
4 cidades que vão além da tarifa para financiar um transporte coletivo melhor e mais resiliente
O transporte coletivo não é apenas uma rede que conecta pessoas entre si e a empregos e serviços: é também uma solução climática fundamental. O mundo precisa dobrar a capacidade do transporte público até 2030 para reduzir as emissões que aquecem o planeta e evitar a os piores efeitos da crise climática.
Mas um crescimento rápido como esse custará dinheiro, e os sistemas de transporte público já enfrentam problemas de financiamento. Durante a pandemia de Covid-19, o número de passageiros caiu em até 60% nas principais cidades do mundo. O declínio drenou a receita proveniente do pagamento da tarifa, do qual o transporte coletivo geralmente depende para o pagamento de pessoal, combustível e manutenção, entre outros gastos.
Até hoje, em muitas cidades, o número de passageiros (e a receita tarifária) ainda não retornaram aos patamares anteriores. Embora pacotes emergenciais de financiamento governamental tenham ajudado temporariamente em muitos casos, o encerramento desses recursos deixou alguns sistemas diante de um abismo fiscal iminente.
Mas nem todas as cidades do mundo estão com dificuldades em seus sistemas de transporte público.
O WRI examinou operações em diferentes partes do mundo, comparando suas fontes de financiamento e receita antes e durante a pandemia. Descobrimos que algumas cidades e operadores mantiveram ou até aumentaram sua receita durante esse período – mesmo com o declínio no número de passageiros. Embora o apoio governamental tenha desempenhado um papel fundamental, esses sistemas também contavam com modelos de financiamento diversos, os quais se mostraram mais resilientes.
À medida que as cidades seguem trabalhando para expandir e melhorar seus sistemas de transporte público, esses exemplos oferecem modelos de como tornar o transporte mais acessível e resiliente em cenários de mudança.
Como os sistemas de transporte público de algumas cidades resistiram à crise da Covid-19
Um novo estudo do WRI analisou os principais sistemas de transporte público em 11 grandes cidades do mundo: Adis Abeba, Bangalore, Chicago, Copenhague, Houston, Jacarta, Cidade do México, Paris, Rio de Janeiro, São Paulo e Washington, DC. Nessa amostra, encontramos diferenças importantes na forma como o transporte público é financiado entre economias desenvolvidas e países de baixa e média renda.
As agências em países de baixa e média renda tendem a ser mais dependentes da receita das tarifas e, por consequência, enfrentaram maiores dificuldades financeiras durante a pandemia de Covid-19. O sistema do Rio de Janeiro, por exemplo, que era totalmente financiado pela tarifa antes da pandemia, foi que o que registrou o declínio mais significativo, perdendo 25% da receita entre 2019 e 2022.
Em alguns lugares, passageiros e trabalhadores do transporte coletivo sentiram o impacto dessas perdas de imediato. No Brasil, 55 empresas operadoras de ônibus fecharam as portas e 90 mil trabalhadores do setor perderam seus empregos. Em Bangalore, na Índia, a única provedora de ônibus públicos teve que fechar por quase dois meses. Quando reabriu, os passageiros encontraram tarifas mais altas para compensar a perda de receita.
Embora a maioria dos sistemas analisados tenha registrado queda na receita durante a pandemia, alguns saíram relativamente ilesos.
Um dos principais motivos foi o aumento do apoio governamental. Algumas agências de transporte já recebiam uma parcela significativa de seu financiamento de subsídios governamentais antes da pandemia, incluindo Adis Abeba, Jacarta e Cidade do México. Já as agências nos EUA e na Europa receberam apoio do governo em resposta à pandemia, na forma de auxílio emergencial para estabilizar suas receitas. Nas cidades de Chicago, Paris, Washington, DC e Houston, as agências receberam subsídios suficientes para preencher a lacuna deixada pela perda das tarifas e sustentar suas despesas operacionais.
Outras fontes de financiamento também desempenharam papel importante. Entre os sistemas, aqueles em economias mais avançadas em geral apresentavam fluxos de receita mais diversos – incluindo taxas relacionadas ao transporte, impostos específicos e receitas comerciais – que as ajudaram a manter as finanças estáveis mesmo com a queda no número de passageiros. Isso foi essencial para garantir que os passageiros que dependiam do transporte público para chegar a seus empregos e outras necessidades ainda pudessem acessá-lo durante a pandemia.
