O transporte coletivo precisa de passageiros satisfeitos. Os sistemas de ônibus urbanos estão em crise há décadas, e a baixa qualidade é tanto causa quanto resultado da queda contínua na demanda. É necessário qualificar o serviço para garantir sua sustentabilidade financeira, conter a migração de passageiros para carros e motos e melhorar o acesso de milhões de pessoas a oportunidades como emprego, educação, saúde e lazer. 

Mas de nada adianta investir na qualificação se essa melhora não for percebida pelos passageiros. Para que operadores e gestores do transporte coletivo possam enxergar o serviço pelos olhos dos clientes, o WRI Brasil desenvolveu a Pesquisa de Satisfação QualiÔnibus. A metodologia é um meio reconhecido de aferir a percepção dos passageiros, amplamente utilizada por técnicos e tomadores de decisão no Brasil.

O Manual da Pesquisa de Satisfação QualiÔnibus é gratuito e está disponível para download neste link. Por meio do manual, cidades e operadores conseguem aplicar a pesquisa de forma autônoma em seus sistemas. Em sua segunda versão, atualizada em 2024, além de orientações detalhadas para aplicação da pesquisa de forma presencial e online, a publicação reúne boas práticas e casos que mostram os múltiplos usos da ferramenta na gestão do transporte público.

O que é "qualidade" para os passageiros?

A qualidade do transporte coletivo por ônibus tem muitas dimensões. Se para gestores e operadores a qualidade é aferida por meio de indicadores de desempenho operacional e financeiro, para passageiros ela é avaliada pelo nível de satisfação. Oferecer horários regulares ou ônibus novos é tão importante quanto garantir que os passageiros percebam os diferentes atributos do serviço e tenham uma experiência positiva em todas as etapas de seus deslocamentos.

A realização de pesquisas regulares, que captem a percepção das pessoas em relação aos diferentes elementos do serviço, permite identificar de forma contínua quais atributos se destacam positiva e negativamente e, com base nisso, planejar ações que ataquem os problemas mais críticos.

pessoas em ponto de ônibus
Ponto de ônibus em Porto Alegre: qualidade dos abrigos é um fator relevante na experiência do passageiro (Foto: Giovanni Ceconello/WRI Brasil)

Fatores da qualidade traçam diagnóstico do sistema

A qualidade do transporte coletivo vai muito além da frequência com que os ônibus passam e do número de assentos disponíveis. Ela está presente e pode ser notada em todas as dimensões da prestação do serviço, do planejamento à operação; e em toda a experiência, desde o local de origem até o destino final.

A Pesquisa de Satisfação contempla 16 fatores da qualidade que englobam diferentes elementos do sistema: acesso ao transporte, disponibilidade, rapidez do deslocamento, confiabilidade, integração. O conforto dos pontos de ônibus, das estações, dos terminais e dos veículos. O atendimento e a informação ao cliente. A segurança, tanto em relação à violência quanto aos sinistros de trânsito. A exposição a ruído e poluição, a forma de pagamento e, não menos importante, o gasto pessoal com o transporte coletivo. O capítulo 2 do manual apresenta mais detalhes sobre esses temas.

Os fatores da qualidade moldam a satisfação dos clientes. Ao aferir o nível de satisfação e entender as percepções em relação a cada um, a pesquisa compõe um diagnóstico que permite identificar quais elementos do sistema necessitam de melhorias e determinar quem deve estar envolvido nas ações – afinal, o transporte coletivo é responsabilidade de diferentes atores, e alguns fatores podem envolver até mesmo órgãos que não atuam no planejamento e operação do serviço.

Pesquisa como ferramenta de gestão

A aplicação da Pesquisa de Satisfação não é um fim, mas sim um meio na promoção de qualidade no transporte coletivo com foco nas pessoas. Para que sua aplicação contribua com um serviço de ônibus melhor, os seus resultados devem servir de base para o planejamento de ações de qualificação. Para atingir bons resultados, é possível traçar diferentes estratégias. 

A seguir, conheça alguns exemplos adotados por cidades brasileiras.

Usar resultados para apoiar tomada de decisão

Cidades têm usado a Pesquisa de Satisfação para nortear a tomada de decisões.

Em Porto Alegre (RS), o poder público aplica a Pesquisa QualiÔnibus anualmente. Dede 2022, um grupo de trabalho (GT) composto por representantes de diferentes setores discute os resultados da pesquisa e planeja ações para qualificar os fatores da qualidade com mais insatisfação. As ações são compiladas em um plano e seu impacto é aferido através de novas aplicações da pesquisa.

