Globalmente, o transporte coletivo é uma das soluções com melhor custo-benefício para enfrentar os desafios climáticos e de desenvolvimento do nosso tempo.

Ônibus e trens podem reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) em até dois terços por passageiro por quilômetro em comparação aos veículos privados. O último relatório de ação climática da ONU afirma que realizar mais deslocamentos via transporte público coletivo é essencial para conter as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, o acesso a sistemas de transporte público confiáveis traz outros benefícios importantes para a sociedade, como taxas de mortalidade mais baixas no trânsito, um estilo de vida mais ativo para as pessoas e acesso mais amplo a oportunidades de trabalho, educação e serviços urbanos. Tudo isso faz do transporte coletivo um importante catalisador do desenvolvimento sustentável e equitativo em cidades de todo o mundo. 

No entanto, apesar do crescimento lento mas estável da infraestrutura de transporte coletivo nas últimas décadas, o setor está fora do rumo necessário para cumprir as metas climáticas e desenvolvimento.

Estimativas indicam que a capacidade global do transporte coletivo precisa dobrar até 2030 – em apenas sete anos – para que o mundo possa manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C e evitar os piores impactos das mudanças climáticas. Cidades e países precisam começar a construir mais infraestrutura, em um ritmo muito mais rápido, e a adotar medidas para impulsionar o uso do transporte coletivo, que em muitos lugares ainda precisa se recuperar do declínio causado pela pandemia de Covid-19.

O caminho pela frente pode ser difícil, mas as cidades e países podem encontrar inspiração e aprender com outros que já lideram essa mudança. A seguir, confira um panorama da situação atual do setor de transporte coletivo e como colocá-lo de volta no rumo certo.

O transporte coletivo ainda está se recuperando da pandemia

O uso do transporte coletivo despencou durante a pandemia de Covid-19, chegando a quedas de até 90% em algumas cidades. Desde então, conseguiu retornar a níveis próximos dos pré-pandêmicos em alguns lugares. A recuperação completa foi mais comum em países de baixa e média renda, como Indonésia, México e África do Sul, onde uma porcentagem significativa da população depende do transporte coletivo para seus compromissos diários. Alguns países, entre os quais Colômbia, Quênia e Índia, registraram até um aumento do uso em relação aos níveis pré-pandêmicos. 

Em países de renda alta na América do Norte, na América do Sul e na Europa, porém, a recuperação foi muito mais lenta. Alguns, como Canadá, Japão, Suécia e Reino Unido, continuam com níveis de uso abaixo do patamar de fevereiro de 2020, antes do auge da pandemia.

Essas quedas podem gerar impactos duradouros nos sistemas de transporte. Níveis de uso mais baixos em geral implicam menos receita para os operadores em decorrência da perda de tarifas. Como consequência, pode haver uma redução nas taxas de emprego do setor, no serviço prestado, nas rotas disponíveis e na qualidade do sistema, levando a quedas ainda mais acentuadas de uso e gerando uma espiral descendente. Tudo isso tende a ser especialmente prejudicial para as comunidades e indivíduos mais vulneráveis, que não podem arcar com os custos de um veículo privado e podem ser impedidos de acessar oportunidades. 

Promover o transporte coletivo como solução climática

A Partnership on Sustainable Low Carbon Transport (SLOCAT, Parceria para o Transporte Sustentável de Baixo Carbono) lançou recentemente o Transport and Climate Change Status Report (Relatório sobre a Situação do Transporte e das Mudanças Climáticas), o principal relatório do mundo focado no papel do transporte no combate às mudanças do clima. Especialistas do WRI escreveram o capítulo sobre transporte coletivo e oferecem recomendações importantes a respeito das melhores ações para maximizar o potencial climático do setor. Saiba mais aqui.

