Por suas características únicas, a Caatinga apresenta um cenário importante para o avanço da restauração no Brasil, apesar dos desafios socioeconômicos e climáticos. E os números comprovam o potencial do bioma: em três territórios – Cariri Ocidental (PB), Sertão do Pajeú (PE) e Sertão do Apodi (RN) – analisados a fundo pelo Programa Raízes da Caatinga, as oportunidades de restauração cobrem 498 mil hectares, entre arranjos de restauração ecológica e produtiva, que ainda possibilitam a geração de renda para a população local e o retorno dos investimentos. 

Além disso, há uma quantidade significativa de atores sociais atuando em temas relacionados à restauração e conservação nos três territórios, facilitando a identificação de oportunidades para engajamento e cooperação e fortalecendo a implementação de estratégias de restauração que são tanto eficazes quanto inclusivas.

Tais dados, obtidos com base na aplicação da metodologia de Avaliação das Oportunidades de Restauração (ROAM, sigla em inglês), comprovam a viabilidade de um caminho que combina a produção sustentável, a conservação ambiental e a inclusão social na Caatinga. Ou seja, é possível conservar e restaurar o ecossistema e ainda assim produzir alimentos e gerar renda, aumentando a qualidade de vida, promovendo ambientes saudáveis e projetando um olhar para o futuro, visando as potencialidades desse importante bioma brasileiro.  

Cactos, vegetação típica da Caatinga

O estudo

Foram analisados os territórios do Cariri Ocidental, no estado da Paraíba (PB), do Sertão do Pajeú, em Pernambuco (PE), e do Sertão do Apodi, no Rio Grande do Norte (RN). O Cariri Ocidental é uma região semiárida marcada pela predominância da vegetação da Caatinga e por uma rica cultura local; o Sertão do Pajeú é conhecido pela sua tradição agropecuária e pela resistência cultural; e o Sertão do Apodi se destaca pela produção agrícola adaptada ao clima semiárido.

É nessas paisagens que está sendo desenvolvido o Programa Raízes da Caatinga, conduzido pela IDH em parceria com o WRI Brasil e a Diaconia. É uma iniciativa que busca reunir entidades e pessoas dos setores público e privado e da sociedade civil, estruturada em compromissos territoriais para promover o desenvolvimento sustentável e a restauração e conservação do bioma. Assim, o programa incentiva que os atores locais dos territórios nas três paisagens participem de um processo de articulação e da formação de uma coalizão, com estabelecimento de metas conjuntas por meio da construção e assinatura de pactos sociais estruturados nos eixos Produzir, Proteger e Incluir (PPI).

Para o eixo “Proteger”, uma das atividades previstas é a identificação das oportunidades de restauração nos territórios. A partir da aplicação da ROAM, foi possível mapear oportunidades e sugerir possíveis arranjos para a restauração nos territórios alcançados pelo Programa.  

Animais se alimentam

Em termos de restauração ecológica, os arranjos sugeridos foram:  

  • Regeneração Natural Assistida (RNA) – conjunto de técnicas para auxiliar o processo de regeneração natural e recomposição da vegetação nativa;
  • Restauração Ativa – recomposição da vegetação nativa por meio do plantio, em área total, de mudas e/ou sementes;
  • Restauração Hidroambiental – conjunto de intervenções que visam reverter o alto nível de degradação e restaurar a saúde do solo e da vegetação. Indicada para áreas com limitações ambientais mais severas, com perda significativa de solo fértil e da capacidade de recarga hídrica.

Já em termos de restauração com fins econômicos, as recomendações são:

  • Sistema Agroflorestal (SAF) Forrageiro – a palma forrageira é a principal alternativa para alimentação e manutenção da produção animal durante o período de estiagem, além de representar um importante produto da comercialização para suplementação animal;
  • SAF para produção de mel – integra as colmeias a uma diversidade de espécies vegetais melíferas atrativas para a criação de abelhas;
  • SAF para produção de frutas – combina o plantio de diferentes espécies arbóreas de potencial madeireiro, alimentar e/ou energético, com o cultivo de espécies frutíferas, forrageiras, agrícolas e de cobertura e adubação do solo;
  • Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) – permite uma profunda integração entre atividades agrícolas, pecuárias (em especial a caprinocultura) e florestais ao criar condições que aumentam a proteção do solo e consequentemente a eficiência do uso da água.

A sugestão de diferentes arranjos de restauração para cada uma das regiões emerge de uma visão abrangente das estratégias de restauração e conservação alinhadas com as motivações das comunidades locais, coletadas por meio de um processo detalhado de reconhecimento do território, escuta das pessoas ao longo de oficinas e visitas a experiências locais.  

Vegetação da Caatinga

No Cariri Ocidental (PE), as oportunidades de restauração com fins econômicos totalizam cerca de 60 mil hectares, especialmente SAFs e ILPF. No Sertão do Pajeú (PB) predomina a restauração ecológica com 83 mil hectares, especialmente nas áreas mais áridas e com escassez de água. A restauração ativa cobre cerca de 11 mil hectares, concentrada nas margens dos rios, e a RNA ocupa cerca de 8 mil hectares distribuídos por todo o território. Para o Sertão do Apodi (RN), a restauração produtiva está distribuída principalmente nas regiões próximas aos rios, com destaque para os SAFs forrageiro e para a produção de mel. A restauração hidroambiental é a mais significativa, cobrindo cerca de 87 mil hectares.

