
A revolução dos ônibus elétricos na Índia não vale apenas para as cidades grandes
Imagine viver em um país onde todos tenham acesso a um transporte público limpo e acessível para chegar ao trabalho, à escola ou a serviços de saúde, sem depender de combustíveis fósseis poluentes. Essa visão não está tão distante do cenário ao qual a Índia espera chegar até 2047.
Com uma população urbana de mais de 470 milhões de pessoas, a Índia estabeleceu a meta de alcançar a autonomia energética até o centenário de sua independência. Esse objetivo vai além de garantir autossuficiência energética – trata-se de alcançar essa meta de forma a reduzir as emissões que causam mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, ampliar o uso de fontes limpas.
Estima-se que cerca de 60% da população indiana – hoje em torno de 1,4 bilhão de habitantes – viverá em áreas urbanas até 2050. Com mais de uma em cada quatro pessoas utilizando ônibus diariamente, uma das principais medidas para alcançar a independência energética é expandir as redes de ônibus também nas cidades menores.
Atualmente, a Índia apresenta uma profunda deficiência nos serviços de ônibus urbanos, em especial nas cidades pequenas. O Ministério da Habitação e Assuntos Urbanos recomenda 60 ônibus a cada 100 mil habitantes, mas, em muitas cidades, essa taxa fica abaixo de 10. Em nível nacional, apenas 47.650 ônibus atendem as áreas urbanas – e quase 61% deles estão em apenas nove megacidades, como Délhi e Mumbai, que representam apenas um quarto da população urbana do país. Em contraste, cidades com populações entre 300 mil e 4 milhões de habitantes seguem em grande parte sem atendimento adequado, muitas sem contar sequer com sistemas de transporte público. Resolver esse déficit é essencial para garantir que as cidades em crescimento fora dos grandes centros também tenham acesso a um transporte confiável, inclusivo e sustentável.
Redes bem estruturadas de ônibus elétricos, integradas aos sistemas de trem e metrô das cidades, podem ter um papel decisivo e com custo-benefício positivo na transformação da mobilidade urbana.

Por que ônibus elétricos – e por que agora?
Em 2021, o governo da Índia anunciou pela primeira vez apoio financeiro às cidades para a aquisição de mais de 20 mil ônibus como parte do orçamento nacional. Na época, porém, o suporte considerava apenas a aquisição de ônibus movidos a gasolina ou diesel, devido aos custos operacionais mais baixos. O setor de transportes consome quase 70% do diesel do país, e os ônibus respondem por cerca de 10% desse consumo.
Com a redução dos custos operacionais dos ônibus elétricos, o Ministério da Habitação e Assuntos Urbanos adotou, em agosto de 2023, uma nova estratégia que prioriza os ônibus elétricos e tem como foco promover equidade, sustentabilidade e eficiência no sistema de transporte coletivo da Índia. O programa PM-eBus Sewa Scheme destinou US$ 2,4 bilhões para a implantação e operação de dez mil ônibus elétricos em 169 cidades. O programa vai além do apoio financeiro pontual para aquisição e inclui ajuda com os custos operacionais por dez anos, dentro de um modelo de parceria público-privada que engloba também garagens e infraestrutura de energia fora da rede.
Em setembro de 2024, o programa foi aprovado oficialmente pelo governo indiano, incluindo incentivos para mais de 14 mil ônibus elétricos em nove cidades com população superior a 4 milhões de pessoas. Atualmente, já foram implantados dez mil ônibus elétricos em mais de 50 cidades, e 20 mil estão em diferentes fases de aquisição.
Com isso, o compromisso atual é de 30 mil ônibus elétricos em operação, um passo significativo rumo a um transporte urbano mais limpo. Para alcançar a independência energética e tornar a mobilidade sustentável até 2047, é essencial que essa frota seja ampliada de forma continua, junto ao planejamento estratégico de sua implementação, especialmente para preencher as lacunas de serviço nas cidades menores.

Para desenvolver um programa de ônibus elétricos mais inclusivo e eficaz, economias emergentes podem aprender com a experiência da Índia na expansão dessas redes para cidades menores, conciliando objetivos de desenvolvimento e sustentabilidade. Confira alguns exemplos a seguir.
Promover acesso inclusivo
Problema: na Índia e em muitos países em desenvolvimento, os investimentos em infraestrutura tendem a ser direcionados principalmente para as cidades maiores. Embora isso melhore as condições dentro dessas metrópoles, também pode acentuar as desigualdades em relação às cidades menores, que acabam recebendo menos atenção.
