O Brasil tem bons motivos para preservar a Caatinga: é o único bioma 100% brasileiro, lar de uma grande riqueza de espécies de fauna e flora, e a região semiárida mais densamente populosa do mundo. No entanto, o bioma enfrenta diversos desafios, como o desmatamento e a degradação. Recentemente, áreas áridas foram identificadas pela primeira vez, evidenciando os impactos da desertificação, impulsionados pelas mudanças climáticas.

O combate à desertificação e a restauração das paisagens da Caatinga são possíveis, e o primeiro passo para enfrentar esse cenário é conhecer o problema. O monitoramento é essencial para gerir e tomar decisões informadas sobre a recuperação do bioma, pois permite entender a extensão do uso da terra e as dinâmicas ambientais.

O WRI Brasil atua com parceiros na Caatinga, como o MapBiomas Caatinga, no desenvolvimento de pesquisas e metodologias para monitoramento do uso do solo no bioma, além da disseminação e comunicação de resultados encontrados usando essas ferramentas.  

Um dos resultados desse trabalho conjunto foi a publicação de cinco estudos em revistas científicas com processos de validação e revisão de pares. Abaixo, confira os principais resultados desse trabalho, mostrando como conhecer a paisagem pode ser transformador em trazer novas soluções.

Monitoramento e gestão de incêndios na Caatinga

Os incêndios na Caatinga têm se intensificado nos últimos anos, prejudicando sua biodiversidade e acelerando o processo de desertificação. O estudo “Mapping Burned Area in the Caatinga Biome” utiliza técnicas de aprendizado de máquina (machine learning) chamadas redes neurais profundas para mapear áreas afetadas pelo fogo entre 1985 e 2023. Neste período de 38 anos foram detectados mais de 10 milhões de hectares queimados no bioma (quase 13% de sua área), uma média de quase 500 mil hectares queimados por ano. O estudo também analisa os padrões de tamanho das áreas queimadas, tipos de cobertura da terra em que ocorrem, recorrências e correlação com variáveis climáticas. Esse mapeamento é crucial para entender a extensão dos incêndios e suas dinâmicas ao longo do tempo, fornecendo dados valiosos para o desenvolvimento de estratégias de combate ao fogo.  

Já o estudo “ Machine Learning Model Reveals Land Use and Climate’s Role in Caatinga Wildfires: Present and Future Scenarios” analisa como mudanças no uso da terra e variáveis climáticas influenciam os incêndios no bioma. A pesquisa destaca a expansão agrícola e o desmatamento como fatores agravantes do risco de incêndios, além de apontar como o aumento das temperaturas e a variação nas chuvas afetam a frequência e a severidade dos incêndios na região. Utilizando cenários de emissões de gases do efeito estufa (GEE) do IPCC, os autores dão algumas indicações de como as dinâmicas de incêndio podem ser no futuro. Em um cenário otimista para 2030, em que menores emissões de GEE levam à um aumento de temperatura média global entre 1,3ºC e 1,5ºC acima da era pré-industrial, as áreas de menor risco de incêndio são cerca de 12% maiores que no cenário atual, enquanto as áreas de alto risco tem um aumento de cerca de 3%. Já em um cenário mais pessimista, em que as emissões de GEE levam a um aumento da temperatura média global para entre 1,5ºC e 2,2ºC em 2030, as áreas de maior risco de incêndios aumentam em cerca de 10%.

Utilizando cenários de emissões de gases do efeito estufa (GEE) do IPCC, os autores dão algumas indicações de como as dinâmicas de incêndio podem ser no futuro. Em um cenário otimista para 2030, em que menores emissões de GEE levam à um aumento de temperatura média global entre 1,3ºC e 1,5ºC acima da era pré-industrial, as áreas de menor risco de incêndio são cerca de 12% maiores que no cenário atual, enquanto as áreas de alto risco tem um aumento de cerca de 3%..

Ambos os estudos abordam que o monitoramento constante é essencial para a gestão eficaz dos incêndios na Caatinga. A combinação de tecnologias avançadas, como o aprendizado de máquina para mapear as áreas queimadas, e a análise de fatores climáticos e de uso da terra, pode oferecer uma visão abrangente dos incêndios e de suas causas.  

Além disso, o estudo de risco de incêndios sugere a necessidade de implementar medidas preventivas adaptativas, como aceiros e queimadas controladas, que podem ajudar a minimizar os danos. A colaboração entre pesquisadores, gestores públicos e comunidades locais é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes de manejo do fogo.

Por fim, são necessárias estratégias de prevenção e monitoramento. É crucial que as ações de restauração ecológica sejam combinadas com a capacitação das comunidades locais para que possam participar ativamente do processo de recuperação da Caatinga. A sensibilização sobre a importância do manejo sustentável do solo e o uso de práticas agrícolas que respeitem o equilíbrio ambiental são fundamentais para garantir que a Caatinga não apenas se recupere, mas se mantenha saudável a longo prazo. Esse envolvimento local fortalece as políticas públicas e assegura a continuidade dos esforços de

Os estudos foram publicados na Revista Fire em novembro e dezembro de 2024: “Mapping Burned Area in the Caatinga Biome: Employing Deep Learning Techiniques” e “Machine Learning Model Reveals Land Use and Climate’s Role in Caatinga Wildfires: Present and Future Scenarios”.

