Riscos e oportunidades da proposta de um fundo bilionário para conservação de florestas
O governo brasileiro está liderando a proposta de um novo fundo global para a proteção de florestas. A iniciativa foi lançada na COP28 e se insere nas discussões por uma nova meta global de financiamento climático, assunto prioritário para a COP29, que ocorrerá em novembro, no Azerbaijão. Também está conectada ao debate no G20 sobre a reforma do sistema de financiamento sustentável multilateral, tema tratado na reunião de ministros de finanças, em julho.
Um comitê formado por países interessados e o Banco Mundial está desenvolvendo a proposta financeira do mecanismo. O lançamento é previsto para a COP30, mas o Brasil planeja finalizar o design do fundo, incluindo sua estrutura de governança, até o final de 2024. O presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, demonstrou apoio à iniciativa em artigo assinado em conjunto com Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Fernando Haddad, ministro da Fazenda.
Chamado de Fundo Global Florestas Tropicais para Sempre (FFTS), a proposta tem o objetivo de recompensar financeiramente os países pela conservação das florestas. Com potencial estimado em aproximadamente US$ 125 bilhões, o fundo ofereceria incentivos financeiros por hectare de floresta mantida, ou floresta em pé, e criaria demanda por títulos de dívida.
Como funcionaria o Fundo Global Florestas Tropicais para Sempre (FFTS)
Segundo a proposta atual que ainda está em consolidação, são 79 países no mundo com ecorregiões de florestas úmidas tropicais de folha larga, sendo que 12 são de alta renda e seriam excluídos da elegibilidade. Para fazer parte do fundo, os países precisam manter a taxa de desmatamento abaixo de 0,5% ao ano e garantir que o desmatamento no ano de elegibilidade esteja abaixo da taxa do ano anterior. Uma vez no programa, o desmatamento não deve aumentar mais de 0,1% anualmente. Além disso, os países devem ter um método transparente de medição da cobertura florestal nativa e um mecanismo inclusivo para alocação de recursos.
O monitoramento e a verificação dos dados se dariam por meio de imagens de satélite e sistemas de terceiros credenciados. Áreas em restauração que atendem à definição de floresta são elegíveis para pagamentos, mas monoculturas não são consideradas.
Os pagamentos seriam calculados com base em um valor fixo por hectare de floresta existente, cotado inicialmente em US$ 4. Cada hectare desmatado, por sua vez, causaria uma penalidade equivalente a 100 hectares (ou seja, um desconto de US$ 400). Os pagamentos anuais serão interrompidos se as taxas anuais de desmatamento se tornarem muito altas.
Segundo a proposta, o fundo será financiado por empréstimos de países ricos, bancos multilaterais de desenvolvimento e investidores institucionais, além de doações filantrópicas. Cerca de 20% do capital viria de empréstimos de países desenvolvidos, por meio de seus fundos soberanos ou reservas de bancos centrais, doadores privados ou organizações filantrópicas, com o custo mais baixo que no mercado, que seriam investidos a longo prazo em uma carteira diversificada e com prazo limitado, com ativos relativamente mais arriscados e retornos esperados mais altos. Essa captação inicial atrairia o restante do capital de investidores privados. Os retornos serão usados para compensar os países pela conservação das florestas tropicais.
E por que a proposta brasileira tem ganhado destaque mundial? O FFTS traz uma solução financeira complementar ao princípio do REDD+. O pagamento por resultados do REDD+ está originalmente atrelado apenas aos resultados de redução do desmatamento dos países. Com o novo fundo, remuneram-se os resultados da manutenção da floresta em pé, diferença importante para o Brasil que tem a meta de zerar o desmatamento em 2030. Além disso, as atuais ferramentas de verificação da existência de floretas naturais e a simplicidade do pagamento prevista para o FFTS são indicativos de que a proposta terá mais sucesso que outras iniciativas que buscam financiar a permanência dessas florestas hoje.
Considerando o debate sobre a mudança na relação de risco-retorno nos investimentos, a proposta do FFTS inova no mecanismo de empréstimos e de mercado de títulos da dívida, pois garante retorno financeiro, ainda que relativamente menor que outros investimentos não ambientais, porém oferece resultados ambientais concretos aos investidores. Assim, parece ser um promissor instrumento de mobilização de mercado de capitais e de debentures a favor da integridade ambiental e da segurança climática, alinhado com a busca da governança ambiental, social e corporativa (ESG).
