Meta brasileira de antecipar a neutralidade climática é gesto importante, mas contradiz as ações climáticas atuais do governo
Em discurso durante a Cúpula dos Líderes sobre o Clima, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, apresentou novas medidas e reiterou metas anteriores em relação à ação climática.
O governo brasileiro se comprometeu a atingir a neutralidade climática em 2050 em vez de 2060; eliminar o desmatamento ilegal até 2030 e aumentar recursos para medidas contra o desmatamento; e manter a meta da NDC de redução de 43% das emissões de GEE até 2030, comparado aos níveis de 2005.
A seguir, posicionamento de Carolina Genin, diretora de Clima do WRI Brasil, sobre o anúncio:
“O discurso do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima foi um gesto positivo na direção da ação climática. No entanto, não houve um aumento na ambição como seria necessário, nem foram apresentadas informações claras sobre como e quando serão implementadas as medidas anunciadas.
“O anúncio mais importante foi a decisão de avançar no objetivo de longo prazo do Brasil para atingir neutralidade climática em 2050 em vez de 2060. Na NDC de 2020, o Brasil tinha se comprometido com a neutralidade climática em 2060 com a possibilidade de cumprir em 2050 condicionada ao funcionamento de mecanismos de mercado de carbono. Com o anúncio, a meta de 2050 precisa ser formalizada e submetida novamente à UNFCC em uma versão atualizada da NDC, assim como uma meta mais ambiciosa para 2030 que esteja em linha com o caminho para emissões líquidas zero até a metade do século. Além disso, é essencial detalhar os planos e medidas para atingir esse objetivo de longo prazo e atestar que esse objetivo não está condicionado a apoio externo.
“No texto oficial do discurso, Bolsonaro também reafirmou o compromisso da NDC brasileira de reduzir as emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030. Apesar de essas serem as mesmas metas da NDC submetida em 2015, em termos absolutos elas representam menos ambição. Isso ocorre por conta de um ajuste nas emissões do ano de 2005, que é a linha de base para a meta. Na prática, esse ajuste significa um aumento de emissão de 400 MtCO2e até 2030. Se o Brasil pretende manter o mesmo nível de ambição para 2030, o país deveria ter ajustado a meta para 57% em vez de 43%. Mesmo manter essa meta não seria aceitável. Países precisam aumentar a ambição e apresentar metas mais fortes para limitar as mudanças climáticas.
“O presidente Bolsonaro também destacou em seu discurso algumas políticas e medidas para atingir a meta de redução de emissões, como a retomada do compromisso anterior de zerar o desmatamento ilegal até 2030 junto com a implementação do Código Florestal, fortalecimento de medidas de comando e controle na Amazônia e investimentos em regularização fundiária e bioeconomia, valorizando a floresta e a biodiversidade e respeitando os interesses dos povos indígenas. Mercados de carbono e pagamentos por serviços ambientais seriam críticos para fazer isso acontecer a tempo. Todos esses passos representam um bom caminho para a mitigação climática e seriam um importante passo para qualquer governo.
“A questão não respondida, entretanto, é quando e em quais condições essas medidas serão executadas, uma vez que esses planos contradizem muitas das decisões ambientais tomadas pelo governo nos últimos dois anos. Desmatamento ilegal zero é um comprometimento que estava presente na NDC de 2015 e foi removido da versão submetida em dezembro de 2020. Medidas de comando e controle que provaram ser eficazes contra o desmatamento nas últimas duas décadas foram flexibilizadas pelo governo atual, e novas medidas ainda não foram implementadas. O presidente Bolsonaro afirmou que determinou o aumento dos recursos para a fiscalização do desmatamento, mas até o momento não há medida assinada nessa direção. Além disso, as propostas de regularização fundiária e de terras indígenas da equipe do governo são controversas – o que vai mudar neste cenário é uma questão ainda não respondida. Como a líder indígena brasileira Sinéia Wapichana disse na Cúpula, após o presidente, as mudanças climáticas já são uma realidade em territórios indígenas, e respeitar os direitos constitucionais dos povos originários e a legislação ambiental brasileira é crucial para enfrentá-las.