Como as cidades podem ampliar o financiamento do transporte público?
A pandemia de Covid-19 expôs o quão vulneráveis os sistemas de transporte público podem ser a choques externos. À medida que se recuperam da pandemia, cidades e operadores agora enfrentam novos desafios: restabelecer o número de passageiros diante de novos hábitos de deslocamento, aumentar o financiamento e manter a frequência e a qualidade do serviço – tudo isso enquanto constroem resiliência para sobreviver melhor a crises futuras.
Buscar novas fontes de financiamento será um passo importante. Fontes de receita diversificadas não apenas amenizam o impacto de eventos imprevistos como pandemias, como fornecem uma base financeira mais estável para planejamento e investimentos de longo prazo. Nossa pesquisa identificou três tipos principais de financiamento que cidades e operadores de transporte podem aproveitar:
- Financiamento direto: vem diretamente dos usuários do sistema, incluindo receitas de tarifas, taxas de estacionamento e taxas de congestionamento. Aumentar as tarifas é uma maneira de aumento direto do financiamento do transporte; no entanto, é importante que as cidades façam análises cuidadosas para manter os preços acessíveis para todos. As receitas de tarifas são vulneráveis a interrupções, como visto durante a pandemia de Covid-19. Em cidades mais densas, com ampla cobertura de transporte público, os governos também podem implementar e/ou aumentar taxas de estacionamento e congestionamento. Esses recursos podem ajudar na gestão do uso das vias e, ao mesmo tempo, gerar receita para financiar e expandir os sistemas de transporte público.
- Financiamento indireto: o transporte público pode trazer inúmeros benefícios econômicos para uma cidade: valorização imobiliária, melhor acesso a empregos e oportunidades, aumento de receita para os negócios. No entanto, esses benefícios raramente retornam diretamente para o orçamento dos sistemas de transporte. Mecanismos de financiamento indireto podem ajudar a canalizar alguns desses ganhos econômicos de volta para o transporte público. A recuperação ou captura da valorização imobiliária, por exemplo, consiste em taxar o aumento no valor das propriedades decorrente do melhor acesso ao transporte público e usar essa receita tributária para financiar sistemas de metrô e outros projetos de desenvolvimento comunitário. Impostos sobre vendas em áreas específicas também podem capturar uma parte da atividade econômica que se beneficia do sistema de transporte, servindo como uma fonte estável de receita para a agência.
- Financiamento geral: fontes gerais de financiamento incluem receitas amplas provenientes de subsídios governamentais, orçamentos estaduais ou nacionais e outras fontes não dedicadas. Esses recursos podem preencher lacunas deixadas por fontes diretas e indiretas, especialmente durante crises econômicas ou emergências. Subsídios nacionais ou estaduais podem oferecer suporte significativo para projetos de infraestrutura, subsídios operacionais ou iniciativas de acesso direcionadas, como a redução de tarifas para passageiros de baixa renda.
4 cidades que são exemplos de criatividade no financiamento do transporte público
Manter um sistema de transporte público de alta qualidade com serviço frequente custa caro. Ainda assim, diversas cidades ao redor do mundo demonstram como diferentes modelos de financiamento podem ajudar a expandir e melhorar seus sistemas. A seguir, analisamos quatro exemplos (embora tenhamos focado em apenas um exemplo de cada cidade, todas usam múltiplas fontes de financiamento e fluxos de receita para dar apoiar seus sistemas de transporte).
Paris, França
Em Paris, 48% do orçamento de transporte da cidade é coberto pelo Versement Mobilité, um imposto sobre empregadores introduzido na década de 1970. O imposto tem sido fundamental para manter o metrô de Paris e outros sistemas de transporte público na França.
O Versement Mobilité se aplica a empresas com mais de 11 funcionários, localizadas próximo à rede de transporte público, variando de 1,6% a 2,4% sobre os salários brutos. Assim, distribui o custeamento do sistema para além dos usuários. Ao taxar as empresas, mesmo que seus funcionários não utilizem o transporte coletivo, o modelo garante que todos contribuam para o bem comum; isso não apenas amplia o acesso ao transporte público, como melhora a qualidade do ar e reduz os congestionamentos. A arrecadação por meio do Versement Mobilité também subsidia as tarifas, permitindo que os custos para os passageiros permaneçam relativamente baixos, em 1,75 euro por viagem ou cerca de 86 euros por um pacote mensal válido em todas as zonas.
