Quais países devem pagar a conta do financiamento climático internacional?
Para combater as mudanças climáticas, o mundo precisa de trilhões de dólares por ano, mas ainda há incerteza sobre a fonte desses recursos. O que está em jogo é a vida nos países mais pobres – os mais carentes de medidas de proteção e os mais atingidos pelos impactos cada vez maiores de ondas de calor, tempestades e outros eventos extremos que se tornam mais graves a cada ano. Sem ajuda externa, muitos desses países não possuem recursos suficientes para promover uma transição rápida e justa rumo a uma economia de baixo carbono e resiliente ao clima.
Por meio da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e do Acordo de Paris, os países assumiram diversos compromissos financeiros, incluindo a criação de um novo fundo para responder a perdas e danos para ajudar os países em desenvolvimento na recuperação de eventos climáticos extremos. Este ano, os países precisam definir uma nova meta financeira com o objetivo de mobilizar os recursos necessários às nações em desenvolvimento. Conhecida como Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG, na sigla em inglês), ela substituirá a meta anterior, dos US$ 100 bilhões anuais que os países desenvolvidos haviam prometido mobilizar para as nações em desenvolvimento até 2025.
Essas negociações levantaram uma série de questões, como quais países devem ajudar a pagar essa conta. A resposta a essa pergunta envolve diferentes considerações, incluindo interpretações legais do Acordo de Paris e discussões sobre justiça e equidade. Até o momento, o conjunto dos 23 países de renda mais alta, conhecido como Anexo II da Convenção, foi responsável por contribuições financeiras que viabilizam o desenvolvimento de baixa emissão e a construção de uma maior resiliência climática nos países em desenvolvimento. Esse conjunto inclui países como os Estados Unidos, Japão e Alemanha.
Agora, os países desenvolvidos têm argumentado que outras nações também devem contribuir, especificamente países que hoje apresentam níveis relativamente altos de riqueza e emissões. Em paralelo, os países em desenvolvimento alegam que não há mandato legal para discutir quem deve contribuir para a nova meta, argumentando que o Acordo de Paris afirma que a responsabilidade recai exclusivamente sobre as nações desenvolvidas.
Analisando as responsabilidades dos países em relação ao financiamento climático
O debate sobre a responsabilidade pelo financiamento climático não é novidade nas negociações climáticas da ONU. A responsabilidade financeira tem sido avaliada a partir de uma combinação entre responsabilidade histórica – medida pelos níveis de emissões – e capacidade de pagar – medida pelos níveis de desenvolvimento econômico. Nações desenvolvidas, como países do Anexo II, em geral ocupam posições altas em ambos os quesitos.
No entanto, nos mais de 30 anos desde que os países foram identificados no Anexo II, a renda per capita mundial triplicou, refletindo ganhos não apenas nominais, mas reais nos padrões de vida. Alguns países não incluídos no Anexo II hoje apresentam níveis de riqueza e emissões maiores até mesmo do que as nações que já fazem parte do grupo. Se isso deve mudar a lista de nações contribuintes será um tópico polêmico das negociações na próxima conferência climática da ONU (COP29), que acontece no Azerbaijão em novembro.
Para ajudar a embasar as discussões sobre a atual situação dos países em termos de responsabilidade histórica e capacidade de contribuição, o WRI criou uma calculadora de financiamento climático que gera cenários com base no histórico de emissões de um país e seu nível de renda. Avaliar diferentes cenários traz nuances a serem consideradas para o debate sobre o tamanho da responsabilidade de diferentes países.
A ferramenta abaixo está disponível apenas em inglês. Para uma melhor experiência, acesse a partir de um computador desktop.
Medindo as emissões
As emissões podem ser medidas a partir de dois pontos no tempo: desde 1850, após a Revolução Industrial, quando as emissões romperam com os padrões históricos, ou a partir de uma data mais recente, quando a ameaça das mudanças climáticas passou a ser mais bem compreendida – por volta de 1990, quando foi publicada a primeira avaliação do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas.
Além do período das emissões, também é preciso considerar o tamanho da população. A quantidade de emissões per capita pode ser um embasamento para a avaliação da responsabilidade histórica de um país. Caso contrário, nações maiores poderiam ser mais indicadas como mais responsáveis do que as menores para fornecer financiamento climático, mesmo que cada habitante no país polua menos. Por outro lado, basear a responsabilidade apenas nas emissões per capita também traz algumas limitações, uma vez que, dessa forma, dois países de tamanhos muito diferentes, mas com emissões per capita semelhantes (como Estados Unidos e Islândia), seriam responsáveis pela mesma quantidade de recursos – um resultado não realista.
Comparando a situação econômica
Assim como acontece com as emissões, existem diferentes maneiras de comparar os níveis de renda de um país. A mais direta é por meio do produto interno bruto (PIB), que fornece uma medida do desenvolvimento econômico. O PIB pode ser expresso de várias maneiras, incluindo o método de paridade do poder de compra, que considera as diferenças entre os custos de vida nacionais. Além disso, o PIB também pode ser ajustado com base na carga da dívida externa, a fim de contabilizar a parcela da renda nacional usada para pagar a dívida externa.
Aqui, também é preciso considerar o tamanho da população. Tomemos, por exemplo, a Índia, atualmente a sexta maior economia do mundo – acima de muitas nações desenvolvidas. Porém, com uma população de 1,45 bilhão de habitantes, o PIB per capita do país cai para a 142ª posição, o que embasa o argumento de que a Índia não deveria contribuir com o financiamento climático. Por outro lado, a análise da renda per capita coloca diversos outros países, como Catar e Cingapura, no topo da lista.
