agricultores e agricultoras familiares que conseguiremos fazer uma transição justa no campo, garantindo a segurança alimentar e mantendo a floresta em pé na Amazônia.
Ganho de escala para a restauração na Amazônia
Para além dos desafios e aprendizados nas fases de planejamento, capacitação e implementação, o trabalho continua. Garantir o monitoramento efetivo, manejo adequado e a conexão com outras iniciativas para organização da produção são importantes para que os benefícios da restauração sejam sustentados ao longo do tempo.
O WRI Brasil, junto com parceiros, segue apoiando iniciativas regionais como a Aliança pela Restauração da Amazônia, promovendo discussões para avançar na implementação do Plano de Recuperação da Vegetação Nativa no Pará e muitas outras ações para contribuir com o ganho de escala da restauração na Amazônia brasileira.
Produção dos vídeos: Yantra Imagens
Direção e fotografia: Ricardo Lisboa
Roteiros: Gui Stockler
Coordenação: Bruno Calixto/WRI Brasil e Luciana Alves/WRI Brasil