Solução: ao direcionar recursos para pequenas e médias cidades, é possível distribuir os investimentos de forma mais equilibrada. Um exemplo é o programa PM-eBus Sewa, que promove um desenvolvimento econômico de forma mais equilibrada geograficamente e amplia o acesso a serviços essenciais.
Pesquisas mostram que países com uma rede de cidades secundárias mais sólida tendem a apresentar menores índices de desigualdade regional – e maior produtividade em escala nacional –, o que pode oferecer lições valiosas para nações em crescimento como a Índia.
Outra maneira de aplicar uma perspectiva de equidade aos investimentos em transporte é considerar oportunidades econômicas para as mulheres. Elas representam 48% da população nas cidades contempladas pelo PM-eBus Sewa, mas costumam contar com menos opções de transporte. Os ônibus elétricos oferecem uma alternativa mais segura, limpa e acessível.
Para aumentar a segurança no transporte público e incentivar mais mulheres a utilizarem os ônibus, os contratos com as operadoras agora incluem um requisito: 25% de participação feminina na equipe. Como observou uma motorista de ônibus elétrico em Mumbai: “Se é uma mulher dirigindo o ônibus, mais passageiras se sentem encorajadas a usar o transporte”.
A previsão é que a primeira fase de implementação dos dez mil ônibus elétricos gere entre 45 mil e 55 mil novos empregos. Promover maior equilíbrio de gênero entre os profissionais do setor também pode ampliar as oportunidades de emprego para mulheres, além de oferecer um sistema mais confiável para as passageiras, em especial as que viajam sozinhas.
Ampliar o apoio financeiro para despesas operacionais
Problema: muitas cidades enfrentam dificuldades para cobrir os custos operacionais de um serviço confiável de ônibus elétricos. Na prática, muitas agências de transporte público não conseguem sequer recuperar os custos totais de operação.
Solução: a concessão de subsídios para cobrir despesas operacionais foi um dos pilares do sucesso do programa PM-eBus Sewa. O apoio financeiro foi ampliado para além da compra dos veículos, incluindo também os custos operacionais e melhorias na infraestrutura (como estações de recarga e plataformas tecnológicas para otimizar os serviços). Como resultado, as redes de ônibus se tornaram mais eficientes e confiáveis, com maior chance de sustentabilidade a longo prazo.
Reduzir riscos financeiros
Problema: muitos operadores de ônibus são empresas pequenas, com menos de 100 veículos e baixa classificação de crédito, o que leva a juros mais altos, aumento dos custos e risco de inadimplência. No modelo atual de contrato de custo bruto, esses operadores assumem o custo inicial da frota elétrica e recebem pagamentos mensais das agências de transporte público.
Solução: criar de mecanismos de garantia de pagamento pode aumentar a confiança dos operadores e fabricantes de ônibus de que receberão os valores devidos em dia. O programa PM-eBus Sewa introduziu um Fundo de Garantia de Pagamento, que permite que uma agência implementadora realize pagamentos provisórios em caso de inadimplência por parte das agências de transporte.
Desenvolver capacidade institucional
Problema: a implementação de ônibus elétricos em escala nacional é um desafio considerável, que exige colaboração entre diferentes departamentos, ministérios, autoridades de transporte e o setor privado. Como a indústria ainda está em estágio inicial, também serão necessárias novas ferramentas, habilidades e capacidades. E o desafio fica ainda maior diante dos diferentes níveis de conhecimento e sensibilização dentro do governo.
Solução: capacitação e troca de conhecimento com foco em novas tecnologias, manutenção e melhorias na infraestrutura devem ser prioridades no desenvolvimento e execução de programas de ônibus elétricos. A definição de padrões pode ajudar a organizar esse processo. O WRI Índia colaborou com o governo indiano no desenvolvimento do programa PM-eBus Sewa, estabelecendo diretrizes para sua implementação e um modelo de agregação de demanda que assegura especificações padronizadas para os ônibus, padrões de dados, desempenho operacional, processos de aquisição, garantias de pagamento, avaliação de infraestrutura e normas de segurança. Também foi criada uma unidade de gestão de projetos no Ministério de Habitação e Assuntos Urbanos para acompanhar e implementar o programa. Essa equipe especializada contribuirá para um processo de implantação mais eficiente nos próximos dois anos, abrindo caminho para a ampliação da iniciativa após 2026.

