5 países que estão no caminho para chegar a emissões líquidas zero
Até hoje, mais de 90 países estabeleceram metas para emissões líquidas zero, comprometendo-se a contribuir para evitar os piores impactos das mudanças climáticas. Mas permanecem dúvidas quanto à credibilidade de muitos desses compromissos e se essas metas serão de fato cumpridas.
Juntos, os países que estabeleceram metas de zerar emissões líquidas – um grupo de inclui China, Estados Unidos e Índia – são responsáveis por quase 80% das emissões globais de gases do efeito estufa. Além deles, milhares de outras regiões, cidades e empresas também estabeleceram suas metas. Nunca antes tivemos tanta ambição e um momento tão propício para reduções tão profundas nas emissões.
Mas os planos para atingir essas metas nem sempre são claros e bem-definidos. Muitos não contam com apoio político ou podem depender de tecnologias novas ou ainda inexistentes. Além disso, a atual trajetória de muitos países no que diz respeito às emissões não é compatível com o rumo necessário para manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C (em relação aos níveis pré-industriais), conforme estabelecido no Acordo de Paris.
Um novo relatório do WRI, desenvolvido para ajudar os governos a implementar soluções transformadoras, equitativas e inclusivas para chegar a emissões líquidas zero, identificou cinco países que já conseguiram fazer avanços palpáveis. Cada um é um exemplo de ações fundamentais – como tomar as decisões necessárias, estabelecer uma boa governança, envolver atores estratégicos, promulgar políticas setoriais e mobilizar financiamento e investimentos – que outros países podem seguir para colocar as promessas em prática e alcançar seus objetivos com sucesso.
1) Costa Rica implementa um plano à prova de mudanças políticas para chegar ao zero líquido
O compromisso da Costa Rica de atingir emissões líquidas zero até a metade do século é respaldado pelo abrangente Plano Nacional de Descarbonização, que garante que metas de longo prazo embasem as ações de curto prazo e decisões tomadas hoje. O plano, desenvolvido originalmente em 2019, faz um detalhamento de ações específicas por setor e apresenta estratégias transversais para reduzir as emissões. Por exemplo, o plano de implementação estabelece como uma das metas colocar em operação mil ônibus elétricos até 2035 para reduzir as emissões do sistema de transporte do país.
Um aspecto digno de nota do plano da Costa Rica é a resistência a mudanças políticas. Apesar de uma considerável mudança no governo do país em maio de 2022, o plano continuou sendo uma prioridade, muito devido ao sucesso em atrair investimentos de instituições financeiras globais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Esse financiamento é essencial para concretizar os marcos de curto prazo traçados pelo plano.
Em resumo, o plano da Costa Rica demonstrou sua efetividade ao atrair investimentos, sobreviver a transições políticas e manter o foco em marcos de curto prazo nos principais setores, abrindo o caminho rumo ao zero líquido.
2) Novas estruturas de governança do Chile simplificam a concretização da meta de zerar emissões líquidas
O Chile deu passos importantes para viabilizar o cumprimento de sua meta de emissões líquidas zero ao estabelecer novas estruturas de governança abrangentes e coordenadas entre si. A meta foi legalmente instituída por meio do Marco Legal das Mudanças Climáticas de 2022, e, sob a gestão das principais lideranças do governo, a ação climática alinhada à meta se tornou uma alta prioridade no país.
A lei estabelece novas estruturas de governança em âmbito nacional e local. A nova legislação descentraliza a responsabilidade, designando ações relacionadas ao clima para diferentes ministérios, autoridades regionais e governos municipais, de forma que um mesmo ministério não seja o único responsável pela implementação.
A lei também cria importantes instituições de jurisprudência nacional, como o Conselho de Ministros pela Sustentabilidade e Mudanças Climáticas, para avaliar políticas; o Comitê Consultivo Científico, para fornecer consultoria especializada independente; e o Conselho Nacional de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas, para promover a participação do público. Em âmbito subnacional, foram estabelecidos Comitês Regionais de Mudanças Climáticas para as 16 regiões do país, responsáveis por desenvolver e implementar políticas climáticas locais. Além disso, estruturas já existentes dentro dos governos municipais receberam autoridade para a implementação de políticas climáticas.
Esses arranjos inovadores na governança vão permitir a implementação de intervenções de curto prazo. Por exemplo, o país já definiu orçamentos de carbono por setor, deu início à eliminação das usinas de carvão e implementou iniciativas sustentáveis de reflorestamento e gestão do solo. Se a implementação transcorrer como o planejado, as emissões de dióxido de carbono do Chile já podem ter atingido seu pico, preparando o terreno para atingir a meta de emissões líquidas zero do país.
3) África do Sul estabelece um processo inclusivo para promover a transição, com ampla participação de atores estratégicos
Considerando a alta dependência do país em relação ao carvão para suprir a demanda de energia, chegar à meta de emissões líquidas zero afetará os trabalhadores e comunidades de forma significativa à medida que a África do Sul fizer a transição para um novo sistema de energia. Em 2020, a África do Sul deu um passo importante para assegurar uma transição justa e equitativa rumo a uma economia resiliente e de baixa emissão ao estabelecer a Comissão Climática Presidencial. A comissão, situada dentro da presidência do país, é formada por representantes do governo, empresas, trabalhadores, sociedade civil e outras lideranças. A entidade opera com transparência, transmitindo todas as reuniões e oficinas para o público, e enfatiza a participação ampla e contínua da comunidade.