No Brasil, por exemplo, o apoio governamental ao transporte coletivo é historicamente baixo, com a maior parte dos recursos para cobrir os custos operacionais vindo das tarifas. Quando o uso caiu durante a pandemia, reduzindo a receita gerada pelas tarifas, o impacto foi profundo: entre março de 2020 e fevereiro de 2023, 55 empresas operadoras de ônibus fecharam e mais de R$ 36 bilhões foram perdidos, bem como cerca de 90 mil empregos no setor de ônibus urbanos. Como resposta, o país tem aumentado o apoio ao setor para manter o serviço. Antes da pandemia, menos de 10 cidades contavam com subsídios para o transporte coletivo; em 2023, são mais de 163 recebendo algum tipo de apoio para cobrir os custos operacionais. Duas cidades da região Sul, por exemplo, Porto Alegre e Novo Hamburgo, buscaram fontes de receita alternativas ao direcionar as receitas das taxas de estacionamento para o transporte coletivo, obtendo um adicional de cerca de R$ 20 milhões de reais por ano.

Muitos outros sistemas de transporte ao redor mundo receberam fundos de incentivo dos governos durante a pandemia. Esses recursos, contudo, não cobriram toda a perda de receita das tarifas, além de serem apenas temporários. À medida que os fundos de incentivo se extinguem, governos e agências de transporte coletivo precisam inovar a maneira como operam e financiam seus sistemas para manter a frequência do serviço, melhorar o acesso a empregos e outras oportunidades para a população e funcionar como uma solução para as mudanças climáticas.

A infraestrutura de transporte coletivo tem aumentado em todo o mundo, mas não rápido o suficiente

Apesar de cortes no orçamento e atrasos durante a pandemia, projetos de expansão de transporte coletivo tiveram continuidade em todas as principais regiões do mundo e entre países de diferentes níveis de renda. Entre 2020 e 2022, novas linhas de metrô foram construídas na China, Equador, França, Estados Unidos e em diversos países da África, incluindo Argélia, Nigéria e Egito. Entre os projetos, está a construção de um novo sistema no Cairo, uma das maiores cidades do mundo que ainda não contava com uma rede de metrô significativa.

Embora o crescimento tenha sido mais lento do que em anos pré-pandêmicos, 2022 também registrou o início da construção de novos corredores de ônibus em seis cidades, totalizando cerca de 90 quilômetros em todo o mundo (para comparação, o ano que registrou o recorde de novos  corredores foi 2013, com a construção de 400 km de corredores BRT). Exemplos dignos de menção incluem o Periferico BRT – sistema de Guadalajara, no México, com 42 estações e 45 km de corredores, que transformou um anel viário voltado para os carros em um importante corredor de ônibus rápidos – e a primeira linha da África a operar com 100% de ônibus elétricos, que deve começar a funcionar em breve em Dacar, no Senegal, com 18 km e 23 estações.

gráfico mostra total de km de BRT implantado por região do mundo

No entanto, embora a infraestrutura de transporte coletivo continue aumentando, esse crescimento não acontece em um ritmo rápido o suficiente. O Systems Change Lab, do WRI, mostra que as cidades precisam aumentar suas redes de transporte coletivo rápido em um ritmo seis vezes maior até 2030 para evitar uma quantidade suficiente de deslocamentos de carro e colocar o setor de transporte em linha com o limite de 1,5°C. Nas 50 principais cidades emissoras do mundo, o transporte coletivo rápido precisa dobrar até 2030, em relação aos níveis de 2020.

O papel dos sistemas informais de transporte

Pessoas em todo o mundo dependem de sistemas de “transporte informal” administrados por entidades privadas como seu principal meio de transporte, em detrimento dos sistemas formais administrados pelo governo. À medida que cidades e países trabalham para aumentar e melhorar o acesso ao transporte coletivo, especialmente em regiões de baixa renda como a África Subsaariana e a América Latina, os sistemas informais podem desempenhar um papel importante. Saiba mais aqui.

