Quando a pandemia de Covid-19 estourou, a preocupação com a transmissão do vírus no transporte coletivo levou muitas pessoas a optarem por outras alternativas de mobilidade – principalmente pedalar. A bicicleta ganhou popularidade tanto para uso recreativo quanto como meio de transporte, uma tendência especialmente evidente nos Estados Unidos, no México, na Colômbia, na Alemanha e na França. Nos casos de França, Alemanha e Estados Unidos, a média semanal de uso da bicicleta aumentou respectivamente em 4%, 7% e 20% em relação aos números de 2019.

Para acomodar essa mudança nos padrões de mobilidade, muitas cidades implementaram novas ciclovias. Na América Latina, Bogotá construiu uma rede de 84 quilômetros, Lima adicionou 46 quilômetros à sua malha e Buenos Aires anunciou planos para a implementação de 60 quilômetros. Paris, por sua vez, acrescentou 50 quilômetros à sua rede. Um estudo recente analisou mais de mil ações relacionadas à Covid-19 implementadas por 500 cidades, estados e governos nacionais em todo o mundo entre março e agosto de 2020. O trabalho registrou mais de 400 casos de realocação do espaço viário para bicicleta e caminhada.

<p>gráfico mostrando aumento de medidas pró-bicicleta durante pandemia</p>

Ajustes no espaço viário em resposta à Covid-19. (Fonte: Combs e Pardo (2021))

Mas nem todas as ciclovias são construídas mesma forma. Muitas dessas ciclovias são instaladas de forma provisória (também chamadas pop-up), como uma resposta emergencial, nem sempre contam com os atributos de segurança – como limites de velocidade seguros, proteção física contra o tráfego de veículos e integração à rede cicloviária – necessários a longo prazo. Até o momento em que este texto foi escrito, dos novos compromissos de Bogotá, Lima, Buenos Aires e Paris, apenas os da capital argentina foram pensados para se tornarem permanentes – e apenas 17 dos 60 quilômetros anunciados foram concluídos até agora.

À medida que cidades e países entram e saem de quarentenas e lockdowns, construir redes cicloviárias seguras pode ser uma solução eficaz e sustentável tanto para manter quanto para estimular a atividade econômica e, ao mesmo tempo, reduzir as infecções de Covid-19. Como parte de treinamentos virtuais recentes para o Desafio Visão Zero, uma iniciativa que apoia 24 cidades na América Latina e no Caribe a implementarem as abordagens de Visão Zero e Sistemas Seguros, nós exploramos algumas considerações essenciais para fazer de instalações cicloviárias emergentes infraestruturas permanentes. A seguir, estão três passos-chave para transformar a infraestrutura cicloviária para além da pandemia.

1. Adaptar o espaço viário existente por meio do urbanismo tático

Os participantes do Desafio Visão Zero se mostraram especialmente interessados em como as ciclovias poderiam ser adaptadas ao espaço viário limitado de suas cidades.

<p>gráfico com dúvidas sobre infraestrutura cicloviária</p>

Uma das principais preocupações dos participantes do Desafio Visão Zero era como usar o espaço viário já existente. (Fonte: WRI)

Anders Hartmann, consultor sênior de segurança viária da Asplan Viak, ofereceu algumas percepções da experiência de Oslo em adaptar infraestruturas já existentes. A capital norueguesa, Hartmann explicou, é formada principalmente por ruas estreitas, mas a cidade abriu espaço para ciclovias convertendo algumas vias de duas mãos para apenas uma e tornou o trânsito mais seguro reduzindo a largura das faixas e o raio de conversão nas esquinas, forçando os motoristas a desacelerar. O caso de sucesso de Oslo é particularmente significativo porque a cidade alcançou a marca de nenhuma morte de pedestres, ciclistas ou crianças em acidentes de trânsito em 2019, o primeiro marco desse tipo para uma cidade grande.

Ciclovias “pop-up” são outro exemplo de como usar intervenções temporárias de urbanismo tático para dar outros propósitos ao espaço viário e criar infraestruturas adaptáveis e flexíveis para espaços limitados. O urbanismo tático permite que as cidades testem o impacto das mudanças monitorando o uso, a segurança e os efeitos no sistema de mobilidade da cidade como um todo antes de ajustar o desenho para tornar as mudanças permanentes. Com base na ampla experiência do WRI com intervenções de Ruas Completas, essa abordagem pode ajudar a construir um sentimento de pertencimento e aceitação entre a comunidade, tem baixo custo e gera o embasamento e as evidências necessárias para facilitar as mudanças permanentes.

2. Reduzir as velocidades e acalmar o tráfego

Painelistas no treinamento do Desafio Visão Zero afirmaram que as cidades que planejam implementar ciclovias permanentes precisam considerar estratégias de gestão da velocidade para assegurar uma rede de mobilidade segura e eficiente para os ciclistas. Velocidades abaixo dos 30 km/h diminuem drasticamente o risco de morte de pedestres e ciclistas, de 85% a 50 km/h para 10% a 30 km/h.

Muitas cidades já agiram para reduzir os limites de velocidade, em especial em áreas onde carros, ciclistas e pedestres entram em conflito com frequência. Bogotá já tem reduzido limites de velocidade por anos. E em Bruxelas, entrou em vigor no início deste ano o limite de 30 km/h para todo o território, em uma aposta para aumentar a segurança dos usuários mais vulneráveis. Muitas outras cidades europeias também trabalharam para reduzir os limites de velocidade para 30 km/h ao longo do último ano, incluindo cidades na Espanha e na França.

