Enquanto a pandemia de Covid-19 interrompe a mobilidade urbana em todo o mundo, mais e mais cidades estão transformando as suas ruas para aumentar o espaço para pedestres e bicicletas e reduzir o uso de carros durante e após a pandemia. Essas mudanças são pensadas para ajudar as pessoas a se deslocar enquanto mantêm o distanciamento, mas também podem ajudar as cidades na transição para um futuro mais resiliente, conectado e de baixo carbono.

Isso é algo bom para as pessoas, as cidades e o planeta. Além de distribuir de forma mais justa os espaços públicos entre as pessoas e os carros e aumentar a segurança de quem caminha e pedala, essas transformações nas ruas podem trazer benefícios mais amplos para a saúde pública, a economia local, a inclusão e o enfrentamento às mudanças climáticas.

Para o conceito de Ruas Completas, o momento atual pode representar um ponto de inflexão após anos ganhando força. E este processo de cidades adotando um redesenho viário inclusivo tem muito a ensinar para outras soluções urbanas potencialmente transformadoras que especialistas lutam para disseminar.

Mas nem todos os redesenhos viários são bem-sucedidos no longo prazo. A partir da nossa experiência trabalhando para testar, realizar pilotos e implementar intervenções de Ruas Completas em mais de 20 cidades brasileiras, reunimos lições aprendidas sobre como criar mudanças de impacto e duradouras. Essas experiências podem ajudar cidades que buscam adotar soluções similares em resposta à Covid-19, bem como outros projetos que buscam transformar as cidades em grande escala.

Comece pequeno para gerar um grande impacto

Mudanças no desenho viário em pequena escala, rápidas e acessíveis podem gerar um grande impacto. O urbanismo tático, que pode incluir pintura de novas áreas para pedestres, instalação de mobiliário urbano de baixo custo ou criação de parklets em espaços públicos, pode servir como um catalisador para mudanças amplas. Feito com o engajamento da comunidade – especialmente aqueles que vivem, trabalham ou usam a rua com frequência –, o urbanismo tático permite às pessoas experimentarem o novo desenho antes que as mudanças permanentes sejam implementadas e aprendam sobre os benefícios, o que muitas vezes constrói um apoio forte para mudanças futuras. Ver é acreditar.

Essa estratégia se mostrou efetiva para a implementação de projetos de Ruas Completas no Brasil. Projetos foram executados mais rapidamente pois as mudanças não eram necessariamente permanentes e poderiam ser revertidas. Dados coletados durante projetos-piloto frequentemente mostraram benefícios tangíveis, fazendo com que mais pilotos fossem convertidos em mudanças permanentes. Conquistas rápidas também encorajaram as autoridades a tentar projetos similares em outras partes da cidade, até mesmo aumentando o escopo das mudanças para terem um impacto ainda maior.

Quando executadas de uma forma que é compreensível para a população e com um plano para o futuro – seja apenas um plano de manutenção para uma intervenção simples ou a implementação de uma infraestrutura permanente –, o urbanismo tático pode ser um aliado forte de transformações urbanas positivas ao ganhar a confiança das pessoas, oferecendo um espaço para aprendizado e mantendo os tomadores de decisão e usuários receptivos e motivados ao verem ganhos rápidos.

Ganhe suporte através de coalizões de cidades

Com a lista crescente de desafios enfrentados pelas cidades, é mais importante do que nunca que elas compartilhem experiências e possam entender o que funcionou em outros lugares. O WRI Brasil, junto com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), criou uma rede de cidades que trabalham juntas para implementar ruas completas no país. Graças a essa coalizão, o número inicial de cidades trabalhando em projetos de ruas completas já dobrou de dez, em 2017, para 21 hoje.

Tais redes permitem aos planejadores urbanos o compartilhamento de desafios e lições aprendidas, ajudando uns aos outros a superar problemas locais e a entregar melhores projetos. Como um grupo, eles acabam avançando seus projetos mais rapidamente, empurrando uns aos outros e agindo um pouco como um time focado em uma visão compartilhada de como melhorar as ruas para os cidadãos.

