A agropecuária brasileira tem crescido acima da média do restante da economia. Em 2022, o PIB do agronegócio no Brasil foi de R$ 2,6 trilhões – o equivalente a 25% do PIB nacional. Na Amazônia Legal, o setor também tem grande peso. Segundo estimativas do estudo Nova Economia da Amazônia, a produção agropecuária na Amazônia Legal representou em 2015 cerca de 13% do PIB da região, e 8% do PIB nacional.

Por outro lado, a agropecuária e as mudanças no uso da terra induzidas pelo setor são os maiores vetores de desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa (GEE) do Brasil. Relatório do Mapbiomas indica que apenas em 2021 foram desmatados 2 milhões de hectares (Mha) de florestas em todo o país, dos quais 1,47 milhão na Amazônia Legal. Neste mesmo ano, de acordo com o SEEG, os setores de agropecuária e mudanças no uso da terra na Amazônia Legal emitiram 1,2 GtCO2, ou 95% das emissões totais de GEE da região. Em todo o Brasil, esses setores emitiram 1,8 GtCO2, ou 74% do total das emissões nacionais. 

gráfico mostra a intensidade de carbono e desmatamento dos principais setores da economia na Amazônia Legal

A relevância da agropecuária para a economia nas próximas décadas, especialmente na Amazônia Legal, será resultado de como o setor irá responder às mudanças impostas pelo cenário climático e dos negócios como um todo. O desmatamento e a deterioração dos serviços ecossistêmicos prestados pela vegetação nativa afetam o desempenho das próprias atividades produtivas. Mais de 97% da área agrícola e praticamente 100% das pastagens na Amazônia Legal dependem exclusivamente da irrigação pluvial. Os serviços de polinização, chuvas e regulação climática prestados pelas florestas à agropecuária brasileira são estimados em cerca de US$ 30 bilhões por ano, valor semelhante aos subsídios agrícolas no Japão. A capacidade de resiliência e adaptação da agropecuária nessa transição será melhor quanto maior a disponibilidade de serviços ecossistêmicos, para os quais não há substitutos economicamente viáveis na escala em que o país precisa.

Além das questões ambientais que afetarão a produção, conglomerados globais, inclusive financeiros, têm se desvinculado de operações comerciais e de financiamento que contribuam para as mudanças climáticas e a perda de sociobiodiversidade. Nesse cenário, é essencial que a agropecuária intensifique a transição para uma produção de baixa emissão de carbono e uso estratégico do solo se quiser manter a sua relevância na economia. Além de reduzir os riscos a toda a cadeia atual do agronegócio, essa transformação é um requisito para a manutenção e conquista de novos mercados, bem como para acesso prioritário e privilegiado a financiamento internacional.

Prioridades para uma agropecuária sem desmatamento e de baixo carbono na Amazônia Legal

Uma agropecuária de baixo carbono, que combine o desenvolvimento de tecnologias tropicais – a exemplo do que a Embrapa vem realizando há 50 anos – com desmatamento zero e mais capital e trabalho, é fundamental para a sustentação da produção de alimentos, crescimento econômico e descarbonização da economia – principalmente na Amazônia Legal. É possível aumentar a produção sem aumentar a área. Algumas condições são essenciais para a realizar essa transição na região.

1. Fazer um uso muito mais estratégico do solo

Acabar com o desmatamento é a premissa básica para o cenário projetado pelo estudo Nova Economia da Amazônia. Nos últimos 36 anos, a Amazônia Legal apresentou a maior mudança no uso da terra entre todos os biomas e regiões do Brasil. Entre 1985 e 2021, a área de agricultura cresceu 6,8% ao ano, com expansão líquida de 10,3 Mha em culturas temporárias, dos quais 90% representados pela soja. O aumento das áreas de pastagens foi ainda mais notório, com crescimento anual de 3,2% e incremento líquido de 47 Mha no período. Esse crescimento foi acompanhado pela drástica eliminação da vegetação nativa. Conforme dados do Mapbiomas, 59 Mha de vegetação foram derrubados e substituídos por pastos e cultivos agrícolas na Amazônia Legal nesse período. Sete em cada dez hectares de pastagens existentes hoje na região são resultado de desmatamentos realizados nesses últimos 36 anos.

Os modelos desenvolvidos no estudo Nova Economia da Amazônia mostram que manter essa tendência nas próximas três décadas (cenário chamado de referencial) resultaria em desmatamentos líquidos de 57 milhões de hectares, montante similar ao que foi substituído por pastos e cultivos agrícolas nos últimos 36 anos, fato que levaria o bioma Amazônia rumo a um nível de degradação sem retorno.

