Que bioeconomia é essa?
Bioeconomia é um tema em constante disputa. Em 2022, o WRI Brasil lançou um estudo demonstrando as diferentes formas como a bioeconomia é entendida no mundo. Em 2023, o relatório Nova Economia da Amazônia revelou que as atividades baseadas na floresta em pé e em conhecimentos locais já geram um PIB de pelo menos R$ 12 bilhões ao ano na região, tirando parte dessa economia da invisibilidade. Desde então, a bioeconomia ganhou cada vez mais atenção, com uma estratégia nacional e menções em diferentes políticas públicas, além de ter chegado à agenda do G20, que adotou os 10 princípios de Alto Nível sobre Bioeconomia, o primeiro documento multilateralmente acordado dedicado especificamente a esse tema.
Mas, afinal, que bioeconomia é essa? E por que tantos interesses em fazer parte da bioeconomia?
Nesta série especial, entrevistamos especialistas, representantes políticos, da sociedade civil e de diferentes setores para entender como a discussão sobre o conceito de bioeconomia – e seus diferentes significados e abordagens – tem evoluído em cada fórum e quais os impactos dessa definição para o Brasil e para o mundo.
Por que definir um conceito é importante
Não existe consenso sobre o que é bioeconomia. O termo permite múltiplos pontos de vista. E definir bioeconomia não é só uma questão semântica, nem um debate simplesmente teórico. Seu significado determina marcos regulatórios, define políticas, inclusive fiscais e de financiamento. Atualmente há três principais visões sobre o conceito de bioeconomia:
A bioeconomia biotecnológica é aquela que enfatiza a geração de novos produtos de alta tecnologia a partir da exploração eficiente dos recursos biológicos.
A bioeconomia de biorrecursos tem como principal objetivo a substituição de insumos e produtos de origem não renovável pela expansão da produção e produtividade dos recursos biológicos.
A bioeconomia bioecológica, ou sociobioeconomia se baseia na capacidade suporte dos ecossistemas e na diversidade de produtos e conhecimentos locais associados.
O primeiro episódio desta série trata da discussão sobre o conceito.
Uma das inovações da Nova Economia da Amazônia foi a compatibilização e interação de modelos econômicos desenvolvidos por grupos de pesquisa de diferentes partes do país para compor uma análise compreensiva sobre a economia atual da Amazônia Legal e traçar diferentes cenários para 2050. O estudo trata de um futuro possível e comprovado por uma análise científica sólida e inovadora.
Uma dessas inovações foi a elaboração de uma matriz de insumo-produto para a Amazônia Legal, essencial para análises e planejamentos econômicos, pois registra e localiza todas as transações da economia formal, da venda de minério ao pão com manteiga. A partir disso, separou-se o que era economia da floresta em pé do que era economia do desmatamento. Para apenas 13 produtos da bioeconomia que tinham dados seguros, o PIB anual foi calculado em R$12 bilhões em 2015.
A Nova Economia da Amazônia define a bioeconomia pelos processos e não pelos produtos. Por isso, diferencia monoculturas de sistemas de pequena produção como agroflorestas e incorpora apenas atividades que se limitam à biocapacidade do bioma, incluem reconhecimento dos benefícios a povos originários e tradicionais. Se aproxima muito do conceito de bioeconomia bioecológica.
Partindo das mesmas ferramentas da NEA, estimou-se também que o PIB anual da agropecuária em 2015 foi da ordem de R$130 bilhões. Segundo a visão ampla de de biorrecursos, esse PIB entraria na conta da bioeconomia. Mas sabe-se que as atividades agropecuárias representam atualmente quase 95% dos desmatamentos da Amazônia. Daí surgem questões importantes: uma economia que gera biorrecursos mas que para isso também desmata e degrada florestas, pode ser bioeconomia?
Por isso a definição de bioeconomia importa muito. O WRI Brasil defende que a prioridade é a bioeconomia bioecológica, ou sociobioeconomia, altamente positiva para a natureza, o clima e as pessoas. Nesta definição estão as atividades que geram os maiores benefícios na geração de empregos e renda para as pessoas que vivem da e na floresta, cerrados e dos outros ecossistemas, mas têm poucas oportunidades em outros setores da economia. Além de ser baseada em atividades que respeitam a capacidade dos biomas, essa bioeconomia muda vidas e responde às enormes carências e desigualdades presentes na região amazônica.
Isso não significa que a agropecuária não terá papel fundamental. Além de produzir alimentos, fibras e energia, este setor é capaz de colaborar com a captura de carbono e regulação climática. Mas não qualquer agropecuária, aquela que opera com desmatamento zero, com boas práticas agrícolas, usualmente definida como Agropecuária de Baixa Emissão de Carbono, ou Agropecuária ABC. Essa sim poderia ser chamada de bioeconomia de biorecursos.