Tradicionalmente, as oportunidades de arranjos ecológicos não costumam gerar retorno econômico direto e seus custos são direcionados para a implementação e manutenção da área. No entanto, retornos econômicos significativos podem ser gerados por meio de créditos de carbono, pagamento por serviços ambientais, ecoturismo e exploração sustentável de produtos florestais não madeireiros, além da promoção do aumento da produtividade agrícola nas áreas circundantes.  

Já os arranjos com fins produtivos, embora apresentem menor extensão em termos de áreas para restauração nos três territórios, são cruciais para a produção de alimentos, produtos madeireiros e nutrição animal na região, fortalecendo as cadeias produtivas e promovendo a conservação ambiental. Tais arranjos podem gerar receitas diretas para os agricultores da Caatinga, com receita média anual estimada entre R$ 28 mil e R$ 40 mil por hectare, com uma taxa de retorno do investimento que varia entre 24% e 35%, a depender do que for aplicado. Desse modo, as práticas de restauração tornam-se não apenas um projeto de restauração, mas também um componente do modo de vida local e da economia regional.

Restauração é feita a muitas mãos

A participação social é um dos pilares da ROAM, sendo essencial para promover ações de restauração. Mapeando a paisagem social e identificando as pessoas, organizações, coletivos, iniciativas e instituições presentes nos territórios, é possível compreender a dinâmica das comunidades locais e sua interação com o ambiente.  

Pessoas posam para a câmera

Esse mapeamento nos três territórios aconteceu por meio de um processo participativo que incluiu a realização de oficinas que, destacadas por uma expressiva participação feminina (52%), permitiram a definição de metas coletivas focadas na recuperação de paisagens degradadas na Caatinga. Assim, foram identificados 261 instituições, coletivos e organizações atuando em temas relacionados à restauração e conservação nos três territórios, sendo 97 no Sertão do Pajeú, 89 no Sertão do Apodi e 75 no Cariri Ocidental. Essas entidades englobam uma diversidade de organizações públicas, instituições privadas (com e sem fins lucrativos), organizações locais e representantes da sociedade civil, demonstrando um forte engajamento comunitário e intersetorial na promoção de um desenvolvimento sustentável e inclusivo.

Para conservar e restaurar a vegetação da Caatinga, garantindo segurança alimentar para a população e adaptação ao clima extremo do semiárido, é preciso incluir todos os atores presentes no bioma – desde governos federal, estaduais e municipais, passando por empresas, ONGs, até os produtores rurais e comunidades tradicionais. Colocar todos na mesa para trabalhar juntos é justamente o objetivo da Rede para a Restauração da Caatinga (Recaa), criada recentemente para promover uma restauração da Caatinga justa e inteligente, tanto do ponto de vista ecológico quanto econômico, político e social.

Fortalecer mecanismos de participação social e fomentar espaços como a Recaa para que ações de restauração ganhem escala ajudam ainda a potencializar a implementação de políticas públicas na Caatinga, uma das principais recomendações apontadas pelo estudo. Tanto no âmbito nacional quanto a nível subnacional, os três territórios avaliados contam com um marco regulatório e um rol de políticas públicas que, se implementadas com efetividade, podem contribuir com o alcance das metas definidas em cada localidade, bem como impulsionar ações significativas de restauração, conservação e sustentabilidade em toda a região.

Dedos apontados para post its.

Prioridade para a Caatinga

Apesar de todo esse potencial, a Caatinga, único bioma 100% brasileiro, acaba ocupando um papel de baixa representatividade nas políticas nacionais e no discurso público. Atualmente, conta com cerca de 80% de seus ecossistemas originais alterados e com apenas 11 áreas de proteção integral, o que é menos de 1% da região. E o cenário de desmatamento segue caminhando a passos largos: quase 178 mil hectares, uma área maior do que a do município de São Paulo, foram desmatados entre 2020 e 2021, segundo dados do Mapbiomas.

A paisagem social segue na mesma linha: a Caatinga é a região semiárida mais densamente povoada do mundo e seus municípios apresentam os mais baixos indicadores de desenvolvimento humano do país. Sua população está exposta a um clima extremo que tende a piorar com os cenários das mudanças climáticas, figurando entre os seis ambientes mais vulneráveis do mundo à variabilidade climática.  

Vegetação da Caatinga

A conservação e a restauração da Caatinga só serão eficazes se houver motivação e engajamento das pessoas. Além dos benefícios ambientais, que são extremamente importantes, essas ações também reforçam a conexão das comunidades locais com a natureza, resgatando o convívio harmônico e diversas oportunidades de geração de renda, além da melhoria das condições climáticas, do solo e da água. No entanto, políticas públicas e regulamentação de leis são fundamentais para sustentar essas estratégias, garantindo os investimentos necessários para ampliar as ações e concretizar as oportunidades.