Algumas das cidades que mais crescem em países em desenvolvimento como Índia, Brasil e Etiópia precisam muito de recursos. Essas cidades com frequência lutam para oferecer as infraestruturas e serviços básicos de que a população, também em crescimento, precisa, causando desigualdades generalizadas. Até 70% dos moradores de cidades em desenvolvimento vivem sem acesso a um ou mais serviços essenciais, como habitação, água e saneamento, eletricidade ou transporte.

Um instrumento de financiamento que pode ajudar as cidades a gerar recursos públicos para diminuir as desigualdades e promover um desenvolvimento mais inclusivo é a recuperação da valorização imobiliária.

O que é a recuperação da valorização imobiliária?

A recuperação da valorização imobiliária é um instrumento de financiamento que permite que os governos municipais cobrem contrapartidas financeiras, impostos e taxas de incorporadores e proprietários para levantar recursos que podem ser reinvestidos em serviços comunitários e municipais. É um termo técnico para uma ideia simples, aplicável em cidades de todos os tipos, e especialmente relevante, ainda que subutilizado, em cidades em desenvolvimento. O instrumento tem sido mais utilizado em cidades desenvolvidas, mas todas têm muito a ganhar com a implementação efetiva da recuperação da valorização imobiliária.

À medida que uma área urbana cresce e se desenvolve, o preço dos terrenos (ou valor da terra), em geral aumenta – principalmente quando o governo investe em infraestrutura pública ou implementa mudanças de zoneamento e incentivos. A recuperação da valorização imobiliária permite que a gestão municipal compartilhe desse aumento de valor em locais que se tornaram mais atrativos e habitáveis a partir de investimento público. O instrumento é uma maneira pela qual a cidade pode assegurar que uma parte da valorização gerada pelos investimentos e intervenções do poder público seja reinvestida na comunidade.

Se bem administrados, os benefícios da recuperação da valorização imobiliária podem promover o desenvolvimento urbano inclusivo e equitativo, criando um ciclo virtuoso ao gerar recursos para mais serviços, como saneamento básico e transporte coletivo, e outros investimentos como parques e áreas verdes. A recuperação da valorização imobiliária assegura que as ações do governo promovam benefícios públicos mais amplos.

Como os governos podem aplicar a recuperação da valorização imobiliária?

Uma ferramenta comum usada pelas cidades para aplicar a recuperação da valorização imobiliária é a cobrança de impostos de propriedade, as quais podem prover uma receita estável para a administração municipal. Quando os valores de propriedades aumentam, o governo pode recuperar parte desse adicional e direcioná-lo a infraestruturas e serviços públicos que beneficiem a comunidade. Em cidades em desenvolvimento, no entanto, o desafio em geral está em estabelecer um cadastro claro de quem é proprietário de quais terras.

Os governos também podem utilizar outras ferramentas de recuperação da valorização imobiliária, tais como:

  • Cobranças pelo direito de construir: construtores pagam uma contrapartida financeira para expandir a área ocupada por suas construções além do permitido.
  • Contribuições de melhorias: contribuição monetária feita pelos proprietários de terras beneficiadas pelas melhorias em infraestruturas e serviços públicos.
  • Acordos de reajuste de terras: proprietários compartilham seus terrenos e cedem, de forma coletiva, uma parte da terra ao governo, que então requalifica a área com melhores serviços, infraestruturas, parques etc. Em troca, os proprietários recebem uma parcela dos terrenos valorizados, a partir das melhorias na região.

Além de gerar receitas públicas, a recuperação da valorização imobiliária pode mitigar alguns efeitos prejudiciais da gentrificação. Com frequência, à medida que uma cidade se desenvolve e o valor dos terrenos aumenta, moradores de baixa renda e negócios pequenos ou informais acabam sendo deslocados por não conseguirem mais arcar com o custo de vida e de manter o negócio na região.

Com a recuperação da valorização imobiliária, os governos podem redistribuir parte da receita gerada por empreendimentos de alto padrão, como prédios de apartamentos caros e shoppings de luxo, para financiar moradias populares e serviços sociais para os moradores de baixa renda na área.

Quais os desafios da recuperação da valorização imobiliária nas cidades em desenvolvimento?