Esse aumento também será fundamental para garantir que as pessoas vivendo nas cidades tenham acesso a oportunidades de trabalho, tratamento de saúde, educação e outros serviços essenciais. Conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) estabelecidos pela ONU para 2030, “o mundo deve oferecer acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis e de preço justo para todos (...) principalmente por meio da expansão do transporte público”. Os avanços nesse objetivo são medidos pela porcentagem de pessoas vivendo em um raio de até 500 metros de um sistema de transporte que passe pelo menos a cada 20 minutos. Em 2022, pouco mais de metade da população mundial se encaixava nesse critério, e apenas 37% das áreas urbanas eram atendidas por sistemas de transporte. A região com os índices mais baixos era a África Subsaariana, onde apenas 23,3% das áreas urbanas eram atendidas por transporte coletivo.

gráfico com mapa mundi mostra porcentagem de população com acesso adequado a transporte coletivo por país

Acelerar a eletrificação dos ônibus é fundamental para realizar as metas climáticas

Além de expandir a infraestrutura e aumentar o financiamento para o transporte coletivo, é essencial que cidades e países acelerem o ritmo da eletrificação das frotas de ônibus.

Embora os sistemas de metrô e de transporte leve sobre trilhos sejam em sua maioria movidos pela eletricidade, em todo o mundo a maior parte dos ônibus ainda usa diesel ou outros combustíveis fósseis. Esses combustíveis não apenas geram uma quantidade significativa de emissões, como contribuem para a poluição do ar e problemas de saúde relacionados. Os impactos com frequência são piores entre as comunidades desfavorecidas e de baixa renda, que em geral são desproporcionalmente próximas de estradas e outras infraestruturas de transporte. Em contraste, os ônibus elétricos são uma opção mais limpa, emitindo menos de metade do carbono por passageiro-quilômetro percorrido que os automóveis particulares movidos a gasolina.

De acordo com Systems Change Lab, os ônibus elétricos ou movidos a células de combustível devem representar 60% das vendas de ônibus até 2030 para estar em linha com o limite de 1,5°C. Embora as vendas de ônibus elétricos tenham aumentado 40% em 2021, ainda representam apenas 4% da frota de ônibus global. A China continua dominando o mercado, com mais de 80% das vendas de ônibus elétricos.

gráfico mostra parcela de ônibus limpos no total de vendas de ônibus

As condições, contudo, têm se tornado mais favoráveis, com alguns países assumindo a liderança nessa frente. A Índia planeja implementar 50 mil ônibus elétricos até 2030 e já está trabalhando para isso: o país anunciou recentemente o National Electric Bus Scheme (Programa Nacional de Ônibus Elétricos), que visa levar 10 mil ônibus elétricos para mais de 100 cidades que precisam de melhorias no transporte coletivo, chegando a uma frota total de 20 mil ônibus elétricos quando considerados os números de programas anteriores. Em paralelo, a União Europeia anunciou em 2023 a Clean Vehicles Directive (Diretiva de Veículos Limpos), que determina que 85% dos ônibus da região sejam veículos zero emissão até 2030 e 100% até 2035. Diversas cidades e países na América Latina também estão trabalhando na eletrificação de suas frotas de transporte coletivo, com centenas de ônibus elétricos já comprados e implementados, além de outros 25 mil que ainda devem entrar em operação na região até 2030.

Em alguns casos, os países também são exemplos de estratégias inovadoras de financiamento. Um exemplo é acessar financiamento climático privado por meio de recursos públicos para fornecer aos investidores privados garantias ou outras formas de evitar os riscos do investimento em ônibus elétricos.

Bogotá, na Colômbia, por exemplo, comprou 401 ônibus elétricos usando um modelo de financiamento combinado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do programa de Infraestrutura Sustentável do Reino Unido junto ao financiamento privado do banco BNP Paribas, totalizando cerca de US$ 130 milhões. Na Índia, o governo federal e governos locais trabalharam em conjunto para subsidiar a compra de ônibus elétricos em diversas cidades unindo fundos por meio de uma entidade público-privada estabelecida pelas empresas de energia do país. Outras inovações como essas por parte dos governos e do setor financeiro podem ajudar a enfrentar as barreiras impostas pelos custos iniciais. 

O que é preciso fazer para colocar o transporte coletivo no rumo certo?

