3 questões sobre financiamento climático que o Brasil enfrentará à frente do G20 e da COP30
Bancos, fundos, seguradoras e demais componentes do ecossistema de investidores, mercados e seus instrumentos. Eventos climáticos extremos, perda de biodiversidade e colapso de ecossistemas, déficit de recursos naturais. Podem parecer mundos desconexos, mas temos apenas um planeta – diretamente impactado por todos os componentes do sistema financeiro.
A conexão é tanta que o financiamento será determinante para o sucesso ou o fracasso da transição para uma economia de baixo carbono, que demanda investimentos consistentes para se concretizar. A percepção dos agentes do sistema financeiro sobre investimentos que envolvem a redução de emissões e a adaptação aos impactos climáticos vai ditar o ritmo da realocação de capital para a transição climática em detrimento de investimentos intensivos em carbono. As finanças não são neutras, como diz Mariana Mazzucato. Elas determinam como e onde a ação climática ocorre.
Segundo relatório recente do Climate Policy Iniciative, o volume médio anual de financiamento climático atingiu cerca de US$ 1,3 trilhão em 2021/2022, representando 1% do PIB global. Este valor está bem abaixo do volume anual necessário até 2030, estimado pelo mesmo estudo em aproximadamente US$ 8,1 trilhões.
Não à toa, as discussões sobre como transformar o sistema financeiro e mobilizar o volume de recursos necessários para preencher essa lacuna recebem grande atenção. O Brasil está no centro da discussão: na presidência do G20 este ano e como sede da COP30, em 2025, o país pode exercer um papel crucial nesta agenda. Em fevereiro, São Paulo foi palco da primeira reunião dos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20, o que estimulou eventos paralelos como o Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, que teve grande participação de representantes de países, organizações multilaterais de financiamento, filantropia e sociedade civil.
Este também é um ano crucial para esta discussão porque um dos objetivos da COP29, que ocorrerá em novembro, no Azerbaijão, é chegar a um acordo sobre o financiamento necessário para alcançar as metas do Acordo de Paris. Há a expectativa de que seja estabelecida uma nova meta de financiamento climático que reflita a escala e urgência do desafio. O resultado da COP29 será determinante para o sucesso da COP30, em Belém, quando os países apresentarão novas metas nacionais que precisam estar alinhadas com o objetivo de 1,5°C e com planos e meios de implementação robustos.
Mas quais as questões em jogo para o avanço do financiamento da ação climática?
1. Metas climáticas encaradas como planos de atração de investimento
Combater a emergência climática está intrinsecamente ligado à economia real. Por muito tempo, as questões climáticas e ambientais foram tratadas de forma isolada, sem integração com outras agendas de desenvolvimento econômico e social.
Uma transformação importante ocorreu na resposta à crise financeira de 2008, quando a abordagem de crescimento verde (green growth) aparece com o objetivo de conciliar a retomada da atividade econômica com a redução das emissões de carbono. A ação climática passou a ser integrada às estratégias econômicas e, assim, aos planos de investimentos e estratégias de mobilização de recursos dos países. Esse ponto é crucial para o direcionamento das finanças: existência de projetos de investimento e metas claras.
Recentemente, três potências globais lançaram planos de investimentos massivos para promover a inovação e a indústria de baixo carbono: o Inflation Reduction Act (IRA) nos Estados Unidos, o Pacto Ecológico Europeu da União Europeia e o 14° plano quinquenal da China. O Brasil também lançou o Plano de Transformação Ecológica, que busca conciliar o desenvolvimento econômico setorial e social com a ação climática como ponto central.
Esses planos de transição têm potencial de coordenar as ações e políticas setoriais com as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e as Estratégias de Longo Prazo dos países. A identificação de investimentos necessários e a demanda de recursos para financiá-los possibilita a viabilização de estratégias e incentivos para captar recursos públicos e privados para concretizar as metas.
2. Reforma do sistema financeiro global para chegada dos recursos onde a ação climática é mais urgente
Mudar o patamar de ambição da ação climática significa falar de macroeconomia. Muitos países em desenvolvimento sofrem historicamente com a restrição de recursos domésticos para o desenvolvimento, o que muitas vezes pode tornar a transição impeditiva. Nesses países, dada a maior volatilidade da economia, há maior risco soberano (risco país), assim como o cambial. A consequência disso é que o custo de capital é muito maior, muitas vezes inviabilizando investimentos. O custo de capital para financiar um projeto de energia solar fotovoltaica de 100 MW no Brasil é três vezes maior do que na União Europeia, por exemplo.
O efeito disso é que o setor privado ainda investe de forma tímida na ação climática. Isso cria uma espécie de dependência de recursos do sistema financeiro público multilateral e de recursos domésticos, que não são suficientes para a escala necessária de investimentos. É preciso criar mecanismos que alterem essa lógica, especialmente para países que já encontram dificuldades de acessar recursos.
Além de aumentar, o financiamento multilateral público deve adaptar-se às necessidades dos países em desenvolvimento
Ampliar a oferta é muito importante, mas também é preciso facilitar o acesso aos fundos climáticos e recursos concessionais existentes dos bancos multilaterais de desenvolvimento. Apesar de conceder recursos a menor custo, muitos deles ainda seguem a mesma lógica de risco e não chegam a países em desenvolvimento. Ainda, esses países sofrem com a dificuldade de elaboração de projetos bancáveis. Direcionar recursos de mitigação e adaptação climática ao sul global requer esforços dessas instituições em conjunto com governos para levar capacitação técnica para identificação e elaboração de projetos de qualidade.
