As vendas de veículos elétricos têm crescido de forma exponencial devido à queda nos custos, ao avanço das tecnologias e aos incentivos governamentais. Em todo o mundo, 10% dos carros vendidos em 2022 foram modelos 100% elétricos, de acordo com uma análise de dados da Agência de Internacional Energia (IEA, na sigla em inglês) – dez vezes mais do que há cinco anos.

Os veículos elétricos geram menos emissões de gases do efeito estufa do que veículos com motores de combustão interna, como os modelos movidos a diesel e gasolina. Uma vez que a matriz energética completar a transição para a eletricidade de zero carbono, as emissões serão ainda mais baixas. Por esse motivo, impulsionar os carros elétricos será uma das medidas mais importantes para reduzir as emissões do setor de transportes – junto com a redução dos deslocamentos em automóveis privados e a mudança para o transporte público, a bicicleta ou a caminhada.

Já existem países fazendo a transição para carros elétricos em um ritmo intenso. Os cinco países com a maior parcela de vendas atualmente são a Noruega (veículos 100% elétricos representaram 80% das vendas de automóveis em 2022), Islândia (41%), Suécia (32%), Holanda (24%) e China (22%), de acordo com nossa análise. A posição da China nessa lista é particularmente significativa se considerarmos que o país é o maior mercado de automóveis do mundo. Os outros dois maiores mercados de carros possuem taxas mais baixas de vendas de elétricos, mas também registram uma tendência de crescimento: União Europeia (12%) e Estados Unidos (6%).

Pessoas entrando em uma loja da montadora BYD, em Xangai, na China
Pessoas entrando em uma loja da montadora BYD, em Xangai, na China. A empresa chinesa é uma das maiores fabricantes de veículos elétricos do mundo (foto: Robert Way/iStock)

Globalmente, os elétricos precisam atingir de 75% a 95% das vendas de veículos de passageiros até 2030. Dessa forma, o mundo estará em um rumo consistente com a meta de manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C e evitar muitos dos impactos prejudiciais das mudanças no clima (conforme um dos cenários de alta ambição do Climate Action Tracker). Considerando o recente crescimento exponencial das vendas de carros elétricos, essa meta ainda é possível. A taxa de crescimento médio anual foi 65% maior do que nos últimos cinco anos; ao longo dos próximos oito anos, o mundo precisa manter uma taxa de crescimento anual de apenas 31%.

As vendas de carros elétricos seguem um padrão de crescimento exponencial nos países

Embora o crescimento das vendas de carros elétricos tenha começado a acelerar em anos diferentes em países diferentes, todos registram um padrão semelhante de curva em S. Essa é uma trajetória típica na adesão a tecnologias inovadoras. Uma vez que uma tecnologia alcança um ponto de inflexão – por exemplo, quando os elétricos se tornam mais baratos que modelos tradicionais a combustão –, a trajetória se direciona para cima. Eventualmente, o crescimento diminui, à medida que a tecnologia atinge 100% de saturação. No que diz respeito aos carros elétricos, nenhum país chegou a essa fase de desaceleração ainda, embora a Noruega possa estar próxima. A aceleração inicial e a eventual queda no crescimento criam uma curva em S. Nunca será um S perfeito porque as políticas de incentivo mudam, e fatores econômicos e sociais podem acelerar ou frear as taxas de adesão, mas o padrão geral se mantém na maioria dos casos.

 

 

Custos em queda e o avanço da tecnologia possibilitaram que as vendas de carros elétricos acelerassem mais rápido hoje do que em anos passados. Nossa análise dos dados do EV Data Explorer, da Agência Internacional de Energia, mostra que, nos países onde as vendas de elétricos atingiram a marca de 1% nos últimos cinco anos, elas também cresceram mais rápido do que em outros países.

Por exemplo, as vendas de carros elétricos na Índia passaram de 0,4% para 1,5% em apenas um ano entre 2021 e 2022. Esse ritmo é cerca de três vezes mais rápido que a média global, que levou três anos para passar de 0,4% em 2015 para 1,6% em 2018. Em Israel, as vendas de carros elétricos saltaram de 0,6% para 8,2% em apenas dois anos, entre 2020 e 2022. O mundo levou mais de cinco anos para atingir o mesmo crescimento, de 0,5% em 2016 para 6,2% em 2021.