São muitos os desafios institucionais e de governança enfrentados pelas cidades de países em desenvolvimento para implementar mecanismos de recuperação da valorização imobiliária. Eis alguns deles: cadastros imobiliários insuficientes ou desatualizados dos terrenos, o que dificulta o processo de rastrear e taxar a propriedade; falta de vontade política para investir em recuperação da valorização imobiliária; capacidade institucional insuficiente para supervisionar projetos de recuperação da valorização imobiliária; predominância de assentamentos informais como favelas – onde os moradores em geral não têm direitos oficiais da propriedade.

Cidades mais desenvolvidas têm usando ferramentas de recuperação da valorização imobiliária por décadas, mas sua eficiência em redirecionar as receitas para benefício público ainda não foi estudada a fundo. Nas cidades em desenvolvimento, a recuperação da valorização imobiliária não foi amplamente estudada nem implementada.

Quais são os exemplos de cidades usando a recuperação da valorização imobiliária?

Mesmo assim, algumas cidades em desenvolvimento estão experimentando o instrumento e podem oferecer algumas lições para aquelas que pretendem começar. Um novo estudo do WRI analisa três exemplos dessas cidades pioneiras – São Paulo, Adis Abeba e Hyderabad – para entender o que funcionou e o que não funcionou nos projetos urbanos que aplicaram instrumentos de recuperação da valorização imobiliária tanto em termos de benefícios econômicos quanto de equidade.

Essas cidades de países em desenvolvimento apresentam diferentes níveis de renda, padrões de urbanização e estruturas de governança, e até aqui suas experiências podem ser exemplo para diversos outros municípios. O estudo também avalia como essas cidades superaram barreiras na implementação de seus projetos com aplicação da recuperação da valorização imobiliária.

São Paulo: usando Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) para melhorias urbanas

No início dos anos 2000, São Paulo começou a usar CEPACs para gerar receita para projetos de infraestrutura, como habitação social. Em vez de solicitar o direito de construir em uma área específica, os incorporadores poderiam adquirir os CEPACs na bolsa de valores, gerando receita para o governo.

A Operação Urbana Água Espraiada, em uma área com assentamentos informais próximos a um córrego, era uma das regiões previstas para receber melhorias de habitação e drenagem a partir de recursos de CEPACs. O foco em melhorar a infraestrutura em uma área de baixa renda pode ser um modelo de projeto equitativo para aplicar a recuperação da valorização imobiliária.

São Paulo conseguiu obter recursos para o projeto. Entre 2004 e 2012, a Operação Urbana Água Espraiada levantou R$ 2,9 bilhões a partir da venda de CEPACs. Vontade política foi um fator-chave para o sucesso do projeto.

A maneira como a cidade gastou o dinheiro, entretanto, poderia ter sido mais equitativa. Apenas 33% do total da verba foi utilizado em serviços que beneficiavam diretamente as famílias locais de baixa renda. Cinquenta e nove por cento foram direcionados para infraestrutura rodoviária que beneficiou proprietários de veículos de renda mais alta. E muitas famílias removidas durante a construção, não receberam uma alternativa adequada de habitação.

Além disso, a cidade não reservou área suficiente para a infraestrutura e os investimentos públicos previstos antes que a valorização ocorresse, e agora enfrenta dificuldade para viabilizar as intervenções devido ao aumento dos preços, contribuindo para a demora na implementação integral do projeto. Considerar esse tipo de risco desde o início é essencial para evitar custos desnecessários e garantir a implementação das melhorias urbanas, assim como assegurar que os recursos obtidos a partir da recuperação da valorização imobiliária priorizem serviços para moradores de baixa renda.

Adis Abeba: requalificação do bairro Lideta

Na Etiópia, a propriedade das terras é de domínio público e permite que as cidades, como Adis Abeba, aluguem terras para indivíduos e empresas, o que gera recursos públicos para financiar projetos de infraestrutura. Em 2005, Adis Abeba começou um projeto de requalificação de Lideta, pequeno bairro central, a fim de atrair novas lojas e construir moradias populares e áreas verdes.

O projeto inicial para Lideta tinha equidade e sustentabilidade como prioridades. Foram realizadas reuniões abertas à população para discutir os planos de requalificação. Para melhorar a habitabilidade do bairro, o desenho da área incluiu edifícios de uso misto, moradias populares, infraestrutura pública e áreas verdes.

