As cidades abrigam mais da metade da população mundial: são 4,4 bilhões de pessoas se deslocando, trabalhando, comendo, comprando, usando eletricidade, aquecimento e ar condicionado. Como resultado, as cidades são responsáveis por mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que aquecem o planeta. Também estão na linha de frente da crise climática, sentindo em primeira mão os efeitos cada vez mais devastadores de tempestades, inundações, calor extremo e incêndios florestais.

Os governos locais e regionais desempenharão um papel central na entrega de soluções capazes de corrigir a trajetória climática global – desde a eletrificação do transporte público até a reformulação de parques e espaços verdes. Pesquisas mostram que, com medidas já disponíveis, as cidades podem reduzir suas emissões em 90% até 2050. No entanto, isso não será fácil nem barato. E pelo menos dois terços desse potencial dependem de políticas e regulamentações favoráveis em âmbito nacional e estadual.

Os planos climáticos nacionais muitas vezes negligenciam as oportunidades de ação nas esferas municipal, estadual e regional. Essa tendência tem mudado à medida que as cidades assumem um papel mais relevante na agenda climática global. Agora, a questão é como os governos nacionais modificarão suas estratégias climáticas vinculadas ao Acordo de Paris, previstas para 2025, a fim de ajudar os governos municipais e locais a alcançarem todo o seu potencial de ação.

Alguns países já estão demonstrando como a colaboração entre os diferentes níveis de governo pode gerar resultados poderosos para o planeta. Da Índia ao Quênia, passando por Chile e outras nações, os países mostram como parcerias governamentais multiníveis podem impulsionar a ação climática e a ambição na escala necessária.

Cinquenta mil ônibus elétricos na Índia até 2030

Na Índia, os ônibus são um meio de transporte essencial, responsável por 75% de todas as viagens de transporte público feitas no país e atendendo mais de 70 milhões de pessoas todos os dias. No entanto, a frota está muito aquém da demanda da população, com apenas um ônibus para cada mil habitantes. E a maioria dos ônibus que operam hoje são movidos a diesel, um combustível altamente poluente e que aquece o planeta.

Os ônibus elétricos são uma solução dupla: uma maneira de o país ampliar o acesso ao transporte coletivo e, ao mesmo tempo, reduzir a poluição do ar e as emissões. Por isso, o transporte limpo é uma das prioridades do governo nacional para atingir o zero líquido das emissões até 2070. O desafio é que os ônibus são adquiridos e operados na esfera local – e muitas cidades têm enfrentado dificuldades na transição para os modelos elétricos devido aos custos (os ônibus elétricos são 2 a 3 vezes mais caros do que os ônibus a diesel) e à complexidade dos processos de aquisição. Operadores e fabricantes também têm hesitado em investir nessa alternativa devido aos altos custos de produção.

A iniciativa Grand Challenge foi criada para superar esses desafios e acelerar a adoção local de ônibus elétricos com o apoio do governo indiano. O programa reuniu cinco grandes cidades, consolidando suas demandas em um único contrato de aquisição, garantindo preços uniformes e especificações simplificadas. Em paralelo, o Ministério de Indústrias Pesadas forneceu o suporte financeiro necessário por meio de um programa de subsídios para veículos elétricos.

onibus elétrico e bicicleta em nova delhi, na índia
Ônibus elétrico em uma rua movimentada em Nova Déli, na Índia. O apoio do governo nacional facilitou a aquisição de ônibus elétricos nas principais cidades do país (foto: Sipa USA/Alamy Stock Photo)

A combinação de apoio nacional, consolidação de demandas e contratos padronizados reduziu de forma eficaz os riscos financeiros e os custos totais. As cidades participantes da iniciativa alcançaram os menores preços de ônibus elétricos já registrados na Índia, com custos 30% inferiores aos de ônibus a diesel e gás natural. Os fabricantes conseguiram aumentar a produção graças a volumes garantidos e mecanismos de segurança de pagamento. Ao reduzir os obstáculos operacionais e financeiros, a iniciativa incentivou o investimento do setor privado e permitiu que as cidades se concentrassem na implementação dos ônibus elétricos em vez de ter que lidar com processos complexos de aquisição.

Esse sucesso teve um efeito cascata em todo o país. O Grand Challenge levou à formação do Programa Nacional de Ônibus Elétricos da Índia, que visa adquirir 50 mil ônibus elétricos em centenas de cidades indianas até 2030.

Financiamento para motocicletas e triciclos elétricos no Quênia

A mobilidade elétrica também é uma prioridade no Quênia, onde o setor de transportes é a terceira maior fonte de emissões de GEE. O Plano Nacional de Ação para as Mudanças Climáticas do país identifica o transporte como uma área prioritária de intervenção – com foco especial na eletrificação das motocicletas e triciclos, responsáveis por 22 milhões de corridas de mototáxi todos os dias.

