A infraestrutura cicloviária tem crescido rápido nas cidades latino-americanas ao longo da última década. Cidades como Bogotá e Santiago mais do que dobraram a extensão de suas redes cicloviárias. Uma boa notícia, pois estudos mostram que cidades que priorizam infraestrutura segura registram reduções significativas no número de mortes e ferimentos de ciclistas e somam benefícios econômicos consideráveis a partir da redução de congestionamentos e de pedidos de licença médica.

Ainda assim, boa parte da infraestrutura cicloviária já existente nas cidades latino-americanas foi construída em vias locais e secundárias. A implementação pode ser mais fácil em ruas menos movimentadas, mas também diminui a eficiência e o impacto geral do uso da bicicleta, além de criar problemas de segurança. Os ciclistas tendem a procurar por atalhos e pelos caminhos mais diretos, possivelmente gerando interações perigosas com os carros quando entram em vias arteriais não planejadas para o transporte não motorizado.

Os desafios impostos pela Covid-19, contudo, começam a mudar esse paradigma. Algumas cidades estão transformando ruas vazias em áreas seguras para pedestres e ciclistas, uma vez que há menos pessoas realizando deslocamentos diários para o trabalho, contexto no qual espaços para a mobilidade ativa se tornam ainda mais importantes. As calçadas também têm sido ampliadas para acomodar melhor o comércio local.

Buenos Aires é uma das cidades experimentando mudanças substanciais durante a pandemia. Antes da Covid-19, a capital argentina havia implementado a maior parte de sua rede cicloviária em vias locais e coletoras. Porém, como o acesso ao transporte coletivo foi restringido durante os bloqueios, mas muitos trabalhadores essenciais ainda precisavam se deslocar ao trabalho, a necessidade de mais espaço para os deslocamentos de bicicleta se tornou clara.

Em uma cidade onde metade dos deslocamentos são de menos de cinco quilômetros, a bicicleta é uma escolha óbvia. Em agosto, a cidade apresentou um plano para adicionar 60 quilômetros de novas ciclovias em mais de doze avenidas importantes e deu início ao processo de implementação. Colocar ciclistas em vias arteriais exige mudanças maiores, desde a redução dos limites de velocidade até a ampliação das ciclovias e dos mecanismos de proteção. As novas ciclovias foram projetadas para priorizar o conforto e o distanciamento físico (com três metros de largura) e a eficiência, com faixas unidirecionais conectadas a importantes eixos de transporte coletivo, como estações do BRT e do metrô.

O WRI Brasil ofereceu apoio técnico à cidade no planejamento de interseções importantes, a fim de reduzir os conflitos entre ciclistas e outros veículos. Esse apoio foi parte de uma nova fase de trabalho da Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito, que recém deu início a uma nova parceria de seis anos com a Prefeitura de Buenos Aires.

<p>imagem mostra Antes e depois das obras na avenida córdoba</p>

Antes e depois das mudanças na interseção entre a Avenida Córdoba, a Rua Gáscon e a Avenida Estado de Israel (Foto: Secretaria de Transporte e Obras Públicas da Cidades de Buenos Aires)

#CiclovíasEnAvenidas

Um componente central do novo plano cicloviário são 17 quilômetros de novas ciclovias nas avenidas Corrientes e Córdoba. Essas ciclovias vêm acompanhadas pela redução do limite de velocidade permitido, de 60 km/h para 50 km/h, e por mudanças específicas no desenho viário para acomodar áreas de carga e descarga, já que são grandes avenidas de zonas comerciais.

Carlota Pedersen-Madero, assessora do subsecretário de planejamento de mobilidade de Buenos Aires, explicou que as novas faixas têm o objetivo de oferecer uma alternativa ao transporte coletivo, ainda com restrições de ocupação. A cidade já observou um aumento de 45% no número de ciclistas nessas vias depois que as faixas foram implementadas, e a expectativa é de um crescimento ainda maior no futuro, talvez de até 200% a 250%, afirmou ela. “Estamos mudando a forma como nos movemos pela cidade”.