Até agora, a maior parte dos líderes em vendas de veículos elétricos são países de alta renda, como os da Escandinávia, ou países com um amplo poder de mercado, como a China. Nesses países, políticas governamentais e incentivos financeiros abriram caminho para o surgimento de uma indústria dinâmica de carros elétricos e para a queda dos custos. Agora, à medida que o custo-benefício dos elétricos melhora, outros países, de renda mais baixa ou em diferentes circunstâncias, podem se tornar aptos a seguir o mesmo rumo ou até mesmo alcançar um ritmo mais rápido.

Vagas reservadas para carros elétricos em Herzilya, Israel
Vagas reservadas para VEs em Herzilya, Israel. Em apenas dois anos, o país registrou um aumento substancial nas vendas de carros elétricos (foto: Vered Barequet/Shutterstock)

Como os principais mercados de automóveis podem liderar a mudança no setor

A transição global para os veículos elétricos depende amplamente do desempenho dos três maiores mercados de automóveis do mundo hoje – China, Europa e Estados Unidos –, responsáveis juntos por 60% das vendas de carros no mundo. Os três registraram aumentos nas vendas de carros elétricos nos últimos anos. Na China, a parcela de vendas de elétricos atualmente é o dobro da média global. Na Europa, ligeiramente acima da média global. E nos Estados Unidos a parcela de vendas de carros elétricos está cerca de um ano atrasada em relação à média global (em 2022, as vendas de elétricos nos EUA representavam 6,2% do total, exatamente a média global em 2021). Espera-se que as vendas cresçam no país depois que a Lei de Redução da Inflação destinou, ao longo de seu primeiro ano em vigor, US$ 62 bilhões em investimentos em veículos elétricos.

Na Índia e no Japão, respectivamente o quarto e quinto maiores mercados de automóveis no mundo hoje, as vendas de carros elétricos ainda são baixas, mas finalmente começaram a acelerar. E, como indicam os dados mais recentes sobre vendas de carros elétricos, nos países onde a adesão foi mais tardia, muitas vezes as vendas crescem mais rápido do que nos pioneiros.

 

 

Dois países bem-sucedidos na adesão aos veículos elétricos

Vamos analisar mais a fundo os casos da Noruega e da China, dois dos países mais bem-sucedidos na expansão dos veículos elétricos, para aprender com suas experiências.

1) A Noruega é o único país do mundo onde a maior parte dos carros vendidos é de modelos 100% elétricos

A Noruega é uma das regiões mais frias do mundo, recortada por fiordes que dificultam o acesso a algumas áreas. Considerando o fato de que as baterias de carros elétricos não são tão eficientes em baixas temperaturas e que os carros elétricos não possuem tanto alcance quanto os modelos movidos a gasolina, era de se esperar que a Noruega fosse uma das últimas partes do mundo a adotar os veículos elétricos. No entanto, o cenário é o oposto: a Noruega e seus vizinhos escandinavos Islândia e Suécia estão muito à frente na transição. Em 2022, oito de cada dez carros de passageiros vendidos na Noruega foram modelos 100% elétricos, chegando a 150 mil unidades vendidas no total.

A Noruega desponta na liderança porque o governo do país tem promovido o uso dos carros elétricos de forma deliberada e consistente desde 1990, muito antes do resto do mundo. O país tem uma meta para eliminar gradualmente as vendas de veículos com motores de combustão interna até 2025, mais cedo que qualquer outro país.

 

 

Existem três motivos para o sucesso da Noruega em fazer com que os VEs sejam a escolha padrão para novos compradores de carros.

Em primeiro lugar, os incentivos do governo fizeram com que os carros elétricos se tornassem a melhor escolha do ponto de vista financeiro. Os noruegueses que compram veículos 100% elétricos não precisam pagar altas taxas adicionais ou de registro do veículo, além de receber outros benefícios financeiros. Isso elimina uma parcela significativa do custo de compra e manutenção de um veículo elétrico. Esses incentivos foram implementados de forma gradual a partir da década de 1990 e no início dos anos 2000, com o apoio de diversos governos e de todos os partidos políticos. Originalmente, o objetivo era apoiar uma fabricante norueguesa chamada TH!NK. A empresa não prosperou, e hoje a maioria dos carros noruegueses são importados, mas o governo continuou promovendo os elétricos devido aos benefícios ambientais.

Mesmo com incentivos generosos, os carros elétricos não deslancharam no país até que a tecnologia avançasse também. O ponto de virada foi por volta de 2012, quando o custo total de manter um veículo elétrico ao longo de sua vida útil (incluindo os custos de compra, manutenção e carregamento) ficou mais barato que o custo total de manter um veículo convencional, movido a diesel ou gasolina, se considerados os incentivos fiscais. Em 2021, a compra de um veículo elétrico era em torno de cinco mil euros mais barata se incluídos todos os incentivos fiscais.