Por que é importante expandir redes de ônibus elétricos em cidades menores?
Cidades como Londres, Hong Kong, Curitiba e Bogotá são exemplos de como priorizar os ônibus pode resultar em um transporte urbano mais eficiente e com baixas emissões. Para a Índia e outrospaíses, investir em ônibus elétricos – especialmente além das grandes metrópoles – é uma forma de conciliar metas de desenvolvimento com objetivos climáticos.
Na Índia, ampliar a frota de ônibus elétricos em cidades pequenas e médias pode melhorar o acesso à mobilidade para 134 milhões de pessoas em 169 cidades. São locais que historicamente carecem de um sistema de transporte público organizado, acessível e limpo. A adoção de ônibus elétricos pode reduzir a dependência de combustíveis fósseis e, segundo estimativas, evitar milhões de toneladas de emissões ao longo de uma década. Além disso, a expansão da rede de transporte público permitirá um melhor acesso a serviços de saúde, educação e empregos – um avanço especialmente importante em centros urbanos menores, onde a densidade de empregos e a caminhabilidade são mais baixas.
No entanto, adotar ônibus elétricos em escala nacional exige esforços coordenados para superar desafios como financiamento, queda no número de passageiros e resiliência da rede elétrica.
Na Índia, onde a maioria dos ônibus pertence a operadores de pequeno porte com menos de 100 veículos, o custo mais alto dos modelos elétricos representa um obstáculo financeiro. Uma solução seria a compra conjunta em grandes volumes, aproveitando economias de escala, além de criar mecanismos de financiamento mais adequados para pequenos operadores.
Mas apenas adquirir mais ônibus não basta. Com a estagnação do número de usuários de transporte público em todo o mundo na última década, as cidades precisarão aliar tecnologia e dados para melhorar o planejamento, o itinerário e os horários dos ônibus, tornando o serviço mais confiável e incentivando mudanças de comportamento nos passageiros. A ampliação da rede também deve vir acompanhada de melhorias na conexão de “última milha” – como calçadas mais seguras e ruas bem projetadas –, principalmente nas cidades menores, onde essas estruturas costumam ser mais frágeis.
Por fim, ampliar a frota de ônibus elétricos também implica um aumento na demanda por energia elétrica. E, hoje, a maior parte da eletricidade na Índia ainda vem de fontes fósseis, com apenas 25% da energia gerada a partir de fontes limpas. Ou seja, embora os ônibus elétricos sejam fundamentais para eliminar as emissões diretas dos escapamentos, a redução efetiva do total de emissões só será possível com a transição da matriz energética para fontes renováveis, um processo que ainda deve levar décadas.
O caminho à frente
Nos últimos três anos, a Índia deu passos importantes para ampliar o uso de ônibus elétricos no país. O PM-eBus Sewa está impulsionando uma mobilidade mais limpa e inclusiva ao priorizar cidades menos atendidas, promover a inserção de mulheres no setor e implementar reformas estruturais de longo prazo.
Para que a iniciativa cumpra seu papel, é essencial manter os investimentos em planejamento, melhoria da rede elétrica e capacitação local, garantindo que os ônibus elétricos ajudem a alcançar tanto metas de desenvolvimento quanto objetivos climáticos. Com o objetivo de manter esse avanço, o WRI Índia trabalha para expandir o programa para 50 mil ônibus elétricos em todo o país até 2027. A transformação efetiva da mobilidade na Índia depende de manter o foco dessa expansão nas cidades menores, onde estão as maiores defasagens e, ao mesmo tempo, as melhores oportunidades para um desenvolvimento mais inclusivo. Com a combinação certa de políticas públicas, investimentos e capacidade local, a transição para os ônibus elétricos pode redefinir o transporte público no país – não apenas nas megacidades, mas em todas as cidades em crescimento.
Relatório elaborado por Chintan Daftardar, Aparna Vijaykumar, e Avinash Dubedi, do WRI Índia.
Este artigo integra o Programa de Mobilidade e Acessibilidade do WRI, que fortalece o transporte coletivo ao redor do mundo por meio de capacitação e ações locais, e foi publicado originalmente no Insights. Os escritórios nacionais do WRI desenvolvem iniciativas para melhorar a qualidade, acessibilidade e eficiência do transporte, ampliando os limites da governança em prol da qualidade de vida e da sustentabilidade ambiental. Esses projetos são financiados em parte por um subsídio da FedEx.