O sucesso das coalizões depende basicamente de dois aspectos. Primeiro, uma boa estrutura de governança que permita uma relação amigável entre cidades participantes e a organização que as coordena. Reuniões online de acompanhamento frequentes, a criação de uma plataforma de fácil acesso para compartilhamento de experiências (como um grupo no WhatsApp) e a organização de reuniões presenciais periódicas para diálogos mais profundos ajudam as pessoas a se sentirem conectadas e motivadas. Construir confiança é essencial para atingir resultados tangíveis, estimulando um fluxo contínuo de atividades pelos diferentes atores.

Segundo, é importante manter a rede engajada. Lançar pequenas tarefas, como desenvolver projetos-piloto ou apresentar boas práticas em webinars, ajuda a criar uma competição saudável entre as cidades. Comunicar as realizações ao público também ajuda a recompensar bons membros e criar ciclos de feedback positivos.

Esteja pronto para momentos de mudança, mas preste atenção aos detalhes também

É comum que autoridades das cidades se frustrem quando bons projetos são engavetados por anos devido à relutância em desafiar o status quo, ou quando um há troca no governo e os projetos em andamento são pausados devido a prioridades políticas diferentes. Urbanismo tático e redes de cidades têm ambas ajudado a acabar com esta dinâmica no Brasil ao reduzir o nível de exigência para o começo de um projeto e ao torná-los perenes para além da agenda de um ou outro prefeito.

Interrupções externas também podem ser um estímulo à mudança, criando momentos em que novas mudanças são procuradas em vez de rejeitadas. A Covid-19 mudou drasticamente a forma como as cidades trabalham enquanto quarentenas e lockdowns introduzem novas regras para se movimentar e viver nas cidades. Os benefícios das ruas completas e dos redesenhos táticos são mais evidentes do que nunca devido às mudanças nos padrões de mobilidade, à diminuição dos carros nas ruas e à necessidade de mais espaço para o transporte não-motorizado. Tomadores de decisão em Milão, Paris, Seattle e várias outras cidades estão reconhecendo isso e incluindo na reação à Covid-19 a introdução de desenhos urbanos mais amigáveis para pedestres e ciclistas. E as mudanças estão sendo implementadas não somente para melhorar o uso do espaço público, mas também pelo potencial que a caminhada e a bicicleta têm de contribuir para uma cidade mais sustentável e boa para se viver – em resumo, pelos seus potenciais de transformação.

Embora transformações urbanas possam ser implementadas com rapidez, elas ainda devem ter projetos de boa qualidade e bem adequados ao contexto para serem bem-sucedidas a longo prazo. Por exemplo, em regiões de altas velocidades, usar somente barreiras visuais para separar ciclistas e pedestres de carros pode colocar as pessoas em risco. Nesses casos, são necessários esforços para a redução das velocidades conduzidos de forma coordenada com as mudanças nas ruas, bem como a clara sinalização para que todos os usuários, incluindo os motoristas, entendam a nova dinâmica da rua. Desenhar interseções seguras que incorporem as novas dinâmicas das ruas e conectem a nova infraestrutura a infraestruturas já existentes para pedestres e bicicletas também são elementos-chave para garantir que tudo seja conectado a uma rede de mobilidade urbana mais ampla. Pode levar mais tempo para acertar esses detalhes, mas eles ajudam a garantir o sucesso e a sustentabilidade de um projeto.


Estamos vivendo um período de transição que pode levar a muitas transformações urbanas. Pessoas irão se deslocar, trabalhar e viver de formas diferentes por algum tempo. Direcionar para pedestres e bicicletas uma parcela maior do espaço público urbano hoje dedicado aos carros beneficia as cidades de múltiplas maneiras. Cidades mais compactas e conectadas são mais saudáveis, sustentáveis, inclusivas e produtivas, com potencial de gerar mais de US$ 24 trilhões em benefícios até 2050. Mas as cidades que se beneficiarão mais dessas mudanças serão aquelas que se adaptarem mais rápido e forem mais capazes de sustentar mudanças transformadoras.