A regeneração natural assistida (RNA) é uma das técnicas de restauração com custo-benefício positivo a disposição para recuperar milhões de hectares de florestas e paisagens no mundo todo. Com a aspiração de criar uma "comunidade" de pessoas interessadas e implementadoras dessa técnica e de reunir as evidências, experiencias e aprendizados de diferentes disciplinas, setores e regiões geográficas, a Aliança para a Regeneração Natural Assistida (Aliança RNA) foi criada em 2022 como uma plataforma que possa unir esforços, compartilhar o conhecimento e disseminar técnicas em uma coalização iniciada pelo World Resources Institute, com apoio de WRI Brasil, ICV, Imazon e Suzano, como contribuição do projeto "Promovendo e implementando a Regeneração Natural Assistida no Mato Grosso e Pará". 

A Aliança RNA foca em três grandes regiões – Ásia-Pacífico, África e América Latina e Caribe –, e ao longo de 2022 e 2023 organizou oficinas e reuniões com implementadores no mundo todo, engajando mais de 130 pessoas, de 90 organizações diferentes em 43 países. 

Entre as ações da Aliança estão a disseminação da prática da regeneração natural assistida e a melhoria de sua eficiência nas regiões tropicais e subtropicais do mundo. Para isso, a Aliança trabalha com três objetivos principais: 

  1. Estimular uma maior sensibilização e conhecimento sobre as práticas de RNA; 
  2. Apoiar políticas públicas e incentivos para a implementação da RNA; e 
  3. Facilitar o acesso a dados científicos, apoio técnico e capacidade de monitorização. 

Buscando reunir o conhecimento disponível sobre RNA na literatura científica internacional, foi lançado durante a 10ª Conferência Mundial sobre Restauração Ecológica um documento que sintetiza o “estado da arte” da técnica com ênfase em florestas, bosques e savanas, de climas tropicais e subtropicais. Esse relatório pode ser acessado aqui, e abaixo destacamos alguns dos pontos principais.  

O que é regeneração natural assistida e quais são seus benefícios

A regeneração natural é o processo em que as plantas e os animais conseguem se estabelecer numa área desmatada ou degradada sem que tenham sido plantadas ou introduzidas pela ação humana. É um processo da natureza que acontece a partir de sementes trazidas pelo vento ou por animais, como pássaros e mamíferos e pelo deslocamento dos animais em busca de habitats. 

Mas, considerando o nível atual de degradação de muitos ecossistemas, apenas deixar regenerar não basta. É preciso garantir que as áreas regeneradas não sejam novamente desmatadas no futuro, tendo tempo suficiente para crescerem e se tornarem florestas maduras. Para isso acontecer, é preciso ter intencionalidade em deixar uma área regenerar. A regeneração natural assistida conta com a capacidade da vegetação se recuperar naturalmente em uma área, mas com intervenções humanas para conduzir e acelerar essa recuperação. As pessoas intervêm no processo de crescimento da vegetação para acelerar a recuperação, eliminar barreiras e proteger áreas, se mostrando como uma das ferramentas mais eficientes para dar escala à restauração de paisagens e florestas. Processos associados a RNA estão presentes em diversos pontos do mundo, embora muitas vezes não sejam identificados como tal e não tenham o seu potencial bem compreendido.  

Em comparação com o plantio de árvores, vemos que a regeneração natural assistida tem grandes benefícios. É uma técnica custo-efetiva para a recuperação da biodiversidade nativa e absorção de carbono, para recuperar as contribuições da natureza para as pessoas, incluindo os serviços ecossistêmicos, e aumentar a resiliência de uma paisagem às mudanças do clima. Também há benefícios culturais, sociais e econômicos envolvidos. Áreas regeneradas podem ter papel importante no ecoturismo, educação ambiental, agroflorestas, cadeias de produtos florestais, e melhoria da qualidade no abastecimento de água, por exemplo. 

Quem está implementando e onde? 

Uma das grandes vantagens das técnicas de regeneração natural assistida é que elas são relativamente baratas e não exigem treinamento altamente especializado. Isso faz com que práticas como instalação de cercas, manejo do fogo, controle de espécies invasoras, entre outras, possam ser executadas por indivíduos, pequenos produtores e agricultores familiares, e comunidades locais.  

Já há casos de sucesso da aplicação da RNA documentados. Um estudo de casos publicado em 2021 por WRI Brasil, Imazon, ICV e Suzano buscou exemplificar o que é essa regeneração na prática. O estudo levantou 25 casos de iniciativas – incluindo empresas, ONGs, governos e produtores rurais – no mundo todo que usaram alguma intervenção de regeneração natural assistida, mostrando diversidade de atores e de técnicas.  

Também há estudos mostrando onde estão os locais mais apropriados para o uso da técnica. RNA é mais viável e de melhor custo-benefício em ecossistemas florestais e de savanas, em áreas em que o custo de oportunidade de terra é relativamente baixo – como áreas de pastagem degradadas ou áreas abandonadas devido a um baixo rendimento agrícola. Uma avaliação dessas áreas na Mata Atlântica identificou um total de 21,8 milhões de hectares nessas condições, o que representaria 30% de toda a área possível de ser restaurada nessa região biogeográfica. Ampliando a análise para o mundo todo, um outro estudo estimou um total de 215 milhões de hectares com potencial em áreas tropicais e subtropicais, com destaque para Brasil, Indonésia e China. 

Quais são os principais desafios e como financiar 

Oportunidades não faltam, mas ainda há alguns desafios a se vencer para garantir a necessária escala da regeneração natural assistida.  

Há as barreiras biofísicas, como incêndios florestais descontrolados e avanço de espécies invasoras, mas a Aliança RNA chama a atenção também para desafios políticos e institucionais.   

Entre esses, os principais desafios para adoção em escala da RNA acabam sendo a falta de uma regularização fundiária adequada em muitos países; restrições ao uso econômico sustentável em florestas em regeneração, como por exemplo o manejo de espécies para madeira; licenciamento muito burocrático com incidência desbalanceada de impostos e taxas; e políticas de restauração excessivamente focadas no plantio de mudas, sem considerar a regeneração dos ecossistemas e o plantio direto de sementes.  

Por mais que os custos de implementação da RNA sejam consideravelmente mais baixos se comparados com o plantio total de mudas, como indicado por um estudo que identificou uma diferença de até 33%, o seu financiamento ainda é um desafio que requer o desenvolvimento de soluções específicas e combinando diversas fontes. Mecanismos como Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), políticas de acesso a mercados de produtos florestais madeireiros e não madeireiros e mercado de carbono podem ser caminhos viáveis para o financiamento da regeneração.  

Uma técnica crucial para a Década da Restauração 

A década atual foi declarada como Década da Restauração dos Ecossistemas da ONU. Os esforços para recuperar paisagens daqui até 2030 serão cruciais para garantir o cumprimento de compromissos internacionais e metas globais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.  

Para que essas metas sejam alcançadas, precisaremos utilizar todas as ferramentas que estão a nossa disposição. A Aliança para a Regeneração Natural Assistida promove discussões para que a RNA seja priorizada quando e onde for viável, garantido um bom custo-benefício da restauração, além de apoiar a restauração por meio do plantio de árvores quando necessário por motivos ecológicos ou socioeconômicos.  


*Robin Chazdon, Carlos Alberto de Mattos Scaramuzza (IIS e PUC-Rio) e Natalia Ruiz-Guevara são consultores do WRI e estão apoiando nas atividades da Aliança Para a Regeneração Natural Assistida.