Dúvidas e desafios que ainda precisam de respostas
Embora promissor, há dúvidas em relação à proposta do FFTS que precisam ser mais bem esclarecidas, especialmente no que se refere ao acesso dos países, soberania e autonomia da alocação, governança participativa e respeito às salvaguardas nacionais. Sobre os critérios de elegibilidade, alguns países que enfrentam desafios econômicos ou políticos podem encontrar dificuldades para atender aos critérios rígidos de elegibilidade, como manter a taxa de desmatamento abaixo de 0,5% ao ano e ter um método transparente de medição da cobertura florestal nativa.
A liberdade dos países para aplicar o recurso recebido é favorável por dispensar controles e relatórios onerosos, mas também um ponto de atenção, que deverá ser considerado na arquitetura do instrumento. A proposta inicial sujeita essa liberdade à observação da regra de 1:100 para incentivos e desincentivos e demais Salvaguardas de Cancun para o REDD+, definidas pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Esse conjunto de regras tem o objetivo de garantir que os projetos abordem de maneira adequada questões sensíveis como os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, a participação social, a preservação de ecossistemas naturais, a permanência dos resultados alcançados e o risco de deslocamento da pressão por desmatamento e degradação florestal para outras áreas.
Há também grandes diferenças entre as capacidades dos países para o monitoramento e verificação, que dependem de tecnologias de sensoriamento remoto e inteligência de análise e classificação de imagens. O design do Fundo deve prever as ferramentas que demonstrem a capacidade de reduzir o desmatamento. Para isso, é preciso mensurar anualmente o que foi conservado e restaurado de florestas naturais, usando dados que sejam abrangentes, precisos, transparentes, publicamente acessíveis e comparáveis entre todos os países com consistência ao longo do tempo. Quanto à destinação de recursos, os critérios devem ser transparentes, igualitários e eficientes.
Esses pontos de atenção destacam a necessidade de um equilíbrio entre a proteção ambiental e o respeito à soberania e às necessidades locais dos países, além da importância de garantir que os mecanismos de governança sejam realmente justos e inclusivos. A proposta do fundo precisa abordar esses desafios para ganhar aceitação e apoio mais amplos entre os países destinatários e as partes interessadas. Um debate muito semelhante ao que se conduz no âmbito da reforma do sistema de financiamento multilateral da sustentabilidade, por exemplo. Em âmbito nacional, o mesmo ocorre em relação às medidas de captação privada do governo federal para o Fundo Clima por meio de títulos soberanos e o Programa de Mobilização de Capital Privado externo e Proteção Cambial, o Eco Invest Brasil, criado para incentivar investimentos estrangeiros em projetos sustentáveis com proteção contra as variações de câmbio.
Fundo não pode repetir problemas conhecidos do financiamento climático
Neste contexto é oportuno resgatar a crítica colocada pelo INESC a respeito do financiamento climático, que elenca os riscos na relação de poderes entre financiadores e financiados. Primeiro, menciona-se o risco de definição de salvaguardas frágeis, quando é crucial ter salvaguardas fortes para avaliar e mitigar riscos sociais, ambientais e climáticos, especialmente em investimentos como energias renováveis, que podem causar impactos negativos e violações de direitos, exemplificados pelos afetados pelas usinas eólicas no Nordeste.
Segundo, há o risco de monopólio das finanças por grandes corporações, o que pode desequilibrar os processos decisórios e de governança a favor dos interesses corporativos e do acúmulo de capital, marginalizando projetos de impacto social de maior risco. Esta falha no financiamento climático multilateral já foi identificada em inúmeros fóruns e resulta na priorização de projetos de mitigação em detrimento de adaptação, além de favorecer projetos mais rentáveis, prejudicando os urgentes e menos atrativos.
Terceiro, o INESC aborda os riscos associados à perda de transparência e à fragilidade da governança, apontando que o Fundo Clima já sofreu com falta de transparência e direcionamento estratégico.
É preciso garantir uma boa governança e mecanismos de participação social inclusiva, tanto em seu desenvolvimento quanto em sua estrutura, para que o Fundo Global Florestas Tropicais para Sempre não repita esses problemas e alcance todo o seu potencial de transformação.