Os resultados do estudo também apontam que seria possível zerar o desmatamento e reduzir a área de pastagem da Amazônia Legal dos atuais 67 Mha para 42 Mha em 2050, com realocação de 13 Mha para restauração florestal dirigida à bioeconomia, 9,7 Mha para agricultura em sistemas integrados e 650 mil ha para sistemas agroflorestais. A redução de área de pastagens seria compensada pela intensificação do uso de 8 Mha de pastagens altamente degradadas e de 28 Mha moderadamente degradadas, permitindo crescimento constante da produtividade em torno de 1,5% ao ano.

O uso estratégico do solo, que combina ordenamento territorial e otimização de alocação produtiva, traria benefícios diretos à geração de emprego e eficiência no uso dos fatores de produção, com retração do fator terra e substituição por capital e trabalho. Essa intensificação da agropecuária, no entanto, deve ocorrer exclusivamente em áreas degradadas e antropizadas consolidadas, com adoção prioritária de bioinsumos e de sistemas integrados de produção (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e Sistemas Agroflorestais, especialmente com espécies florestais nativas).

gráfico mostra como ficaria a distribuição do uso do solo na Nova Economia da Amazônia e no cenário referencial

Acabar com o desmatamento e promover a expansão da vegetação nativa aumentaria os serviços ecossistêmicos prestados pela floresta e geraria maior produtividade natural da terra e redução no uso de fertilizantes, compensando a expansão tradicional que substitui terras exauridas por novos desmatamentos. No cenário da Nova Economia da Amazônia, o estoque de carbono seria 19% superior, abrindo uma poupança para negociações de créditos e mercados futuros de carbono. Além disso, a perda de água por escoamento superficial seria 13% menor e haveria redução de 16% nas perdas de nitrogênio e de 18% nas perdas de fósforo do solo, reduzindo entre R$ 4,6 e R$ 8,7 bilhões os custos com a reposição de fertilizantes em 30 anos.

2. Intensificar e dar escala às práticas de baixo carbono

Para quebrar o ciclo de crescimento da agropecuária através do desmatamento, portanto, será preciso substituir a expansão pelo uso da terra por uma expansão com base em investimentos, gerando empregos nesse processo. Esse crescimento deve ocorrer pela intensificação da produção com práticas de baixa emissão de carbono em áreas antropizadas consolidadas e degradadas. Atualmente, quase 42 Mha de pastagens na Amazônia Legal estão em estágio de degradação severa ou moderada.

Para alcançar os benefícios econômicos, sociais e ambientais previstos para o cenário da Nova Economia da Amazônia, a redução da área de pastagens seria compensada por investimentos pesados em intensificação da pecuária, a tal ponto que pastagens degradadas representariam em 2050 apenas 7 milhões de hectares, ou somente 10% do que se deve esperar no cenário referencial, que segue a tendência de desenvolvimento da última década.

Uma das principais referências sobre práticas que contém metas de redução de emissões de GEE para o setor agropecuário é o Plano ABC. Apesar dos grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, os valores de crédito contratados pelo Programa ABC, braço de financiamento da agricultura do BNDES dentro do Plano ABC, são ainda muito tímidos. Entre 2013 e 2022, o crédito contratado em todo Brasil nesse programa correspondeu somente a 1,5% do total dos quase R$ 2,1 trilhões contratados no Plano Safra. Nesse mesmo período, a Amazônia Legal representou 19% das contratações totais do Plano Safra, com R$ 402 bilhões em crédito, mas apenas R$ 9 bilhões em ABC.

A Nova Economia da Amazônia traz um levantamento com dezenas de tecnologias e práticas de baixo carbono para a agricultura que poderiam ser aplicadas na região. Algumas das técnicas incluem o uso de biodefensivos e biofertilizantes, que reduz custo com insumos e exposição cambial, rotação de culturas para aumentar a qualidade do solo, mecanização de baixo carbono, entre outras. No caso da Amazônia, também será importante conciliar a agropecuária com a bioeconomia. Restaurar áreas degradadas, disseminar sistemas agroflorestais criados a partir de conhecimento, insumos e preferências locais, priorizar a conservação de mananciais e aquíferos, enfatizar a recuperação da vegetação nativa e de seus serviços ecossistêmicos.

3. Combater a desigualdade no campo começando pela agricultura familiar

A competitividade da agropecuária brasileira é fruto do aumento da produtividade com base na tecnologia, sobretudo a partir da criação da Embrapa nos anos 1970. O incremento da renda agropecuária, porém, concentrou-se em uma quantidade reduzida de estabelecimentos, deixando os produtores de pequeno porte à margem dos benefícios. O estudo mostra que os desmatamentos – equivocadamente interpretados como abertura de fronteira e necessários para gerar oportunidades de acesso à terra – não reduziram a desigualdade fundiária.