Os governos precisam aumentar radicalmente seus compromissos relacionados ao transporte público para promover o crescimento do setor. As principais medidas que governos locais e nacionais podem adotar incluem:

  • Estabelecer metas para o transporte coletivo em planos climáticos nacionais. Uma análise recente dos dados do Climate Watch mostrou que, dos 177 países com compromissos climáticos nacionais vinculados ao Acordo de Paris, apenas 68 incluem medidas relacionadas ao transporte público. E, entre esse grupo, nem todas as NDCs incluem medidas específicas. Por exemplo, 16 NDCs estabeleceram metas para promover uma transição dos veículos privados para o transporte público, e apenas quatro incluem metas de transição para modos ativos, como caminhada e bicicleta. Apesar de cada vez mais viáveis e financeiramente vantajosos, os ônibus elétricos aparecem em apenas 12 NDCs. Outras 16 NDCs incluem medidas para adaptar o transporte coletivo aos efeitos adversos das mudanças climáticas. Os países devem garantir que suas novas NDCs, que devem ser atualizadas e enviadas em 2025, incluam metas e objetivos para o transporte público alinhadas com os esforços necessários para duplicar a oferta de transporte livre de combustíveis fósseis até 2030.
  • Ampliar o apoio e a capacidade do transporte coletivo. À medida que fortalecerem seus compromissos relacionados ao transporte coletivo, os países também precisam aumentar o apoio oferecido às agências responsáveis pela implementação dessas metas. As empresas de transporte coletivo de todo o mundo precisarão melhorar o serviço, construir mais infraestrutura e, ao mesmo tempo, eletrificar as frotas de ônibus para atingir metas ambiciosas até 2030, e essa não será uma tarefa fácil. Serão necessários recursos adicionais para ampliar a capacidade do serviço e atender a uma população urbana crescente, além de apoio técnico para implementar sistemas de mobilidade integrados e mais financiamento público e privado para promover a transição. Os países podem aprender com as experiências da China, por exemplo, onde a maior parte dos ônibus do transporte coletivo já são elétricos, e de Salvador, que está ampliando sua infraestrutura de BRT e, ao mesmo tempo, eletrificando a frota de ônibus.
  • Aumentar as estratégias de financiamento inovadoras e dedicadas ao transporte público, incluindo fontes do setor privado. Governos, bancos multilaterais de desenvolvimento e outras instituições financeiras globais precisam buscar maneiras novas e inovadoras para aumentar o financiamento dedicado à infraestrutura e operações de transporte público. Isso inclui a concepção de novos mecanismos de financiamento para reduzir o risco dos investimentos na mobilidade sustentável e atrair mais recursos privados. Os países podem aprender com as experiências de países como a Índia, onde os investimentos públicos nos ônibus elétricos contam com um mecanismo de financiamento público-privado para apoiar as despesas operacionais. Embora os custos inicias de ampliar e eletrificar o transporte público sejam altos, esse deve ser visto como um investimento de longo prazo: estimativas mostram que ampliar o transporte público pode reduzir o custo total da mobilidade urbana em US$ 5,3 trilhões por ano até 2050.
  • Ampliar os investimentos em energia renovável para apoiar a eletrificação do transporte. Os esforços para eletrificar as frotas de ônibus devem ocorrer lado a lado com esforços para abastecer o setor de transportes com energia renovável. O transporte coletivo elétrico será mais eficiente se for alimentado por energia solar ou eólica em vez de combustíveis fósseis. Considerando que o mundo precisa triplicar a parcela de energia renovável até 2030, o transporte coletivo pode contribuir nessa empreitada, por exemplo, firmando Acordos de Aquisição de Energia (compromissos de longo prazo para adquirir energia limpa a um preço predeterminado). Com esse compromisso, desenvolvedores de energias renováveis podem fazer mais investimentos para aumentar a capacidade a um risco mais baixo.

A janela para parar o consumo de combustíveis fósseis e reduzir emissões o suficiente para evitar os piores impactos do aquecimento global é estreita. Ninguém pode perder este ônibus se quisermos fazer isso acontecer. 

Para saber mais sobre como o transporte coletivo pode ser uma solução climática e que medidas podem ser adotadas no setor, acesse o relatório How to Unlock Public Transport for Climate and Sustainable Development, da iniciativa Mobility for All, e o artigo do WRI, “3 maneiras de transformar o transporte público com foco em saúde, equidade e no clima”.


Este artigo foi publicado originalmente no Insights.