Entendendo os impactos das mudanças no uso do solo da Caatinga

O Brasil tem diversos sistemas de alerta de desmatamento, mas muitas vezes eles encontram limitações em detectar a mudança do uso do solo em biomas não florestais como a Caatinga. Um estudo trouxe dados sobre a degradação no bioma, destacando os padrões de desmatamento no bioma e lançando a pedra fundamental de um sistema de alertas de desmatamento especificamente desenvolvido para ambientes de terras secas.

O trabalho quantificou alertas de desmatamento na Caatinga de 2019 a 2022, revelando uma média anual de 80 mil hectares desmatados e aumentos significativos na área desmatada ano a ano, o que representa um aumento de 109% na área desmatada de 2022 quando comparada a 2020. Isto contribui diretamente para o avanço da desertificação e perda de biodiversidade. Os alertas são divididos por regiões e ajudam a identificar os focos mais críticos de desmatamento, onde ações de fiscalização e recuperação são mais urgentes. Segundo o levantamento, algumas áreas específicas da Caatinga apresentam taxas de alerta mais elevadas devido à expansão agrícola e de pastagens.

Flor da Caatinga

Esses dados ajudam a traçar um panorama mais completo do desmatamento e da degradação ambiental no bioma, fornecendo informações essenciais para direcionar intervenções estratégicas e precisas em locais prioritários. O monitoramento contínuo permite, ainda, responder rapidamente a novos desmatamentos, apoiando o cumprimento das metas de restauração e a implementação de ações de prevenção.

Esses dados reforçam a urgência de medidas de restauração e conservação. O estudo destaca a importância do monitoramento contínuo e de políticas públicas que incentivem a recuperação da vegetação nativa, promovendo práticas agrícolas sustentáveis e o manejo adequado do solo para evitar a transformação do bioma em um deserto irreversível.

A pesquisa, chamada “All Deforestation Matters: Deforestation Alert System for the Caatinga Biome in South America’s Tropical Dry Forest”, foi publicado na revista Land em outubro de 2024.

Três décadas de dados da mudança do uso do solo na Caatinga

Além dos sistemas de alertas, avaliar a série histórica do desmatamento pode ajudar a entender as dinâmicas de alterações na vegetação nativa.  

Um estudo conduzido por especialistas da Universidade Estadual de Feira de Santana, Universidade Federal da Bahia, WRI Brasil, Universidade do Arizona e da Geodatin analisou dados entre 1985 e 2019, identificando que a Caatinga perdeu 11% de sua vegetação nativa em 35 anos. A perda por desmatamento e conversão de áreas naturais somou 6,57 milhões de hectares, uma área maior do que o território do estado da Paraíba.

A perda de vegetação ocorreu em todas as principais categorias: as savanas tiveram um declínio de 11% (5,79 milhões de hectares), a formação florestal caiu 8% (340 mil caracteres) e as formações naturais não florestais sofreram uma redução de 12% (430 mil hectares). Além disso, a superfície de água diminuiu em 24%, intensificando o processo de desertificação. O desmatamento está diretamente relacionado à expansão de áreas agrícolas e pastagens. Nos últimos 35 anos, as pastagens aumentaram 62%, enquanto as áreas agrícolas cresceram 284%.  

Modelos de produção não sustentáveis colocam mais pressão sobre o bioma, e a falta de políticas públicas eficazes para conter essa expansão e promover a restauração torna o cenário ainda mais alarmante.

O estudo, chamado “Towards Uncovering Three Decades of LULC in the Brazilian Drylands: Caatinga Biome Dynamics (1985–2019)”, foi publicado na revista Land em agosto de 2024.

A Caatinga pode ser um hotspot de pesquisa em monitoramento

Apesar dos avanços em monitoramento, estamos longe do ideal. Um outro estudo fez uma análise bibliométrica da pesquisa sobre degradação de áreas áridas e semiáridas ao redor do mundo. O trabalho mostrou que apenas 4% das pesquisas científicas do tema no mundo são sobre a Caatinga. Ainda assim, a região se destaca na América do Sul, colocando a Caatinga como um hotspot de pesquisa no mundo.

Essa análise é importante porque ela mostra os avanços e lacunas no conhecimento científico sobre o mapeamento do uso do solo em terras secas, as drylands. Essas terras secas cobrem 41% da superfície da terra, sustentam mais de 2 bilhões de pessoas e têm características únicas em termos de vegetação nativa, propriedades climáticas e uso do solo.  

O estudo, intitulado “Bibliometric Analysis of Land Degradation Studies in Drylands Using Remote Sensing Data: A 40-Year Review”, foi publicado na revista Land em setembro de 2023.

Restauração da Caatinga é um caminho para a sustentabilidade

A restauração da Caatinga é uma das soluções mais promissoras para enfrentar os desafios atuais. Um estudo divulgado pelo WRI Brasil em julho mostra o potencial de restaurar 500 mil hectares do bioma, o que geraria benefícios sociais e econômicos significativos, especialmente para a agricultura familiar, além de contribuir para a segurança hídrica e a adaptação às mudanças climáticas.

Ações coordenadas que envolvem a recuperação de paisagens e o manejo sustentável do solo são essenciais para preservar a Caatinga e evitar que ela se transforme em um deserto. Iniciativas como a Rede para a Restauração da Caatinga (RECAA), por exemplo, buscam promover a restauração e gerar empregos para a população local.  

Com a publicação de estudos recentes e iniciativas de monitoramento, o WRI Brasil, por meio do projeto Land Carbon Lab, traz as tecnologias de monitoramento para o debate da recuperação da vegetação nativa no bioma. As soluções exigem ação coordenada entre governos, pesquisadores e sociedade civil para garantir o futuro da região e melhorar a qualidade de vida das comunidades locais.