Enquanto os negociadores se preparam para a COP29, o WRI identificou três grandes descobertas ao executar diferentes cenários usando a calculadora de financiamento climático. Confira a seguir:
1) Em qualquer cenário razoável, os Estados Unidos precisam tomar a frente
Quase todos os cenários avaliando emissões e métricas econômicas atribuem a maior responsabilidade pelo financiamento climático aos Estados Unidos (EUA). O país é a origem da maior parte das emissões de gases de efeito estufa desde a década de 1850, acima de qualquer outro, e ainda hoje são o segundo maior emissor anual, além de serem a maior economia do mundo. Isso não se deve apenas ao fato de ser um país grande – as taxas de renda e emissões per capita são altas também.
Se avaliarmos, por exemplo, um cenário que combina dados de emissões per capita e acumuladas (desde 1850) com dados de PIB per capita e PIB total, convertidos para dólares internacionais usando taxas de paridade de poder de compra (veja a metodologia aqui), vemos que os EUA devem ser responsáveis por uma cota de financiamento maior do que qualquer outra nação, com a China ocupando um distante segundo lugar. Se utilizamos dados de emissões acumuladas a partir de 1990, os Estados Unidos ainda permanecem no topo da lista, embora com uma margem menor.
Desde que a meta dos US$ 100 bilhões foi estabelecida, os EUA nunca chegaram perto de cumprir sua cota de financiamento climático. Outros países do Anexo II também precisam aumentar suas contribuições, mas não no mesmo nível que os Estados Unidos.
2) O aumento das emissões e dos níveis de renda também deve ser considerado
Não há como negar que o mundo, hoje, é muito diferente do que era quando o Anexo II foi criado, em 1992. Alguns países se tornaram muito mais ricos e passaram a registrar altos níveis de emissões nas décadas seguintes. A China, por exemplo, apresenta o maior acumulado de emissões do mundo se considerarmos o período desde 1990, ultrapassando os EUA no total de emissões anuais no início dos anos 2000.
No entanto, as emissões per capita da China ainda são quatro vezes menores que as dos EUA. Em paralelo, alguns países menores hoje também possuem renda per capita e/ou níveis emissões mais altos que os EUA.
Embora os dados não garantam respostas exatas sobre quem deve fornecer o financiamento climático internacional, países de baixa renda e com baixos níveis de emissões não possuem essa responsabilidade em nenhum cenário. Além disso, também é possível que um pequeno grupo de países que não fazem parte do Anexo II, mas que hoje apresentam níveis mais altos de renda e emissões, possam ter um papel a desempenhar. Nesse caso, as contribuições podem ser obrigatórias ou voluntárias – e, se voluntárias, com ou sem a responsabilidade de relatar suas atividades.
3) Precisamos considerar múltiplos fatores
Avaliar uma combinação entre renda e emissões per capita e acumuladas fornece o panorama mais razoável quando levamos em consideração as possíveis mudanças na lista de países que devem contribuir com o financiamento climático. Considerar apenas uma dessas métricas pode fornecer resultados distorcidos.
A resposta para a problemática de como dividir a responsabilidade pelo financiamento climático também pode depender de fatores que apenas comparações de emissões e renda não são o suficiente para abranger. Por exemplo, há visões diferentes sobre como comparar o desenvolvimento econômico – a partir de uma perspectiva de justiça, muitos consideram que nações que passaram por uma rápida ascensão econômica recente não são equivalentes àquelas que desfrutaram de um status econômico mais elevado por um período de tempo mais longo.
Além disso, há também a questão da vulnerabilidade climática. Algumas nações –pequenos estados insulares em desenvolvimento, por exemplo – encontram-se em boas condições financeiras e apresentam altas taxas de emissões per capita. Em compensação, também enfrentam ameaças graves decorrentes dos impactos climáticos. Tendo isso em mente, esses países devem ser responsáveis por alguma cota do financiamento climático internacional? A maioria provavelmente diria que não, considerando as significativas necessidades internas de recursos com as quais convivem agora, devido às mudanças climáticas.
Em busca de uma solução para o financiamento climático
Calcular e comparar as emissões e a situação econômica dos países é essencial para o debate a respeito de quais nações devem contribuir para o financiamento climático internacional. Essas métricas por si só podem não ser suficientes, mas são importantes para ajudar a avaliar a justiça dessa decisão.
Mesmo que os dados justifiquem que novos países também contribuam para o financiamento climático, permanece a questão de por qual parcela seriam responsáveis. No caso da atual meta dos US$ 100 bilhões, existe uma meta específica e uma lista de países responsáveis por atingi-la. Para a nova meta de financiamento climático, pode ser necessária uma abordagem mais inclusiva e capaz de refletir as diferenças entre as partes.
O caminho para um acordo nesse quesito pode ser baseado em mais transparência. Alguns países que atualmente não fazem parte do Anexo II, como a China, já contribuem com uma quantidade relativamente alta de financiamento climático para nações em desenvolvimento, mas a maior parte desse investimento não é reportada à UNFCCC. De 2013 a 2022, a China forneceu US$ 45 bilhões em financiamento climático para países em desenvolvimento, o equivalente a 6,1% do financiamento climático fornecido por todos os países desenvolvidos juntos durante o mesmo período. A nova meta de financiamento climático pode, de alguma forma, reconhecer e contabilizar esses recursos a fim de aumentar a transparência e garantir o reconhecimento dos países que já atuam nesse sentido.
Seja qual for a direção das negociações sobre o financiamento climático, o objetivo final – garantir financiamento suficiente disponível para que as nações em desenvolvimento também possam promover um futuro inclusivo, de baixo carbono e resiliente – é um interesse comum para todos os países. O desafio de definir quais países devem contribuir (e como) é fundamental para chegarmos a esse resultado.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.