Mesmo com todas as peculiaridades da Amazônia, do nível de ilegalidade à vasta disposição de terras, a desigualdade fundiária apenas reproduziu a dinâmica do restante do país. A desigualdade resistiu até mesmo à grande diferença nos desmatamentos, contabilizados em 36 Mha na Amazônia e 14 Mha no restante do Brasil, entre 1985 e 2017, o que também refuta a tese de que o desmatamento seria o mal necessário para o combate à desigualdade fundiária.

Por outro lado, a transição para um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia Legal pode ajudar a reverter isso, priorizando a agricultura familiar nos investimentos e na geração de renda e empregos. A agricultura familiar na Amazônia Legal, definida como aquela que cumpre os requisitos de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), já representa importante dinamismo, especialmente nos indicadores caros à transição para uma economia sustentável.

Os dados do censo agropecuário apontam que a agricultura familiar detém 22% das terras existentes nos estabelecimentos rurais da Amazônia Legal – incluindo matas e florestas naturais – e produziu em 2017 o equivalente a R$ 28 bilhões, ou 17% do total de VBP, mesmo captando apenas 11% do crédito rural. Mais de 2,3 milhões de pessoas são empregadas nos estabelecimentos rurais da agricultura familiar, nada menos do que 74% de todo o pessoal ocupado na agropecuária da Amazônia Legal, participação que sobe para 82% entre os empregos femininos, ou 764 mil postos de trabalho.

Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), Assistência Técnica e Gerencial (Ateg), e políticas públicas existentes (especialmente o Pronaf e Plano ABC+) são alguns caminhos para colocar as famílias do campo em prioridade na transição da economia.

4. Conduzir a transição através do financiamento

Vencer o desmatamento e ordenar o uso da terra, massificar as técnicas e práticas de baixo carbono e reduzir a desigualdade no campo são maneiras de colocar fim ao uso indiscriminado do fator terra na Amazônia. Para fazer tudo isso, gerando empregos no processo, será preciso capital. A Nova Economia da Amazônia estimou que são necessários investimentos de R$ 442 bilhões adicionais no setor até 2050 para alcançar os resultados principais previstos no estudo. Para a agricultura, o valor total seria de R$ 765 bilhões, R$ 152 bilhões a mais do que manter o padrão de investimentos atual. Já na pecuária, o total seria de R$ 635 bilhões, sendo R$ 290 bilhões a mais.

Além das tecnologias e práticas produtivas desenvolvidas, a primeira década do Plano ABC deixou também o aprendizado de que “não existe verde no vermelho”. Ou seja, embora os produtores rurais reconheçam que a adoção de práticas e tecnologias de baixa emissão permite ganhos de produtividade (via uso mais intensivo dos recursos naturais) e frequentemente menores custos marginais e operacionais, ainda assim demanda um esforço significativo de investimentos, uma vez que implica o uso de novas tecnologias e práticas de produção.

Entre 2013 e 2022, o crédito contratado em todo o Brasil via Programa ABC correspondeu a somente 1,5% do total dos quase R$ 2,1 trilhões contratados no Plano Safra. Nesse mesmo período, 19% das contratações totais do plano ocorreram na Amazônia Legal, com R$ 402 bilhões em crédito, mas apenas R$ 9 bilhões em ABC.

Já o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) representou 19% do valor total contratado no Brasil, mas somente 11% foi contratado na Amazônia Legal, cerca de R$ 44 bilhões. Linhas específicas para agricultura familiar, como Pronaf Eco, Pronaf Floresta e Pronaf Agroecologia somaram menos de 0,5% do total contratado no Programa ABC em todo Brasil, com participação ligeiramente superior na Amazônia Legal, de 0,9% ou R$ 410 milhões.

Portanto, somando todos os programas direcionados à agricultura de baixa emissão, foram contratados na Amazônia Legal somente R$ 9,4 bilhões em 10 anos, 2,3% do total contratado na região no Plano Safra.

Para transformar a agropecuária na Amazônia Legal de acordo com os critérios já descritos, será preciso redirecionar a disponibilidade de crédito rural transformando paulatinamente o Plano Safra em Plano de Agropecuária de Baixa Emissão de Carbono (ABC+). Se o volume atual de crédito contratado na região fosse anualmente aplicado apenas em agropecuária de baixo carbono, seria suficiente para financiar 40% dos investimentos necessários à transição para a NEA nos setores agrícola e pecuário.

O Plano Safra lançado em 2023 tem um volume de recursos superior em relação a 2022, e trouxe importantes incentivos novos, com o fortalecimento dos sistemas de produção ambientalmente sustentáveis, redução nas taxas de juros para recuperação de pastagens e premiação para os produtores rurais que adotarem práticas agropecuárias mais sustentáveis. Será preciso aumentar ainda mais a ambição para que todas as atividades agropecuárias na Amazônia Legal sejam de baixo carbono nas próximas décadas.