Em segundo lugar, o governo investiu pesado em carregadores para veículos elétricos. Como resultado, a Noruega possui mais carregadores públicos rápidos per capita do que qualquer outro país no mundo. Esses carregadores podem levar a bateria de zero a 80% em cerca de 20 minutos. Além disso, o país estabeleceu o “direito ao carregamento” para moradores de prédios residenciais e oferece recursos a associações habitacionais para instalação de seus próprios carregadores.

Em terceiro lugar, a Noruega também oferece algumas vantagens atrativas aos proprietários de elétricos, como estacionamento gratuito nas cidades, isenção ou redução das tarifas nos pedágios, acesso a corredores prioritários para ônibus, além de preços mais baixos no transporte por balsa (bastante utilizadas no país devido aos fiordes).

Diante do sucesso das políticas de incentivo aos veículos elétricos, o governo começou a reduzir gradualmente os incentivos aos modelos elétricos de luxo e algumas das vantagens para os demais elétricos. Uma vez que a maioria das pessoas na Noruega já compra carros elétricos, não faz mais sentido permitir que todos tenham acesso às faixas de ônibus e estacionamento gratuito. Além disso, algumas dessas políticas podem estimular os deslocamentos de carro em detrimento do transporte coletivo, o que aumentaria as emissões. Assim, atualmente a Noruega considera como promover outras opções de transporte para além dos carros particulares.

2) A China vendeu mais carros elétricos em 2022 do que todo o resto do mundo

A China é de longe a protagonista no que diz respeito a carros elétricos. Em 2022, 22% dos veículos de passageiros vendidos no país eram 100% elétricos, somando 4,4 milhões de unidades vendidas. É mais do que os três milhões de carros elétricos vendidos em todo o resto do mundo. O incentivo da China aos elétricos ajudou a diminuir os custos das baterias e a facilitar o seu uso no mundo.

A China, que ficava muito atrás dos outros países na produção de veículos com motores de combustão interna, viu nos carros elétricos um investimento estratégico em uma nova era de fabricação de automóveis, na qual o país poderia se desenvolver e se destacar se começasse cedo o suficiente. Outro ponto de interesse era o papel que os elétricos poderiam desempenhar na redução da poluição atmosférica do país e de sua dependência da importação de petróleo.

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Em 2009 e 2010, a China começou a implementar subsídios financeiros e incentivos fiscais tanto para fabricantes quanto para compradores de carros elétricos, começando em cidades-piloto. As cidades podiam adaptar a quantidade e o tipo de subsídios de acordo com suas necessidades e trabalhar em conjunto com as empresas de veículos elétricos para ajudá-las a crescer. A montadora chinesa BYD, por exemplo, começou diretamente ligada à cidade de Shenzhen e, desde então, se tornou uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo. Depois dos programas implementados nas cidades-piloto, a China continuou a investir bilhões de dólares em diferentes subsídios e incentivos fiscais locais e nacionais. Em 2018, o país deu início a uma transição para um sistema de crédito para veículos de zero emissão, adaptado a partir do mandato implementado pela Califórnia, a fim de substituir os subsídios diretos. A transição foi gradual, e alguns dos subsídios e incentivos fiscais para elétricos foram prorrogados.

No geral, as políticas de promoção industrial têm sido efetivas. Hoje, oito dos dez principais modelos de carros elétricos vendidos na China são fabricados por empresas chinesas, e o país já começou a exportar elétricos. Os compradores chineses podem escolher entre cerca de 300 modelos de carros elétricos, mais do que em qualquer lugar do mundo. As empresas chinesas também fizeram mais do que as de qualquer outro país para desenvolver modelos acessíveis. Em muitos outros lugares, o foco foi em veículos maiores, que exigem baterias mais caras, mas na China o padrão são veículos menores. A BYD lançou recentemente um hatchback elétrico de US$ 11 mil, e o modelo Wuling Hongguang Mini, de US$ 4,5 mil, tem sido um dos mais vendidos no país.

O preço de varejo de muitos carros elétricos na China caiu mais do que o preço de modelos semelhantes movidos a diesel ou gasolina, se considerados os subsídios. A entrada da Tesla no mercado chinês estimulou uma guerra de preços que têm baixado os custos dos elétricos ainda mais.

Outro fator importante que encorajou a adesão aos carros elétricos na China é que o país instalou 760 mil pontos públicos de carregamento rápido e um milhão para carregamento lento, mais do que o existente em todo o restante do mundo. E, assim como a Noruega, a China ampliou os benefícios não financeiros aos motoristas de elétricos, principalmente na escala das cidades. Em Pequim, por exemplo, onde o emplacamento dos carros é racionado e pode levar bastante tempo, compradores de carros elétricos são dispensados do processo.

