Como convencer alguém a investir esforços em Sistemas Agroflorestais (SAFs), um modelo de produção de alimentos que garante a cobertura florestal e gera inúmeros benefícios ambientais e econômicos?

Em Juruti, na Amazônia paraense, às margens do rio Amazonas, uma comunidade de agricultores familiares se envolveu em ações para capacitação e implementação de SAFs. O resultado atraiu a atenção dos vizinhos, que também decidiram ter suas próprias agroflorestas, criando um importante movimento local em prol da conservação e restauração das florestas e de produção de alimentos tradicionais da região, como açaí, mandioca e cupuaçu.

A partir do projeto “Restauração Compatível com a Igualdade de Gênero e a Mudança do Clima”, do WRI Brasil, com apoio da Alcoa Foundation e parceria da Preta Terra, foi possível prestar assistência técnica e apoio a produtores rurais para o estabelecimento de unidades demonstrativas de SAFs que atendessem às motivações e interesses de produção local. Além disso, as ações buscaram endereçar o componente de gênero: fomentando a liderança feminina e a inclusão das mulheres nas tomadas de decisão da propriedade rural que foram critérios de engajamento das pessoas no projeto.

O trabalho começou em 2018 e se conclui agora, em 2022, com uma série de atividades de monitoramento para acompanhar os resultados. Eis algumas das principais lições aprendidas.

A importância das relações na vizinhança

Pesquisas científicas e teorias são importantes, mas na hora de decidir o que plantar, a inspiração pode chegar pela família, amigos ou através da influência da comunidade. Por isso, o projeto partiu da proposta de fazer unidades demonstrativas. Foram implantadas áreas de SAF durante o processo de formação dos produtores sobre o tema para mostrar como as técnicas podem ser aplicadas e os benefícios que as agroflorestas podem trazer.

As áreas trabalhadas variam entre 0,25 a 1 hectare cada, e mesclam espécies florestais com culturas típicas da região, como a mandioca. O objetivo não foi somente aumentar o número de SAFs, mas fazer com que servissem de exemplo para que outros agricultores, estudantes, pesquisadores e pessoas interessadas pudessem conhecê-los na prática.

Alguns casos de produtores que implantaram unidades demonstrativas ilustram essa ideia. O casal Hilda e Ney Farias, por exemplo, conseguiu implantar uma agrofloresta que resistiu à seca e garantiu uma boa produção de alimentos, em especial mandioca e banana. O sucesso fez com que o casal criasse um grupo na comunidade para implantar, por meio de mutirões, novas áreas de SAFs, multiplicando os resultados. Além disso, eles diversificaram os modelos, incluindo outras espécies além de banana, como castanha, cupuaçu, graviola, açaí.

As unidades demonstrativas também uniram gerações em prol da agroecologia. Ao conhecê-las, embora não fosse de nenhuma das famílias participantes, Camila Bentes, que estuda Engenharia Agronômica na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) decidiu dedicar-se ao tema no seu projeto de conclusão de curso. Junto com a comunidade, Camila participou de mutirões de implantação de novos SAFs, tornando-se uma liderança no assunto dentro do município.

Pessoas observam área de agrofloresta em Juruti, Pará
Sistema Agroflorestal (SAF) implantado pela estudante Camila Bentes em Juruti, Pará (foto: Julio Alves/WRI Brasil)

Autonomia para os produtores rurais

Uma importante lição aprendida no projeto é a necessidade de autonomia para as pessoas decidirem qual a melhor forma, modelo e espécies a serem implementadas em suas agroflorestas.

O caso da Família Soares exemplifica isso. Uma das famílias de maior envolvimento no projeto – contamos essa história em um dos capítulos da websérie As Caras da Restauração –, os Soares, liderados por Marliane, decidiram se apropriar da técnica. Eles não só implantaram uma segunda área de SAF, como planejam a terceira. E estão ampliando do jeito deles: aprimoraram o desenho em vez de apenas replicar, considerando seus novos interesses e oportunidades de mercado – no caso, a ampliação de espécies para produzir coco e castanha e incluir a criação de abelhas.

O caso mostra que o sucesso de projetos e programas depende muito do envolvimento dos atores locais em cada paisagem, principalmente de produtoras e produtores rurais. As pessoas precisam ter voz e um papel ativo para serem mais que beneficiárias, mas protagonistas nas ações de conservação e restauração da Amazônia.

Dificuldades em tempos de pandemia

Apesar dos bons resultados, o projeto também enfrentou dificuldades, uma delas sendo a própria pandemia da Covid-19, que entre os anos de 2020 e 2021 impossibilitou visitas à campo e assistência às famílias. Isso resultou em desistências e abandono de algumas das unidades demonstrativas.

No pós-pandemia, uma saída para enfrentar o problema foi gerar ainda mais autonomia aos produtores por meio de um programa de capacitação e multiplicação. A partir de videoaulas, monitoria por aplicativos como o Whatsapp, parceria com a Ufopa e, mais recentemente, encontros presenciais, foi criado um programa de capacitação para que os produtores possam não só desenvolver seus próprios sistemas agroflorestais, como multiplicá-los, apoiando vizinhos e a comunidade.

Buscando novos mercados

Com o envolvimento da comunidade e a expansão dos SAFs, os produtores rurais de Juruti estão se preparando para avançar em uma produção mais diversificada. A última fase do projeto, de monitoramento e avaliação de resultados, mostra que ainda é necessário investir em esforços que apoiem o acesso dos produtos agroflorestais a mercados.

Um dos caminhos é expandir a produção para além da mandioca. Entre os produtos com demanda e interesse por parte dos agricultores estão o açaí, a castanha, o cupuaçu e a banana.

Os mercados institucionais, como o fornecimento da merenda escolar municipal, por exemplo, podem ser um caminho importante para acelerar o empreendedorismo dos agricultores familiares. Alguns desses produtores já conseguem acessar tais oportunidades e também comercializar nas feiras locais.

A experiência em Juruti mostra que a restauração florestal a partir de modelos produtivos, em especial os Sistemas Agroflorestais, tem um grande papel no fortalecimento da agricultura familiar na Amazônia, garantindo a segurança alimentar para as famílias e a conservação da floresta para toda a sociedade.