Uberlândia (MG) também aplica a pesquisa anualmente. Os dados obtidos pelo poder público são analisados em conjunto com indicadores operacionais e discutidos com os operadores para determinar quais elementos do serviço serão foco de melhoria.

pessoas assistem a homem falar em pulpito
Em Teresópolis, resultados da pesquisa foram discutidos em fórum local de mobilidade (foto: Bruno Maia/Viação Dedo de Deus)

Em Teresópolis (RJ), são os operadores que aplicam a pesquisa. Há cinco anos, os resultados embasam as ações de melhoria da qualidade. Em 2024, os dados também serviram de subsídio para uma discussão sobre qualificação com foco nas pessoas, ao serem apresentados a especialistas do setor público, privado e academia em um fórum sobre mobilidade urbana na cidade.

Mensurar impacto de ações de qualificação

A aplicação da Pesquisa de Satisfação é também uma forma de mensurar o impacto de ações de qualificação realizadas. Isso pode ser feito tanto através do monitoramento da evolução das notas de satisfação, quanto pela inclusão de perguntas específicas sobre as melhorias implementadas. Mensurar o impacto é um passo importante para garantir que as ações desenvolvidas estão no caminho certo para promover um serviço com mais qualidade.

Em resposta à insatisfação dos clientes com a segurança e o conforto dos pontos de ônibus, Fortaleza (CE) desenvolveu um novo modelo de abrigo. Para confirmar se o novo modelo atenderia às expectativas, a cidade aplicou uma versão adaptada da Pesquisa de Satisfação antes e depois da implementação do abrigo-piloto, voltada a avaliar a nova estrutura. Os resultados revelaram aumento na satisfação em relação aos fatores avaliados, e a cidade deu continuidade à implantação dos novos abrigos.

Porto Alegre também instalou novos abrigos nos pontos de ônibus buscando proporcionar mais conforto. Através de perguntas específicas sobre o novo modelo, a Pesquisa QualiÔnibus revelou que a população considera os abrigos mais confortáveis, seguros e protegidos contra sol e chuva. A pesquisa, aplicada anualmente, também permitiu monitorar a evolução da satisfação com gasto com transporte, cuja nota aumentou ao longo dos anos em que a tarifa do transporte coletivo não teve reajustes.

Por meio da Pesquisa de Satisfação, Salvador (BA) pôde avaliar os impactos de seu novo sistema BRT, inaugurado em 2022. Os resultados revelaram que os clientes do BRT gastam menos tempo no transporte coletivo do que os do sistema convencional, além de apresentarem maior taxa de concordância sobre a melhoria do serviço de ônibus após a inauguração do BRT.

ônibus visto de cima
Salvador avaliou impacto do BRT por meio da Pesquisa de Satisfação QualiÔnibus (foto: Joá Souza/WRI Brasil)

Metas de qualificação e indicadores de contrato

Porto Alegre e Salvador já incluíram metas de satisfação nos planos de governo municipais, uma maneira de balizar objetivos em diversos horizontes de tempo. Campinas (SP), Salvador e São Paulo (SP) incluíram a satisfação como indicador em contratos de concessão, de forma que poder público e operadores privados trabalhem de forma conjunta em busca de um serviço com mais qualidade para as pessoas.

Esse tipo de abordagem tende a ganhar força no Brasil. O Marco Legal do Transporte Público Coletivo, em tramitação no Congresso, propõe que a satisfação componha uma série de índices de qualidade, que venham a determinar inclusive a remuneração de quem opera o serviço.

Pessoas no ponto de ônibus
Pesquisa de Satisfação dá voz a quem, muitas vezes, tem nos ônibus sua única opção para acessar oportunidades (foto: Giovanni Ceconello/WRI Brasil)

Ouvir as pessoas é um primeiro passo

A Pesquisa de Satisfação é uma ferramenta quantitativa que dá voz a quem utiliza um dos modos mais sustentáveis de transporte e muitas vezes tem nele sua única opção para acessar oportunidades de emprego, educação e lazer. Aliada a outros métodos de pesquisa, como os qualitativos, ela pode potencializar ainda mais a eficácia das ações promovidas, atacando de forma precisa os problemas do serviço.

Com isso, tem-se um ciclo virtuoso de qualificação do transporte coletivo. Planejar e implementar melhorias no transporte coletivo requer tempo, planejamento, investimento de recursos e envolvimento de diversos atores. Mas, quando bem executadas, os resultados são promissores para a qualificação do serviço e uma mobilidade urbana mais sustentável nas cidades brasileiras.