“Se os comprometimentos apresentados pelo Brasil forem traduzidos em ações mensuráveis, o país terá a oportunidade de rapidamente retornar à vanguarda dos líderes climáticos, atraindo recursos financeiros internacionais para proteger seu capital natural e apoiar uma retomada econômica verde capaz de criar empregos e gerar desenvolvimento social para os brasileiros.”
Following is a statement from Carolina Genin, Climate Director, WRI Brasil:
“President Jair Bolsonaro’s speech at the Leaders Summit on Climate was a gesture towards positive climate action. Nevertheless, it did not raise ambition as needed, nor clearly state how and when Brazil will implement the targets and measures announced.
“The most important announcement was the decision advancing Brazil’s long-term objective of reaching climate neutrality to 2050 from 2060. In its 2020 NDC, Brazil had pledged to reach climate neutrality by 2060, and conditioned reaching this goal by 2050 on the proper functioning of carbon market mechanisms. The 2050 goal would now need to be formalized in an updated version of the NDC – setting a more ambitious target for 2030 to align with a pathway to net zero by 2050 – and submitted once again to the UNFCCC. In addition, it would be essential to detail plans and measures showing how this long-term goal will be reached and state that this objective would not be conditional on external support.
“In the official speech text, President Bolsonaro also reaffirmed Brazil’s NDC commitment with reduction targets of 37% by 2025 and 43% by 2030. Although these are the same targets originally stated in the 2015 NDC submission, in absolute terms they are less ambitious. This is due to an adjustment in the 2005 base year emissions. The updated NDC now increases the amount of GHG emissions that Brazil is expected to emit in 2030 by 400 MtCO2e. If Brazil intended to keep the same level of ambition for 2030 as stated in its 2015 NDC, the country should have adjusted its commitment and pledge to reduce GHG emissions by 57% instead of 43% by 2030. Even keeping this weak target is unacceptable; countries should not be stagnating but instead moving forward towards stronger targets.
“President Bolsonaro also highlighted in his speech some policies and measures on how to achieve the emissions reductions, including reiterating previously stated goals for zero illegal deforestation by 2030 together with full implementation of the Forest Code (the main Brazilian legislation on forest protection); top-up of Command and Control measures against deforestation; investments in land governance and bioeconomy; valuing Brazil´s forest and biodiversity; and respecting the interests of Indigenous and traditional communities. Carbon markets and payments for ecosystem services would be critical financial mechanisms to make it happen in due time. All these steps represent a good roadmap for climate mitigation and would be an important move for any administration.
“The unanswered questions are when and under what conditions these measures would take place since such actions contradict many of the environmental decisions taken by his administration in the last two years. Zero illegal deforestation was a commitment present in Brazil´s first NDC (2015) and was removed from the new version submitted to the UNFCCC in December 2020. Law enforcement measures proven effective in curbing deforestation in the last two decades were relaxed by the current administration, but new effective measures have yet to be implemented. President Bolsonaro affirmed he ordered to increase financial resources for Command and Control, but so far no executive order has been signed on this direction. Moreover, the land governance proposals of Bolsonaro´s environmental team for land tenure and Indigenous territories are highly controversial – what will change is an important question. As the Indigenous Brazilian leader Sinéia Wapichana said at the Summit right after the president, ‘Climate change is already a reality in Indigenous territories and respecting Indigenous Constitutional rights and Brazil´s environment legislation is critical to fight it.’
“If Brazil’s pledges are translated into action with measurable results, the country has the opportunity to quickly return to the forefront of climate leaders, attract financial support to protect its natural capital and support a green economic recovery capable of producing jobs and social development for its people.”