O projeto, no entanto, ficou aquém do esperado em termos de benefícios fiscais e de promoção de equidade. A cobrança ineficaz dos aluguéis e cadastros pouco claros das propriedades dificultaram a geração de recursos. Além disso, a construção que foi concluída em Lideta atendeu principalmente moradores de renda mais alta, e muitos dos residentes originais foram deslocados.

Muitas lições podem ser tiradas desses projetos. Cadastros de propriedade mais formais e transparentes podem ajudar a cidade a coletar e rastrear recursos, além de garantir uma avaliação mais justa do valor da terra. Capacitação local e confiança são fatores especialmente importantes em Adis Abeba, onde a recuperação da valorização imobiliária é um instrumento relativamente novo e a confiança no governo é baixa. Por fim, prever que a receita arrecadada com o aluguel de terras e a partir de impostos sobre a propriedade seja devolvida para os moradores mais antigos das áreas em reforma pode garantir que as comunidades vulneráveis sejam beneficiadas.

Hyderabad: recuperação da valorização imobiliária ao longo do anel viário externo

A cidade de Hyderabad, na Índia, está usando mecanismos de recuperação da valorização imobiliária para levantar recursos para o desenvolvimento da região ao longo do Anel Viário Externo, uma rodovia que contorna a cidade e permite que os carros desviem do movimento da região central. Primeiro, a cidade usa um mecanismo chamado “cobrança especial de desenvolvimento” para cobrar até uma vez e meia a taxa normal para permissões de construção, aproveitando a demanda crescente dos incorporadores por espaço ao longo do corredor de transporte.

Em segundo lugar, a “cobrança pelo adiamento do desenvolvimento”, administradas por vilas ao longo do Anel Viário Externo, são cobradas dos proprietários que mantêm os lotes vagos. São encargos com o objetivo de desencorajar a especulação imobiliária.

Por último, os planos de desenvolvimento por área (ainda a serem implementados) incluiriam elementos como acordos de reajuste de terras que agrupam e redesenham múltiplas parcelas de terrenos em uma mesma área – valorizando a terra para os proprietários e gerando receita para o governo.

Tanto a cobrança especial quanto a cobrança pelo adiamento geraram recursos para Hyderabad, mas é difícil obter dados precisos e transparentes, o que dificulta o processo de medir a eficácia desses mecanismos.

Planos de desenvolvimento por área são mais indicados para aumentar o valor da terra de forma planejada e gerar receita para a cidade a longo prazo, mas exigem mais coordenação e vontade política.

Como em todos os mecanismos de recuperação da valorização imobiliária, aliar o planejamento de desenvolvimento da terra ao planejamento e financiamento do transporte é fundamental. Mas isso não está acontecendo.

Até agora, o desenvolvimento ao longo do corredor de transporte no Anel Viário Externo foi concentrado em áreas mais ricas, e muitas áreas mais pobres ainda estão sem infraestrutura e serviços básicos como água encanada e esgoto. Com uma melhor coleta de dados e planos de desenvolvimento por área, a cidade de Hyderabad pode obter mais recursos com mecanismos de recuperação da valorização imobiliária – e ajudar as comunidades ao longo do Anel Viário Externo a crescer de forma mais equitativa.

Como as cidades podem usar a recuperação da valorização imobiliária

Nossos três estudos de caso mostram que, embora os desafios permaneçam, as cidades em desenvolvimento podem se beneficiar e gerar recursos com a implementação de mecanismos de recuperação da valorização imobiliária. Compreender o contexto político, financeiro e de governança de cada região é fundamental para ter sucesso tanto nos projetos de recuperação da valorização imobiliária quanto na aplicação da receita resultante de forma equitativa, a fim de garantir que as comunidades mais vulneráveis não sejam excluídas do desenvolvimento da cidade.


Para saber mais sobre como as cidades em países em desenvolvimento podem estabelecer as bases para ter sucesso na recuperação da valorização imobiliária, baixe nosso estudo: Recuperação da Valorização Imobiliária em São Paulo, Adis Abeba e Hyderabad: diferenciando interpretações, impactos na equidade e condições facilitadoras.