A abordagem inclusiva da Comissão ficou evidente no desenvolvimento da Estrutura para a Transição Justa, adotada pelo Gabinete da África do Sul em agosto de 2022. A estrutura estabelece uma visão comum, princípios, políticas e arranjos de governança que ajudarão o país a chegar ao zero líquido, além de mecanismos para garantir que o processo não prejudicará as comunidades. A rápida aceitação da estrutura foi facilitada por notas políticas e pela realização de workshops abertos ao público, avaliações de especialistas, além de amplos processos de consulta com trabalhadores, comunidades e demais parceiros.
Esse amplo envolvimento da sociedade ajudou a incentivar o apoio à transição energética, fortalecer a confiança da população e facilitar a aceitação para as decisões desafiadoras que vêm pela frente. Ao incorporar perspectivas diversas e considerar as necessidades das comunidades afetadas, a África do Sul torna-se um exemplo com o qual outros países podem aprender.
4) Dinamarca transforma seu setor de energia por meio de políticas e investimentos
O setor de energia da Dinamarca passou por uma transformação significativa ao longo das últimas três décadas, fazendo a transição de um modelo de geração de energia em que predominava o carvão para energias limpas. A parcela de geração de energia renovável passou de 3% em 1990 para mais de 80% em 2020, devido principalmente à ampla implementação da energia eólica. A capacidade eólica do país aumentou 24 vezes nesse período, chegando a 7 gigawatts de capacidade instalada em janeiro de 2022. A geração de energia solar também teve sua participação, chegando a 4% do mix depois de dobrar de tamanho entre 2015 e 2020. Essas mudanças tiveram como resultado a impressionante queda de 76% nas emissões de dióxido de carbono do setor de energia desde 1990.
A transformação do setor de energia da Dinamarca pode ser atribuída a uma combinação de políticas e investimentos bem planejados e fundamentados. Isso inclui investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento para energia eólica, o estabelecimento e ajuste de uma tarifa de incentivo, apoio institucional para o planejamento e instalação de usinas de energia renovável, uma boa interconexão da rede, a propriedade comunitária de projetos de energia renovável, atualização de turbinas antigas e metas de energia renovável cada vez mais ambiciosas. Ao longo dessa transição, a Dinamarca priorizou o diálogo com sindicatos e trabalhadores para garantir uma divisão equilibrada de custos e benefícios, além de apoio aos funcionários de indústrias de combustíveis fósseis. A abordagem do país tem como foco a construção de uma indústria de energias renováveis robusta, junto a uma sólida rede de segurança social.
O êxito do país na transição de seu setor de energia colocou a Dinamarca na posição de liderança em energia eólica, com um alto nível de investimentos em P&D e expertise tecnológica. As experiências e políticas do país oferecem aprendizados valiosos para outras nações que desejam seguir pelo mesmo caminho.
5) França prioriza “orçamento verde” para aumentar o financiamento público alinhado às metas
A França fez avanços notáveis na formatação de seu orçamento para aumentar o financiamento público alinhado à meta de zerar emissões líquidas. Desde 2017 o país se comprometeu a incorporar questões climáticas em seu processo orçamentário anual, o que resultou na publicação do primeiro “Orçamento Verde” do mundo, em 2021. Esse orçamento avalia o impacto ambiental de todos os gastos estatais com base em critérios como clima, biodiversidade e poluição do ar local.
A metodologia classifica os gastos em uma escala que vai de “desfavorável” a “muito favorável”, cobrindo as principais metas ambientais do país. Essa abordagem garante que todos os departamentos do governo considerem com cuidado os impactos climáticos e ambientais de suas intervenções, alinhando-as com a meta do país de zerar emissões líquidas.
A França também implementou uma parcela ambiental mínima para certos investimentos. Por exemplo, uma parte do pacote de recuperação do país para a Covid-19 exigia que 30% dos recursos direcionados a esses investimentos tivessem uma classificação favorável conforme a metodologia do Orçamento Verde. Esses investimentos incluíram projetos envolvendo eficiência energética, hidrogênio verde, entre outros.
Ao aplicar a metodologia do Orçamento Verde e estabelecer requisitos mínimos para os gastos públicos, a França tem conseguido aumentar seu financiamento climático interno em busca de cumprir sua meta de emissões líquidas zero até a metade do século.
Seguindo o ritmo da implementação
O momento atual, no que diz respeito as metas de zerar emissões líquidas, é inegavelmente propício, mas ainda há trabalho a ser feito para dar início a implementações de curto prazo. Embora muitos países já estejam colocando ações em prática – e obtendo resultados tangíveis –, a jornada para chegar ao zero líquido das emissões está apenas começando. A boa notícia é que nunca tivemos tanta informação a respeito do que precisa ser feito para sermos bem-sucedidos nessa empreitada, e podemos aprender muito com aqueles que já começaram e estão liderando o caminho até lá.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.