Uma grande placa da Tesla em um showroom em Hong Kong
Uma grande placa da Tesla em um showroom em Hong Kong. A entrada da Tesla no mercado de carros elétricos chinês deu início a uma guerra de preços que tem ajudado a reduzir os custos dos carros elétricos (foto: robertcicchetti/iStock)

A liderança do governo é essencial para a transição para veículos elétricos

As experiências da Noruega e da China trazem lições para os demais países. Ambas tiveram governos que tomaram a decisão de promover o uso de veículos elétricos, investiram em carregadores públicos e implementaram políticas para tornar o preço dos elétricoscompetitivos no mercado. A adesão aos carros elétricos aumentou rapidamente uma vez que os modelos elétricos se tornaram uma escolha financeira mais atrativa do que os modelos tradicionais, movidos a diesel ou gasolina, em especial quando os consumidores passaram a ter confiança no alcance dos veículos e na facilidade de acesso a carregadores públicos.

Graças aos incentivos políticos em países como a Noruega e a China, não levará muito tempo para que os preços se tornem competitivos em outros lugares também, considerando a tendência de queda. Porém, diante da urgência da crise climática, os governos não devem esperar sentados até que isso aconteça. Nem todos os países são tão ricos quanto a Noruega ou possuem o poder de mercado e a estrutura governamental da China, mas os carros elétricos podem ser um ganho econômico e ambiental para diversas nações em desenvolvimento.

Até hoje, a competitividade nos preços só foi possível por meio de subsídios, os quais podem ser caros demais para os orçamentos governamentais. Mas existem outras opções. Políticas estabelecendo metas para que 100% das vendas de carros sejam de elétricos são a alternativa mais efetiva para iniciar a transição. Atualmente, 16 países no mundo, incluindo Canadá, Japão e Reino Unido possuem algum tipo de política estabelecendo que 100% das vendas de automóveis sejam de modelos elétricos até 2035 ou antes. Outras nações devem criar e reforçar políticas como essas. Se a União Europeia, os Estados Unidos e a China alinharem suas regulações nacionais, estabelecendo que 100% das vendas sejam de elétricos até 2035, o aumento da produção baixaria os custos em todo o mundo, fazendo com que a paridade dos preços avance em países como a Índia no equivalente a três anos. Além disso, os países devem aumentar o número de carregadores públicos, em particular os carregadores rápidos, a fim de facilitar a escolha pelos elétricos.

A transição para os veículos elétricos precisa ser equitativa. Os governos devem incentivar as montadoras a produzirem modelos mais acessíveis. Quando implementados subsídios, devem ser direcionados às pessoas de baixa renda, o que além de ser uma questão de equidade também é mais efetivo em termos de aumentar a adesão aos elétricos, uma vez que a população de renda mais baixa é mais suscetível a mudanças nos preços. 

Aumentar a adesão aos elétricos buscando atingir entre 75% e 95% das vendas globais de veículos de passageiros até 2030 é desafiador, mas é possível se o mundo levar em conta essas lições e manter o atual ritmo de mudança.

Por fim, é importante observar que aumentar as vendas de carros elétricos é apenas uma parte da história. Para descarbonizar o transporte rodoviário, veículos antigos movidos a diesel e gasolina precisam ser retirados das ruas em vez de vendidos a novos motoristas ou a outros países. E a popularidade cada vez maior de veículos grandes como os SUVs precisa ser revertida. Mais do que isso, o objetivo não deve ser que todos tenham um carro. Transformar o sistema de transportes para aumentar o acesso a outros modos pode reduzir as emissões, diminuir as mortes em acidentes, economizar o tempo perdido no trânsito e amenizar os danos ao ecossistema.


Os dados sobre as vendas de veículos 100% elétricos mencionados neste artigo são do Global EV Data Explorer, a Agência Internacional de Energia, de setembro de 2023. Os dados incluem tanto modelos 100% elétricos quanto os híbridos plug-in; o autor selecionou apenas os referentes a veículos 100% elétricos.

Este artigo foi publicado originalmente no Insights. É o segundo de uma série de análises aprofundadas do Systems Change Lab, avaliando os países que lideram mudanças transformadoras. O Systems Change Lab é uma iniciativa colaborativa – o que inclui uma plataforma de dados abertos – criada para estimular a ação no ritmo necessário para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, interromper a perda de biodiversidade e construir uma economia justa e equitativa.