<p>Pedestres e ciclistas em uma Avenida Córdoba vazia </p>

Pedestres e ciclistas em uma Avenida Córdoba vazia (Foto: Secretaria de Transporte e Obras Públicas da Cidades de Buenos Aires)

A nova infraestrutura cicloviária nas grandes avenidas – que vem sendo promovida na cidade por meio da hashtag #CiclovíasEnAvenidas (em português, #CicloviasEmAvenidas) – não apenas melhorou a malha cicloviária da cidade, mas também reduziu os tempos de deslocamento. Em muitos casos, usar as principais avenidas permite que os ciclistas façam rotas mais curtas e mais rápidas. Ganhos em eficiência como esse, assim como o maior conforto nos deslocamentos, podem encorajar mais pessoas a pedalar.

Dados mostram que, durante determinados períodos do dia, houve um aumento de 113% no número de ciclistas na Avenida Corrientes e de 146% na Avenida Córdoba. Nesta última, também aumentou a porcentagem de mulheres pedalando, de 11% para 28%, refletindo, talvez, o ganho de confiança em decorrência da infraestrutura segura.

<p>mapas mostram a diferença nas rotas</p>

Uma rota usando vias secundárias antes da pandemia e a mesma rota por uma via arterial paralela na Avenida Rivadavia (Fonte: Secretaria de Transporte e Obras Públicas da Cidades de Buenos Aires)

Acelerando as transformações da mobilidade sustentável

Apesar desses avanços valiosos, ainda é possível melhorar. À medida que mais ciclistas começam a pedalar, é importante, também, reduzir a velocidade dos carros, a fim de prevenir acidentes que causem mortes e ferimentos. Diversas cidades na Europa estão começando a reduzir os limites de velocidade para 40 km/h ou até 30 km/h. Velocidades mais baixas melhoram a segurança não apenas para ciclistas, mas para todos os usuários da via, uma vez que a velocidade é o principal fator de risco para todos os acidentes.

Em trechos de meio de quadra, a segregação física entre bicicletas e carros também é um elemento fundamental. Algumas das novas ciclofaixas de Buenos Aires usam postes de plástico como separadores – no entanto, barreiras de concreto, separadores verticais e outros materiais mais fortes oferecem uma proteção maior aos ciclistas contra a invasão das ciclovias pelos carros. Interseções seguras também são um ponto importante, ainda que mais complexo, para garantir a segurança de novos ciclistas, que em geral precisam que as mudanças sejam repetidas e reforçadas. Isso inclui gerenciar os conflitos entre os veículos fazendo conversões, reduzir as velocidades de aproximação e garantir uma boa visibilidade aos ciclistas.

Como com qualquer nova mudança, é importante monitorar e avaliar os impactos para entender o quão efetiva é a nova infraestrutura no que diz respeito à proteção dos ciclistas. Monitorar acidentes e o fluxo de ciclistas também permite que a cidade compreenda melhor os benefícios dessas mudanças. Quanto mais segura e útil a infraestrutura, mais pessoas se sentirão confortáveis para utilizar o sistema.

A pandemia criou uma demanda repentina por infraestrutura segura para caminhar e pedalar. Buenos Aires pode ser um exemplo importante para outras cidades na América Latina. Com essas mudanças, a capital argentina atesta que a bicicleta não é apenas uma opção de lazer, mas um meio de transporte relevante tanto para os moradores quanto para os planejadores urbanos. Essas mudanças não são apenas uma resposta à atual necessidade por uma mobilidade segura. Se encaradas como uma transformação mais ampla visando a uma mobilidade multimodal, podem ajudar a cidade a se encaminhar para um futuro mais eficiente, menos poluente e mais equitativo.


Este blog foi publicado originalmente no The City Fix.