Com essa finalidade, o Ministério de Estradas e Transportes e o Ministério do Meio Ambiente do Quênia estão colaborando com governos locais e regionais no projeto Small Vehicles E-Mobility (Mobilidade Elétrica para Veículos Pequenos, em português). Por meio da iniciativa, o governo nacional mobilizará US$ 7,9 milhões em subsídios para tornar os veículos elétricos mais acessíveis em áreas rurais e periferias urbanas, que representam mais de 70% da população do país.

A maior parte dos recursos será direcionada a um fundo de garantia de crédito de primeiro risco, no valor de US$ 7,1 milhões, criado para assumir os riscos financeiros iniciais caso os novos investimentos não apresentem o desempenho esperado. Dessa forma, os investimentos na fabricação e montagem de veículos elétricos devem se tornar menos arriscados e mais atrativos para investidores privados.

Os governos subnacionais desempenham um papel essencial para implementar essas soluções em escala local, apoiando a implementação de infraestrutura (como estações de carregamento para os veículos) e oportunidades de fabricação local. Essa abordagem colaborativa considera tanto a demanda quanto a oferta de mobilidade elétrica, garantindo que a transição seja sustentável e economicamente viável.

Popularizando a ação climática no Chile

O Chile é reconhecido como uma referência em ação climática. A estratégia climática do país cobre quase todas as fontes de emissões para atingir o zero líquido até 2050. Em 2021, o Chile desenvolveu seus primeiros orçamentos setoriais de carbono, que estabeleceram metas de redução de emissões em setores como energia, mobilidade e uso da terra, designando responsabilidades para agências específicas e responsabilizando os setores por meio de sanções orçamentárias.

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Parque eólico na costa do Pacífico, perto de Coquimbo, no Chile. O país é líder mundial em energia renovável e está acelerando sua transição para uma economia de baixo carbono ao permitir que todos os níveis de governo planejem e implementem ações climáticas (foto: EAQ/iStock)

O país deu um passo ainda mais avançado quando promulgou a Lei-Quadro sobre Mudanças Climáticas, em 2022. A lei reformulou a maneira como a ação climática é implementada no país, transferindo a responsabilidade exclusiva do Ministério do Meio Ambiente e distribuindo-a entre 17 ministérios diferentes. O Chile também ampliou a autonomia de seus governos locais, incluindo cidades e regiões, para desenvolver e implementar políticas climáticas locais. Essa descentralização na tomada de decisões resultou em um boom no trabalho de políticas climáticas em todo o país, encurtando os prazos para o desenvolvimento de políticas e dando às agências responsáveis por alcançar a meta de emissões líquidas zero mais autonomia para atingir seus objetivos.

A lei climática do Chile inclui regulamentações processuais que podem estabelecer a base para um sistema de comércio de emissões. Além disso, o país criou novos conselhos e comitês para apoiar o desenvolvimento de políticas, a responsabilização e o engajamento público, ajudando a garantir que as iniciativas climáticas tenham a continuidade e o apoio necessários para gerar um impacto duradouro.

Como os governos nacionais podem impulsionar a ação climática local

2025 será um momento crucial para os países apresentarem novos compromissos climáticos nacionais ambiciosos (conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDCs), capazes de posicionar os governos locais e regionais como parceiros na ação climática. Mas elaborar esses planos é apenas o primeiro passo; será necessário um conjunto muito mais amplo de políticas, parcerias e financiamento para de fato implementá-los.

Desenvolvendo NDCs mais robustas com estados, cidades e regiões

O novo texto para discussão do WRI oferece recomendações práticas, estudos de caso e outras informações para ajudar os governos nacionais a promoverem a construção colaborativa das NDCs em parceria com governos subnacionais.

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Olhando para o futuro, os governos devem se esforçar para alcançar três resultados essenciais para viabilizar a ação e a ambição na escala necessária:

1) Aprimorar a coordenação em todos os níveis

Seguindo o exemplo de nações como Índia, Quênia e Chile, todos os países devem trabalhar para fortalecer a colaboração entre as diferentes instâncias de governo. Isso pode incluir a criação de uma visão compartilhada por meio de planos nacionais climáticos ou de desenvolvimento, a avaliação de sinergias ou compensações entre os objetivos dos diferentes âmbitos de governo e a integração de dados locais em inventários nacionais de GEE.

