A cidade de Sharm El Sheikh, no Egito, se prepara para realizar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, a COP27, entre 6 e 18 de novembro. A conferência avança nas negociações da COP26 em Glasgow, Escócia, em 2021, com a expectativa de que os países mostrem ambição climática e urgência para limitar o aumento da temperatura do planeta em até 1,5°C.

A COP27 acontecerá ao fim de um ano marcado por eventos extremos em países como Paquistão, França e Reino Unido, mas também pelo início da guerra na Ucrânia que colocou em questionamento os planos de transição energética da Europa. O grande desafio desta década será equilibrar as prioridades climáticas e humanas, como acesso à energia e alimentos – é justamente nas conferências do clima que esses assuntos se encontram.  

Nesse contexto, as negociações serão centralizadas em alguns temas cruciais para a justiça climática, como a necessidade de financiamento específico para perdas e danos – aqueles que não são mais possíveis de evitar ou adaptar – e a garantia de recursos da ordem de US$ 100 bilhões por ano para financiar ações em países em desenvolvimento. Além disso, é crucial que todos os países continuem aumentando a ambição dos compromissos de combate às mudanças climáticas, já que os atuais são insuficientes para cumprir a meta de 1,5°C.

O Brasil chega a COP27 em meio a questionamentos sobre sua atuação nas conferências dos anos anteriores, com cobranças sobre a ambição das metas apresentadas no seu mais recente compromisso climático, que no jargão das COPs chama-se NDC, ou Contribuição Nacionalmente Determinada. Apesar disso, se bem aproveitada, a COP27 pode abrir portas importantes para país não só na área ambiental, mas também econômica. 

Veja alguns temas essenciais para o Brasil que merecem ser acompanhados de perto nesta COP27.

1) As metas brasileiras precisam crescer em ambição e transparência

Os compromissos assumidos pelos países no Acordo de Paris – as NDCs– são o principal instrumento para medir o que cada país propõe para enfrentar as mudanças climáticas. O acordo prevê que os países aumentem a ambição dessas metas ao longo do tempo.

Em suas últimas participações nas COPs, no entanto, o Brasil não aumentou a ambição de suas metas, entrando para a lista dos países estagnados na ação climática. O aumento das emissões de gases de efeito estufa mesmo durante a pandemia de Covid-19 e o constante aumento do desmatamento reforçam essa percepção e apontam um retrocesso.

O Brasil chega nesta COP27 com uma NDC submetida em março de 2022 com os seguintes compromissos: redução das emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025 e 50% em 2030 comparado às emissões de 2005, almejando alcançar neutralidade de carbono até 2050. Em função de mudanças pela evolução do inventário nacional, como explicamos aqui, a atual NDC ainda possui, virtualmente, a mesma ambição daquela submetida em 2016 para o ano de 2050.

Segundo a ferramenta Climate Action Tracker, esses compromissos estão aquém do necessário para alcançar a meta de 1,5°C e não correspondem com a proporção de redução de emissões que cabe ao Brasil.

Apesar do cenário de estagnação, ainda está em tempo do Brasil apresentar compromissos correspondentes com a ambição climática necessária para colocar o mundo na rota de limitar as mudanças climáticas, reassumindo o papel histórico de liderança nas negociações que já teve no passado.

2) Atenção aos mercados de carbono regulado e voluntários

Para garantir a redução de emissões e criar uma forma de compensar financeiramente os países que menos emitem (ou mantêm suas florestas em pé), é preciso criar mecanismos inovadores de investimentos. Um desses mecanismos é o mercado de carbono. Regras de regulamentação do mercado internacional avançaram na COP26, mas a implementação permanece em aberto.

O Brasil é um dos países com grande potencial de exploração do mecanismo, por isso a diplomacia tem acompanhado de perto as negociações em torno da regulamentação dentro do Acordo de Paris. A criação e o estabelecimento de regras para os mercados regulados, seja no âmbito internacional ou nacional, pode ajudar a dar qualidade ao crédito negociado, mas também salvaguardas sociais.

A existência de um mercado regulado forte com instrumentos de Monitoramento, Registro e Verificação (MRV) robustos tende a influenciar os mercados voluntários domésticos, cujos projetos atualmente não possuem padronização em sua atuação, o que pode gerar distorções importantes, em especial na repartição de benefícios. Um decreto previu a instituição do mercado de carbono no país, contudo a implementação ainda não começou.

3) A natureza tem um papel crucial – e pode atrair investimentos climáticos

No universo das COPs, as crises climática e de perda de biodiversidade são tratadas separadamente e cada uma tem sua própria conferência (a de biodiversidade acontecerá no Canadá em dezembro). Porém, em países biodiversos como Brasil, onde a mudança do uso da terra é responsável por 46% das emissões de gases de efeitos estufa, as duas crises estão intrinsicamente ligadas. Inclusive suas soluções, o que faz o país um lugar estratégico para investimentos verdes e climáticos.

O papel das florestas e da biodiversidade entrou no circuito das negociações climáticas na COP26 em Glasgow, com a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo. Mais de 100 países se comprometeram a parar e reverter o desmatamento e a degradação das florestas do mundo, incluindo o Brasil. No entanto, o desmatamento cresceu constantemente nos últimos anos, especialmente na Amazônia. Neste ritmo, será impossível zerá-lo até 2028, conforme o governo brasileiro sinalizou na COP26. Combater o desmatamento apenas a partir da retomada e intensificação do combate às ilegalidades não será suficiente. É preciso promover uma nova bioeconomia capaz de gerar renda e emprego para as populações, com agregação de valor e lucro a partir dos processos produtivos da floresta em pé.

As Conferências do Clima são fóruns importantes para os países sinalizarem as suas prioridades a investidores cada vez mais preocupados com a questão ambiental e social. O capital necessário para uma mudança na trajetória econômica da Amazônia existe, mas para atraí-lo, o Brasil precisará não apenas de um ambiente institucional diferente, mas de ações concretas e resultados.

Nesta COP27, o Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal terá um espaço próprio para destacar agendas subnacionais relacionadas a temas como bioeconomia, restauração e agricultura de baixo carbono. Um dos objetivos é atrair financiamento climático para impulsionar essa nova economia da Amazônia. Soluções Baseadas na Natureza (SBN) nos grandes centros urbanos e no entorno das cidades também têm grande potencial de aliar a natureza com a mitigação e adaptação climática, abrindo um novo caminho para investimentos nacionais e internacionais no Brasil.

Urgência e ambição

A COP27 no Egito não será um dos grandes momentos de assinatura de acordos multilaterais internacionais, como o Acordo de Paris. Porém, marcará mais um importante passo nas negociações para conseguir limitar as mudanças do clima.

O que a sociedade espera é que os países presentes na conferência façam jus à ambição e urgência necessárias, adotando medidas contundentes e levando em consideração a justiça climática e os direitos das pessoas, especialmente povos indígenas e comunidades mais afetadas pelos impactos das mudanças no clima.

O Brasil pode desempenhar um papel duplamente positivo nesse processo, aumentando sua ambição e fazendo sua parte para combater o aquecimento global e, assim, atrair recursos e financiamento para uma nova economia de baixo carbono, especialmente na região amazônica. Para isso, precisa estar disposto alterar a trajetória de desenvolvimento e a assumir um papel de protagonismo nas negociações.