Antes da Covid-19, Porto Alegre devolveu rua para pedestres com urbanismo tático
O urbanismo tático tem sido um aliado das cidades para oferecer mais espaço para pedestres e bicicletas no enfrentamento da Covid-19. No Brasil, a prática já era uma realidade antes da pandemia. Nos últimos anos, cidades criaram Ruas Completas com intervenções rápidas e de baixo custo para transformar o desenho de vias e calçadas. É o que aconteceu em Porto Alegre, que em 2019 transformou a rua João Alfredo, ampliando suas calçadas e reduzindo a velocidade dos carros.
Conhecida pela agitação noturna, a João Alfredo é uma das principais vias do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Durante o dia, o cenário é completamente diferente: quase não há estabelecimentos comerciais abertos. Calçadas estreitas e pouco espaço destinado a pedestres contribuíam para a sensação de insegurança que afasta as pessoas da rua.
No início de 2019, conflitos recorrentes entre moradores e clientes das casas noturnas, assim como a falta de segurança pública e viária, faziam da João Alfredo um desafio para o poder público. Para gerar impacto rápido, a prefeitura escolheu a via para se tornar uma Rua Completa por meio da realização de um piloto de urbanismo tático.
Novas travessias para pedestres, ilhas de refúgio, extensões de calçadas com pintura e uma nova rotatória foram adicionadas para aumentar a segurança viária – e são uma mudança positiva para as ruas também diante da necessidade de distanciamento social.
Além de segurança, a intervenção buscou transformar o espaço público em um espaço mais confortável e acolhedor para pedestres e bicicletas. São medidas que tornam as ruas mais humanas, seguras e vibrantes, reduzindo a velocidade dos carros e favorecendo modos ativos de transporte.
Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil
Antes de realizar essas mudanças, a cidade testou o novo desenho com cones para assegurar que carros, ônibus e outros veículos conseguiriam trafegar adequadamente.
Em um primeiro momento, cidade testou desenho com cones. Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil
Dias após o teste, balizadores e tachões foram implementados e as novas áreas para pedestres pintadas e formalizadas (rampas de acessibilidade nas interseções estão planejadas para uma intervenção definitiva no futuro). Uma vantagem do urbanismo tático – muito significativa diante da crise econômica agravada pela Covid-19 – é o custo relativamente baixo. A prefeitura já dispunha de balizadores a tachões, bem como tinta azul e amarela, as quais misturou para obter o verde com o qual pintou as extensões de calçadas.
Urbanismo tático emprega materiais baratos como tinta e tachões (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Para apresentar o novo desenho da interseção para a comunidade e encorajar o novo uso do espaço, a cidade organizou um evento de rua aberta com uma série de atividades para crianças e residentes do bairro. Estudantes de universidades locais realizaram uma exposição de projetos de Ruas Completas elaborados por eles.
Evento de rua aberta envolveu comunidade e compartilhou projetos (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
O evento incluiu atividades culturais e educativas para engajar a comunidade, como música ao vivo e empréstimo de bicicletas compartilhadas e patinetes. Uma campanha educacional promovida pelo órgão de trânsito de Porto Alegre ensinou noções de segurança viária.
Crianças puderam passear de bicicleta e aprender sobre segurança (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Atividades para crianças ajudam a conscientizar as próximas gerações de que a rua não é só para os carros, mas também para as pessoas, contribuindo para tornar os espaços públicos mais seguros.
Os pequenos também foram convidados a pintar uma nova rotatória na via (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Pesquisas realizadas durante o evento da rua aberta permitiram diagnosticar os principais problemas existentes. Por meio de questionários foram coletadas informações a respeito de padrões de viagem, considerando tópicos como conforto e segurança. O questionário deve ser aplicado novamente no futuro para que os resultados sejam comparados.
A primeira parte da intervenção teve repercussão majoritariamente positiva, o que levou a cidade a anunciar a ampliação para mais partes da rua.
Interseção na Rua João Alfredo que foi redesenhada na segunda fase do projeto de urbanismo tático (foto: Daniel Kener)
Nos meses seguintes, Porto Alegre estendeu a intervenção para o restante da via, ampliando o impacto na redução das velocidades praticadas – fator chave na redução de acidentes de trânsito – e envolvendo mais a comunidade no processo de redesenho.
Faixas mais estreitas tornam travessias mais seguras (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Com as extensões de calçada, as faixas para os veículos ficaram mais estreitas, reduzindo a velocidade do tráfego e o tempo de travessia dos pedestres. Essas mudanças são especialmente importantes para crianças e idosos – esta região tem diversas escolas.
Dois meses após a conclusão da intervenção, quando os motoristas já estavam acostumados com o novo desenho viário, o WRI Brasil mediu velocidades em três interseções e comparou os resultados com medições realizadas pela EPTC, a autarquia de trânsito da cidade, em 2017. A redução de velocidade nas interseções foi muito significativa: de 40km/h a 50 km/h, em média, em 2017, para 15km/h a 30 km/h após a intervenção.
Redução de velocidades nas interseções foi muito significativa (foto: Daniel Kener)
Mobiliário urbano com apoio da comunidade
Prefeitura, WRI Brasil e outras organizações como o Engenheiros Sem Fronteiras e o Pão dos Pobres trabalharam juntos na elaboração do mobiliário urbano da via. A prefeitura recebeu o material através de doações e os alunos do curso de carpintaria do Pão dos Pobres fizeram estruturas para a criação de áreas de permanência, que tornam o espaço mais ativo estabelecendo pontos na via nos quais as pessoas podem relaxar e passar mais tempo.
Em novembro de 2019, com a entrega do novo mobiliário urbano marcando a conclusão do projeto-piloto na intervenção de urbanismo tático da João Alfredo, a cidade fechou o tráfego da rua por um dia para um evento de Rua Aberta, promovendo o novo espaço como uma área segura e acessível para todos.
Parte do mobiliário foi construída por alunos de organização local (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Crianças pintaram o novo desenho da rotatória, árvores foram plantadas em vasos doados e o órgão de trânsito realizou mais uma atividade de conscientização sobre segurança no trânsito.
Antiga rotatória recebeu nova pintura (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Em espaços que normalmente possuíam poucos pedestres em trânsito, pessoas sozinhas ou em grupos começaram a passar mais tempo, aproveitando a nova rua mais segura e receptiva.
Pessoas aproveitam o novo mobiliário (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
É importante que Porto Alegre torne as intervenções definitivas e inclua rampas de acessibilidade que ficaram de fora da implementação de urbanismo tático. O sucesso do primeiro piloto de Rua Completa em Porto Alegre serve de inspiração para mais intervenções agora que a Covid-19 impõe novos desafios, como a situação fiscal das cidades ainda mais fragilizada, por exemplo. As intervenções de baixo custo, com o envolvimento das comunidades locais, podem tornar as ruas e espaços públicos mais acessíveis e seguros para quem caminha e pedala, com mais espaço para o distanciamento social necessário.
Próximo passo é tornar intervenções definitivas e melhorar acessibilidade (foto: Daniel Kener)
Porto Alegre é uma das 21 cidades participantes da Rede Nacional para Mobilidade de Baixo Carbono dentro do Programa Ruas Completas, criado pelo WRI Brasil em parceria com a FNP em 2017. São Paulo, Salvador, Juiz de Fora, Campinas, Curitiba e São José dos Campos são algumas das outras cidades que também já completaram seus primeiros pilotos de Ruas Completas utilizando ou não a estratégia de urbanismo tático. Outras cidades da rede possuem projetos com obras em andamento.
Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil