Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) são uma estratégia de uso do solo que apresenta um benefício duplo: ao mesmo tempo que produzem alimentos e produtos florestais madeireiros e não-madeireiros, gerando renda no campo, restauram florestas e paisagens, gerando benefícios ambientais.

Uma paisagem brasileira que está vivenciando o processo de implementação e disseminação dos SAFs é o Vale do Paraíba Paulista. Nessa região, agricultores e agricultoras se organizaram por meio de uma rede para promover uma agricultura regenerativa e agroecológica, a Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba.

Nesta semana a Rede Agroflorestal está publicando, com apoio do WRI Brasil e da TNC Brasil, um Plano de Ação, com estratégias para acelerar e dar escala aos esforços para implementação de sistemas agroflorestais e a comercialização dos produtos gerados. No plano, a Rede traça objetivos para expandir os SAFs na região com a ambição de restaurar até 80 mil hectares hoje degradados.

Oportunidades no Vale do Paraíba Paulista

O Vale do Paraíba tem as condições e motivações necessárias para ver o crescimento de um grande movimento pela restauração de paisagens e florestas e implantação de modelos agroflorestais.

O Vale sofreu com degradação histórica do solo e há grandes áreas que podem ser restauradas. A região está no eixo de ligação entre as regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro e, portanto, está em uma localização ideal para garantir aos produtores o acesso a grandes mercados consumidores.

A aplicação da Metodologia ROAM no Vale do Paraíba quantificou essa oportunidade e mostrou que há uma importante vocação agroflorestal na paisagem. As análises identificaram um passivo de 70 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e 10 mil hectares de Reserva Legal (RL). Alguns modelos de SAFs que não envolvem poda ou corte poderiam ser aplicados nessas áreas. O estudo, publicado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente com apoio do WRI Brasil em 2017, também identificou as motivações, sendo a geração de renda uma das mais relevantes. E mostrou que a restauração de paisagens e florestas na bacia pode resultar numa melhora de 32% do PIB agropecuário na região.

Atores engajados multiplicam os SAFs

É na tentativa de explorar a vocação da paisagem que a Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba surgiu. Ela foi criada entre os anos de 2011 e 2012, a partir de experiências e trocas de informações de agricultores familiares e produtores rurais locais interessados na agroecologia.

A Rede Agroflorestal organizou mutirões para implantação de SAFs, promoveu capacitações e trocas de experiências, e possibilitou a articulação entre as pessoas. Em 2021, a Rede foi formalizada como uma associação sem fins lucrativos para a promoção da agroecologia.

Agricultores implantam SAF
Exemplo de um dos mutirões para implantar SAFs organizado pela Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba (Foto: Lucas Lacaz)

Esse engajamento dos agricultores locais é fundamental para garantir o sucesso dos Sistemas Agroflorestais na paisagem. Desde que foi fundada, a Rede já mobilizou mais de 50 mutirões de implantação de SAFs, evolvendo a participação de mais de mil produtores rurais e 66 instituições diferentes. Nesses mutirões, a troca de informações é grande, e os produtores e produtoras aprendem na prática – um conhecimento que podem levar porteira adentro, para produzir em suas próprias áreas.

Já foram implantados por meio da Rede cerca de 70 Sistemas Agroflorestais, sendo a maior parte deles em São José dos Campos (17 SAFs), Lagoinha (15), Tremembé (14) e Pindamonhangaba (4), mas há produtores plantando agroflorestas em outros 15 municípios da região.

Um dos SAFs existentes na região, da Fazenda Coruputuba, foi destacado na websérie As Caras da Restauração, produzida pelo WRI Brasil. Conheça essa história no vídeo abaixo.

Estratégias para disseminar SAFs pelo Vale

O importante envolvimento de agricultores e agricultoras e os muitos mutirões agroflorestais promovidos pela Rede fazem do Vale do Paraíba uma paisagem importante na restauração de paisagens e na agroecologia. Porém, mesmo com esse envolvimento os números ainda são modestos perto da ambição necessária de restauração no país. Afinal, o Brasil todo tem como meta restaurar mais de 12 milhões de hectares, e o estado de São Paulo, 300 mil hectares. Como o Vale do Paraíba pode contribuir para esses compromissos?

É aí que entra o Plano de Ação. O documento define seis estratégias principais, que passam por tópicos importantes, como governança, capacitação e acesso a mercados:

  1. Fortalecer a governança da Rede Agroflorestal e Plano de Ação;
  2. Fomentar ações de disseminação dos sistemas agroflorestais para restaurar a paisagem regional;
  3. Promover mutirões agroflorestais no Vale do Paraíba;
  4. Promover a capacitação e o ensino formal sobre sistemas agroflorestais;
  5. Fortalecer o trabalho dos coletores de sementes florestais e dos produtores de mudas e sementes;
  6. Apoiar a estruturação da comercialização da produção agroflorestal.

O plano também apresenta sugestões de diferentes tipos de SAFs a serem implementados de acordo com os interesses de cada agricultor. Há desde os Quintais Agroflorestais, formados ao redor da moradia com arranjos voltados para espécies alimentícias, condimentares e árvores para fins de segurança alimentar até sistemas silvipastoris, que mesclam florestas com a criação de animais.

Com oportunidades e motivações identificadas, articulação local e um plano coeso, o Vale do Paraíba pode se transformar em um grande polo de SAFs do país. O WRI Brasil acredita nesse potencial e atua, por meio de projetos como o Pró-Restaura e o Cities4Forests, para apoiar os produtores locais a destravar os potenciais, acelerando e dando escala à restauração de paisagens e florestas.


 

Autores: Antonio Carlos Pries Devide, Patricia Lopes, Leandro Braz Camilo e Thales Ferreira são membros da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba e lideraram a elaboração do Plano de Ação. Marina Campos é Especialista em Restauração Florestal na TNC Brasil.