Por fim, mesmo quando há bons projetos, o processo de acesso é demorado e complexo. A média é de pelo menos dois anos para serem aprovados. Bancos de desenvolvimento, a exemplo do Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), estão buscando oferecer assistência técnica e parcerias para preparação de projetos, na tentativa de diminuir esse gargalo.
Para o setor privado entrar na roda da ação climática, o risco precisa sair
Há diversas instituições do setor privado deixando de investir em projetos intensivos em carbono e redirecionando para investimentos verdes, mas este capital não está sendo direcionado para solucionar a crise climática nos países com maiores restrições de recursos. Nos países desenvolvidos, 81% dos investimentos em transformação verde são financiados pelo setor privado. Em contraste, nos países em desenvolvimento, essa taxa é de apenas 14%.
Uma das soluções para virar esse jogo e atrair o capital privado é a criação de instrumentos financeiros inovadores que contribuam para diluir o risco dos investimentos. Em fevereiro, o governo brasileiro lançou o programa Eco Invest Brasil, com o qual vai oferecer proteção cambial para que os riscos associados à volatilidade de câmbio sejam reduzidos e isso estimule investimentos estrangeiros em projetos sustentáveis no país.
Finanças climáticas precisam ir além de instrumentos de dívida
Boa parte dos países com grande vulnerabilidade climática apresentam altos níveis de endividamento soberano. Com pouco espaço fiscal para contrair mais dívida, esses países têm sua capacidade de investimento em projetos verdes reduzida, já que a maior parte do financiamento climático é realizado via estruturas baseada em dívida. Em média, esses países gastam cinco vezes mais com o pagamento de suas dívidas do que com o combate às mudanças climáticas.
Avançar a ação climática nos países com mais necessidades exige mudar o perfil dos instrumentos de financiamento para além de instrumentos de dívida. Isso é extremamente importante também para desbloquear investimentos de adaptação, por exemplo. Apesar de fornecerem proteção a custos futuros dos impactos climáticos, os investimentos em adaptação, por não gerarem retornos monetários diretos, acabam não atraindo o capital que normalmente opera por empréstimos ou equity, fortemente baseado na expectativa de retorno dos projetos.
Ou seja, há a necessidade de ampliar a oferta de financiamento climático via fundo perdido (grants), bem como arranjos de troca de dívidas (debt-swaps), em que uma redução da dívida é feita em troca da implementação de ações a favor do clima e da natureza. Recentemente, o Equador realizou a troca de dívida por natureza (debt-for-nature swap) com Galápagos, reduzindo a dívida da ilha em troca de investimento em conservação e atividades sustentáveis.
3. Soluções de financiamento climático que consideram os benefícios para a natureza e as pessoas
Se nos países desenvolvidos a ação climática se concentra principalmente em projetos de transição energética e infraestrutura sustentável, em países com vastas áreas florestais e biodiversidade como o Brasil, é necessário mobilizar recursos para soluções baseadas da natureza, contribuindo também para o desenvolvimento social ao gerar empregos e renda.
Para isso, é crucial desenvolver arranjos financeiros adequados que possam precificar os diversos serviços ecossistêmicos proporcionados pela floresta. Um desses arranjos é o mercado de créditos de carbono, considerado um mecanismo baseado no mercado eficaz para avaliar a captura de carbono ou emissões evitadas pela floresta. No entanto, os benefícios da restauração ou preservação da floresta e da biodiversidade vão além do carbono, incluindo a provisão de água, regulação das chuvas, entre outros, exigindo que esses modelos avancem para abranger outros serviços prestados pelas florestas.
Apesar de ser o mais utilizado, o crédito de carbono atualmente não atinge um preço que cubra todos os custos de projetos de restauração ou preservação, que precisam captar recursos adicionais. Casos como o da Belterra propõem um modelo de negócios para projetos de florestas produtivas em áreas degradadas que complementam os recursos provenientes dos créditos de carbono com a venda de produtos agrícolas. Esses projetos, ainda em fase de estruturação, são realizados através de parcerias com pequenos e médios agricultores, bem como com investidores da indústria ou compradores interessados na produção da agrofloresta ou na aquisição dos créditos de carbono gerados. Muitos desses atores estiveram reunidos em evento organizado por WRI Brasil, Salesforce e Natura em janeiro.
Somente ampliar os recursos destinados a soluções baseadas na natureza não é suficiente. Globalmente, subsídios governamentais e investimentos privados com um impacto negativo direto na natureza atingem cerca de US$ 7 trilhões anuais, equivalente a 7% do PIB global. É necessário criar incentivos para retirar o fluxo de recursos que geram impactos diretos e negativos na natureza.
Brasil no centro da proposição de um novo modelo de desenvolvimento
O mundo precisa de uma transformação rápida para dar conta da urgência das mudanças climáticas – e o financiamento é um meio fundamental para isso.
A aceleração e a expansão da quantidade de recursos climáticos dos bilhões para os trilhões é urgente. Mas não só. É preciso destiná-los para as geografias onde a ação climática se faz mais necessária e para soluções que vão além do clima, direcionando para um novo modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável. Nesse sentido, avançar na ação climática é avançar no financiamento para os países em desenvolvimento, onde os planos de transição justa, a reforma do sistema financeiro global e os arranjos financeiros que abarquem a inclusão da biodiversidade e as pessoas são fundamentais.
Na presidência do G20 e como país-sede da COP30, o Brasil tem a oportunidade de liderar pelo exemplo, promovendo a restauração da natureza e o desenvolvimento social através de arranjos financeiros inovadores que atendam às necessidades nacionais, mas também abram caminho para outros países em desenvolvimento.