Tanto a bioeconomia bioecológica quanto a de biorecursos dependerão da bioeconomia biotecnológica pra trazer inovações e novos produtos, mas esta exige investimentos altos e de longo prazo para dar resultados.
O Brasil como líder da bioeconomia
Agora que você já entendeu a importância da definição do conceito de bioeconomia, vamos falar sobre o que está em jogo. Desde 2023, a bioeconomia apareceu em decretos, planos e estratégias que permeiam vários ministérios federais. Está também em muitas iniciativas estaduais, e mesmo globais.
André Corrêa do Lago, embaixador: “O G20 é um grupo absolutamente central para a questão da bioeconomia"
Por exemplo, no G20, grupo que reúne as nações mais ricas do mundo, hoje sob a presidência do Brasil, há a Iniciativa GIB de Bioeconomia (G20 Initiative on Bioeconomy ), que em setembro aprovou os dez Princípios de Alto Nível sobre Bioeconomia, o primeiro acordo multilateral específico sobre o tema. Também neste ano, estão ocorrendo os debates sobre o Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia, como os Diálogos do Plano Nacional de Sociobioeconomia, com oficinas regionais colaborativas. Criado para colocar em prática a estratégia nacional, o plano nacional vai definir recursos, ações, responsabilidades, metas e indicadores para o setor.
O segundo episódio da série é sobre como o Brasil já se apresenta como um dos líderes da bioeconomia no mundo – e como está usando a diplomacia para reforçar esse papel.
Carina Pimenta, secretária nacional de Bioeconomia: “A bioeconomia precisa ser não apenas sustentável, mas também inclusiva”
Segundo a Nova Economia da Amazônia, que mapeou 13 produtos, como mencionado anteriormente, com R$ 217 bilhões em investimentos, a bioeconomia e a restauração florestal juntas poderiam gerar um PIB de R$ 242 bilhões e 833 mil empregos, se tornando grandes aliadas no combate à fome, promovendo inclusão e justiça social. O potencial da bioeconomia certamente é muito maior e ainda precisa ser tirado da invisibilidade.
Atualmente, a bioeconomia, considerando apenas esses 13 produtos, movimenta todo ano R$ 12 bilhões apenas na Amazônia Legal, o que representa quase 10% dos valores gerados pela agricultura e a pecuária, mesmo tendo recebido uma fração dos investimentos. Isso fica claro nos números do Plano Safra: dos R$ 3,3 trilhões em crédito rural desde 2013, apenas 0,23% foram destinados a produtos da bioeconomia, enquanto o complexo soja-algodão abocanhou R$ 953 bilhões (29%) e a pecuária outros R$ 748 bilhões (23%). O potencial da bioeconomia está diretamente ligado à necessidade de corrigir essa distorção.
O futuro da bioeconomia no Brasil
Como destravar o potencial da bioeconomia no país? Tanto os princípios adotados no G20 quanto o novo Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia serão peças importantes para o futuro da bioeconomia no Brasil. São também oportunidades para definir salvaguardas rigorosas para a expansão de atividades econômicas em biomas sob pressão. No terceiro episódio da série, falamos sobre os benefícios de investir neste futuro.
A bioeconomia deverá ser muito maior. O potencial calculado pela Nova Economia da Amazônia ainda se limita a 13 produtos da sociobiodiversidade. Pesquisas dão conta de que os povos da Amazônia têm uma alimentação extremamente diversificada, com até 270 itens cotidianamente utilizados na culinária, enquanto os não-indígenas da mesma região utilizam menos de 30.
Na Amazônia, o crescimento da bioeconomia deve ocorrer pela multiplicação dos arranjos de produção típicos e em desenvolvimento no território, intensivos em mão de obra, baseados nos produtos da floresta ou na restauração da vegetação nativa, e que combinam soluções locais com adaptação de inovações tecnológicas eficientes.
A transformação dos produtos primários e sua inserção nos mercados dependem mais da capacidade de agregar valor local e de sua capilaridade no território do que eventualmente de uma revolução tecnológica.
Manter a floresta em pé e investir na bioeconomia é imprescindível para a geração de serviços ecossistêmicos para os quais não há substitutos economicamente viáveis nem disponíveis em escala para atender às demandas produtivas, especialmente a da agropecuária, mas também do setor de energia.
Este é o momento do protagonismo da sociobioeconomia, da economia da floresta em pé, da restauração, da valorização dos conhecimentos tradicionais e dos povos das florestas. O Brasil só tem a ganhar.