Jacarta, Indonésia
Em Jacarta, o transporte público responde por 10% de todas as viagens motorizadas, conectando diariamente 2,56 milhões de pessoas ao trabalho, escola e outras necessidades. Muitos passageiros são pessoas de baixa renda que conseguem pagar pelo transporte graças à tarifa fixa de 3.500 rupias (US$ 0,35) por viagem. A receita das tarifas, sozinha, não é suficiente para cobrir os custos operacionais do transporte coletivo. No entanto, o governo local tem oferecido amplo apoio financeiro para expandir o sistema enquanto mantém os preços acessíveis.
Entre 2004 e 2021, a administração de Jacarta aumentou continuamente os subsídios ao transporte público. Dessa forma, a cidade conseguiu expandir sua rede de ônibus, o sistema Transjakarta, para além do núcleo urbano, atingindo 82% dos moradores sem alterar a tarifa. A expansão facilitou o acesso dos moradores de áreas periféricas a empregos e outras oportunidades, ao mesmo tempo em que ajudou a reduzir os congestionamentos e a melhorar a qualidade do ar – dois objetivos cruciais em uma das cidades mais poluídas do mundo.

Bogotá, Colômbia
Cerca de 12% a 15% das viagens urbanas de Bogotá são feitas por carros particulares, que historicamente se beneficiaram do estacionamento gratuito nas ruas. No entanto, em 2021, Bogotá recuperou esses espaços ao implementar uma nova taxa para o estacionamento nas vias em áreas privilegiadas da cidade. A receita gerada pelos proprietários de carros, que agora pagam pelo estacionamento, será reinvestida no TransMilenio, o sistema de transporte público da cidade, apoiando a eletrificação da frota de ônibus, a manutenção de infraestrutura e outros projetos para melhorar a qualidade do serviço, como o aumento da frequência.
Além de gerar uma nova fonte de recursos, essa abordagem busca incentivar o uso do transporte público em detrimento dos carros particulares, beneficiar a economia local ao aumentar a circulação de pessoas e gerenciar melhor os espaços do meio-fio para entregas.
Bangalore, Índia
Bangalore, com mais de 10,5 milhões de habitantes, enfrenta congestionamentos severos. Embora a cidade esteja em processo de ampliar seu sistema de metrô para áreas em crescimento, esse custo é alto. Por isso, a gestão do Bengaluru Metro estão considerando uma combinação de estratégias, como captura da valorização imobiliária, venda de créditos de carbono (com base nas emissões evitadas resultantes da expansão do transporte público) e a emissão de licenças para construções em um raio de 500 metros dos trilhos, permitindo edifícios mais altos do que as restrições municipais tradicionais. Esses instrumentos ajudariam a financiar a expansão do sistema de metrô e a cobrir os custos operacionais. Se implementadas, as propostas podem arrecadar até US$ 300 milhões.
Construindo sistemas de transporte confiáveis e resilientes para um futuro sustentável
O transporte público está no centro das soluções para o clima e o desenvolvimento. No entanto, a pandemia de Covid-19 evidencio a fragilidade de muitos sistemas de transporte, especialmente em países de baixa e média renda. Agora, mais do que nunca, as cidades precisam de uma abordagem de financiamento capaz de resistir a futuras interrupções e se adaptar a mudanças.
Ao explorar diferentes fontes de financiamento para o transporte público, que incluam uma combinação de financiamento direto, indireto e geral, as cidades podem criar uma base financeira mais robusta e resiliente. As cidades cujos sistemas resistiram à pandemia – assim como aquelas que atualmente estão explorando modelos de financiamento inovadores – oferecem lições sobre como proteger e expandir esse serviço essencial, beneficiando passageiros, comunidades e o clima.
Nota: As ferramentas de financiamento analisadas aqui oferecem uma visão sobre possíveis fontes que as cidades e operadores de transporte podem acessar; esta não é uma lista definitiva ou exaustiva. As agências de transporte devem trabalhar em conjunto com os governos locais e regionais para identificar diferentes oportunidades de financiamento, já que essas variam de acordo com as características políticas e geográficas de cada cidade. Para saber mais, consulte o novo estudo do WRI: A Fare Look: Funding Urban Public Transport Operations.
Este artigo é uma tradução; o texto original foi publicado no Insights.