No entanto, apenas reduzir os limites de velocidade não é suficiente. Nos Estados Unidos, as velocidades aumentaram de forma dramática durante os lockdowns da Covid-19. Medidas físicas de tráfego calmo como interseções e travessias elevadas, lombadas e speed cushions (“almofadas de velocidade”, uma espécie de lombada), disponibilização de menos faixas e o estreitamento das vias nas interseções ajudaram a limitar as velocidades praticadas pelos veículos. Uma vez que medidas adequadas de controle de velocidade são postas em prática, as cidades precisam considerar modelos de ciclovias adequados a cada tipo de rua e limite de velocidade na hora de tornar permanentes as infraestruturas temporárias.

<p>tipos de infraestrutura cicloviária</p>

Aspectos do projeto de ciclovias (Fonte: WRI)

Determinados recursos de design são cruciais para melhorar a segurança. Esse conjunto inclui largura mínima de três metros para ciclovias de mão única em vias arteriais; instalação da ciclovia na mesma direção do tráfego de veículos adjacentes e da calçada; e pontos de entrada e saída seguros para desacelerar, parar e descer da bicicleta. Um estudo de 13 anos analisando dados de acidentes de trânsito de 12 grandes cidades dos Estados Unidos descobriu que ciclovias com proteção e separação física registraram 44% menos mortes e 50% menos feridos em comparação com os números de cidades que não implementaram essas medidas.

<p>ilustração com as dimensões adequadas de uma ciclovia</p>

Exemplo de ciclovia com espaçamento adequado. (Fonte: WRI)

3. Vincular infraestrutura cicloviária a objetivos de longo prazo

Como Alexandre Santacreu, analista de políticas do ITF, apontou durante o treinamento, “se você está construindo infraestrutura segura para conectar pessoas a lugares, deveria ser óbvio que seja permanente”.

Os painelistas enfatizaram que, quando há alinhamento entre os planos de desenvolvimento de longo prazo e a implementação de infraestruturas seguras e permanentes para bicicletas, estas podem desempenhar um papel crucial na visão das cidades para uma mobilidade sustentável, acessível e equitativa na era pós-Covid. Uma infraestrutura cicloviária de qualidade em todos os bairros de uma cidade, especialmente nas áreas de baixa renda, seria um incentivo a uma opção de mobilidade de baixo carbono e ajudaria a melhorar a qualidade do ar local, contribuindo para ampliar o acesso e a conectividade.

Então, como as cidades podem vincular infraestrutura cicloviária a objetivos de longo prazo? O aumento do uso da bicicleta na Holanda é um exemplo clássico, também resultado de um período de crise. Durante a crise do petróleo da OPEP na década de 1970, as cidades holandesas estabeleceram dias sem carros para desencorajar o uso de veículos particulares. À medida que o uso da bicicleta ganhou popularidade, teve continuidade uma implementação generalizada de redes cicloviárias permanentes, eventualmente levando à ampla infraestrutura que vemos hoje e à proeminente cultura da bicicleta associada ao país. No caso da Holanda, a vontade política, junto ao envolvimento da comunidade e apoio nos processos de tomada de decisão, provou ser eficaz para manter o uso da bicicleta como elemento central do desenvolvimento urbano de longo prazo.

Hoje, algumas lideranças municipais já têm feito das redes cicloviárias uma prioridade em seus planos de desenvolvimento e sustentabilidade pós-Covid. Em setembro de 2020, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, anunciou que os 50 quilômetros de ciclovias implementados em caráter temporário se tornarão permanentes após a pandemia. Hidalgo também revelou que a Rue de Rivoli, uma das ruas mais movimentadas de Paris, está a caminho de se tornar uma rodovia exclusiva para bicicletas, com várias faixas. Esses planos não apenas abordam a mudança nos padrões de mobilidade, como estão de acordo com as metas climáticas e de redução da poluição do ar da cidade.

Assim como na implementação de quaisquer mudanças de infraestrutura, as cidades devem permitir a evolução contínua ao incorporar novas redes cicloviárias temporárias. Envolver as comunidades locais, monitorar o uso, o progresso e os resultados das mudanças, bem como garantir respostas rápidas aos problemas e necessidades dos usuários das ciclovias, são aspectos importantes. Para aplicar de forma bem-sucedida a abordagem de Sistemas Seguros, as cidades devem buscar ser flexíveis em relação ao espaço que possuem e, ao mesmo tempo, implementar estratégias de gestão das velocidades. Fazendo isso, podem se tornar mais resilientes e transformar os padrões de mobilidade urbana, rumo a uma direção mais sustentável e equitativa.

Camilla Zanetti é estagiária de Mobilidade Urbana do WRI Ross Center for Sustainable Cities.

Alejandro Schwedhelm é Associado da equipe de Mobilidade Urbana do WRI Ross Center for Sustainable Cities.

Claudia Adriazola-Steil é Diretora Adjunta de Mobilidade Urbana e Diretora de Saúde e Segurança Viária do WRI Ross Center for Sustainable Cities.


Este artigo foi publicado originalmente no TheCityFix.