Ruanda, por exemplo, aproveitou seu Grupo de Trabalho Setorial de Meio Ambiente e Recursos Naturais – que inclui representantes dos ministérios do meio ambiente, recursos naturais, florestas e agricultura, bem como atores dos setores privado, público e de pesquisa – para verificar dados, monitorar e avaliar os resultados da implementação da NDC do país. Na atualização de sua NDC em 2020, o governo detalhou cada uma das medidas de mitigação e adaptação, incluindo a definição da entidade (ministério ou setor) responsável pela implementação de cada uma, a fim de aumentar a responsabilização e garantir o acompanhamento dos avanços.

2) Financiar caminhos climáticos resilientes e colaborativos

Governos nacionais e subnacionais devem colaborar com provedores financeiros para financiar de forma sustentável a ação climática e superar as barreiras de acesso ao financiamento. Em relação à demanda, os governos podem trabalhar com parceiros na economia real – como ONGs, startups e provedores de serviços públicos – para reduzir riscos e incentivar a ação climática sem aumentar a dívida pública. Também devem abordar as barreiras mais tradicionais e específicas dos investimentos climáticos, como a preferência pela lucratividade de curto prazo, a dependência de compromissos voluntários ou a falta de dados sobre os riscos climáticos em jogo para o desempenho financeiro e para os portfólios de investimentos. Em relação à oferta, financiadores como investidores privados ou bancos de desenvolvimento devem alinhar seus modelos e processos de tomada de decisão aos planos climáticos nacionais e locais.

Como parte da atualização de sua NDC de 2020, a Noruega estabeleceu novas medidas para coordenar a implementação da NDC em todos os setores e melhorar o acesso das cidades ao financiamento climático. Por meio de um sistema nacional de precificação de carbono, o país conseguiu aumentar substancialmente o financiamento para a construção e manutenção de ferrovias, proporcionando 31,8 bilhões de euros (US$ 34,3 bilhões) apenas em 2022. A medida aprimorou o transporte de passageiros e carga em nove das maiores áreas metropolitanas do país.

estação metroviária em Oslo, cheia de pessoas com malas
Passageiros na estação ferroviária central de Oslo, na Noruega. O financiamento do governo nacional permitiu a expansão e melhoria da infraestrutura ferroviária em grandes cidades do país, criando alternativas mais sustentáveis aos deslocamentos de carro. (Foto: alisa24/iStock)

3) Fortalecer a capacidade local de implementação por meio de parcerias e apoio

Os compromissos climáticos nacionais muitas vezes são difíceis de traduzir em ações concretas em âmbito local ou regional. Embora os governos subnacionais estejam em uma posição estratégica para impulsionar a ação climática em setores específicos (como transporte) e reunir os atores locais nesse esforço, muitos enfrentam restrições de recursos. A falta de capacidade, especialmente em termos de pessoal, continua sendo uma barreira significativa. Os governos nacionais podem oferecer recursos, assistência técnica e parcerias para ajudar a superar esses obstáculos e capacitar os líderes locais na definição de metas climáticas ambiciosas.

A África do Sul desenvolveu o Local Government Climate Change Support Program (Programa de Apoio aos Governos Locais para Mudanças Climáticas, em português), que promove a colaboração entre diferentes instâncias de governo por meio de diálogos e trocas de experiências. O programa foi criado para incorporar as mudanças climáticas nos planos de desenvolvimento locais e apoiar os municípios no desenvolvimento e financiamento de projetos climáticos. Dessa forma, a África do Sul pode impulsionar a ação climática por meio das relações intergovernamentais.

Soluções climáticas precisam de trabalho conjunto

Todos as instâncias de governo têm um papel fundamental na transição para um futuro climático resiliente e no qual o zero líquido seja uma realidade. Os governos locais e regionais são essenciais para implementar soluções capazes de corrigir a atual trajetória climática do planeta. Por meio de parcerias multiníveis, os governos nacionais podem aumentar de forma significativa a ambição, a credibilidade e a implementação de longo prazo de seus compromissos e ações climáticas – começando com as NDCs de 2025.

O que é a CHAMP?

A Coalizão para Parcerias Multiníveis de Alta Ambição (CHAMP) para Ação Climática foi lançada na cúpula do clima da ONU de 2023 (COP28). Seu objetivo é ajudar os governos nacionais a melhorar a cooperação com os governos subnacionais no planejamento, financiamento, implementação e monitoramento de estratégias climáticas, com o objetivo coletivo de mitigar as mudanças climáticas, promover a adaptação e aumentar a resiliência. A CHAMP surgiu em resposta a uma lacuna na implementação de metas climáticas e está apoiando colaborações entre governos nacionais e subnacionais. Saiba mais sobre a CHAMP aqui.


Este artigo foi publicado originalmente no Insights.