Mariano Cenamo, CEO da Amaz: “Na Amazônia, a gente tem que transformar interesse em ação”
Esta entrevista faz parte do especial Que Bioeconomia é Essa?
Mariano Cenamo é engenheiro florestal, empreendedor social e dedica sua carreira à busca por soluções inovadoras para conciliar o desenvolvimento socioeconômico e a conservação florestal na Amazônia. Ele fundou o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (IDESAM) em 2004 e, nos últimos anos, concentrou esforços na criação de um ecossistema de impacto e inovação na Amazônia Legal, atraindo investidores e empreendedores para impulsionar uma economia sustentável na região. Em 2021, lançou a Amaz, uma aceleradora de negócios de impacto coordenada pelo Idesam, que oferece suporte estratégico e financeiro para empreendedores comprometidos com a conservação florestal. Nesta entrevista, Cenamo reflete sobre sua experiência impulsionando a bioeconomia na Amazônia.
WRI BRASIL: Para você, o que é bioeconomia?
MARIANO CENAMO: O recorte de bioeconomia que eu vou fazer é aplicável à Amazônia, que é a nossa região de atuação. Mas a bioeconomia como um todo eu compreendo como o uso de recursos naturais da biosfera de forma sustentável, ou seja, de forma não exaustiva. Afinal, tudo o que é atividade econômica extrai, de alguma forma, recursos da natureza.
Então, para mim, bioeconomia se aplica ao uso sustentável desses recursos, em especial aqueles relacionados ao uso da terra. estamos falando de atividades relacionadas à agricultura, extrativismo florestal, manejo sustentável de paisagens, turismo e por aí vai.
WRI BRASIL: Como você vê a evolução dos negócios da bioeconomia na Amazônia nos últimos anos?
MARIANO CENAMO: A bioeconomia é um novo termo para uma prática que há décadas nós temos tentado implementar e larga escala. Ou seja, se você voltar séculos atrás, as populações originárias já utilizavam e já manejavam a floresta amazônica e os recursos que ela oferece de forma sustentável, ou seja, nunca levaram a uma degradação irreversível da paisagem. O problema é que com a chegada do homem branco, vamos dizer assim, nós passamos a consumir de forma exaustiva, de forma descontrolada, o que passou a gerar um desequilíbrio ecológico que pode comprometer a capacidade desse ecossistema de se sustentar.
E aí nós passamos a ter problemas que vão muito além do ecossistema em si. Ou seja, hoje, do ponto de vista ambiental, o principal impacto do uso insustentável de recursos da região amazônica, leia-se desmatamento, são as emissões de carbono que são geradas. E vamos lembrar aqui no Brasil, diferente da grande maioria dos países do mundo, a maior fonte das nossas emissões de carbono vem da derrubada de florestas, vem do desmatamento, das queimadas. Se nós somarmos isso com agricultura e pecuária, nós estamos falando de pouco mais de 70% das emissões totais do país. Então é daí que vem o problema e é por isso que a bioeconomia é tão importante para fornecer a solução.
A origem do desmatamento essencialmente está ligada a uma matriz econômica. As pessoas não derrubam a floresta porque são burras ou estúpidas, mas para gerar renda. A pecuária, a mineração, a agricultura, tudo isso gera renda, gera uma expectativa de aumento da qualidade de vida. Antes, a gente chamava de atividades produtivas sustentáveis, já se chamou de negócios sustentáveis, já chamou de bionegócios, já se chamou de cadeias de valor sustentáveis e por aí vai. No fundo, é a mesma coisa. O que a gente vem tentando fazer é gerar renda com atividades que conservam ou restauram a floresta. Como produzir alimento de forma a conservar a floresta, como produzir alimento restaurando áreas que já foram degradadas, como gerar renda para comunidades sem gerar um ciclo econômico de desmatamento. É isso que a gente vem tentando fazer há bastante tempo.
Hoje você vê, infelizmente, um avanço muito forte das atividades econômicas que impulsionam o desmatamento e isso acaba gerando uma vertente até política. Se você analisa os números macroeconômicos, é um discurso bastante forte. A Amazônia Legal é quase 60% do território brasileiro e gera menos de 8% do nosso PIB. Então, quem tem um olhar de helicóptero por cima da região, pode concluir que ela é vasta, gera pouca riqueza e tem muita pobreza. E isso acaba, por vários interesses, levando muitas vezes a um discurso de que precisamos levar desenvolvimento para região, e o melhor caminho para gerar desenvolvimento para a região é promovendo, por exemplo, agricultura, pecuária e mineração, de forma insustentável. Dá para fazer todas essas atividades de forma sustentável, de forma organizada e a gente acredita muito nisso. E esse caminho já me parece um caminho mais da bioeconomia, já que o caminho da economia destrutiva não podemos seguir, já estamos atingindo limites muito perigosos, inclusive da capacidade da própria região em sustentar esse tipo de ocupação econômica.
WRI BRASIL: O que falta para as pessoas da região começarem a apostar mais nessa ideia de negócios sustentáveis?
MARIANO CENAMO: Olha, eu dividiria em três frentes. Primeiro, o governo precisa acabar com a ilegalidade das atividades associadas ao desmatamento. Hoje, um dos grandes problemas em relação a essas atividades econômicas sustentáveis como manejo florestal, produtos não madeireiros, como óleos, fibras e frutas extraídas da floresta, turismo, sistemas agroflorestais, projetos de carbono, entre outros, é que as outras atividades ilegais não enfrentam um nível de comando e controle suficiente para serem inibidas.
No dia a dia de um agricultor, por exemplo, na hora de tomar uma decisão se vai começar a plantar um sistema agroflorestal para produzir cacau, por exemplo, ele precisa de um pacote de incentivos como crédito, assistência técnica, um mercado que valoriza esse produto, que é mais caro de ser produzido do que, por exemplo, o cacau em monocultivo, ou até mesmo pecuária extensiva. Para implantar um hectare de pecuária você gasta R$ 2 mil e existe muita gente interessada em financiar essa atividade. Para você plantar um hectare de cacau em sistema agroflorestal custa R$ 20 mil, são dez vezes mais, e é difícil conseguir crédito no banco, com raras exceções.
A segunda frente é dar competitividade a esses sistemas com mais pesquisa e desenvolvimento. Hoje, nós temos na agricultura para soja, milho, algodão e grãos, arroz, por exemplo, ou a fruticultura como laranja, banana, mamão, décadas de pesquisa sobre como produzir de forma altamente eficiente. Você não tem o mesmo nível de pesquisa para as atividades da sociobioeconomia na Amazônia. É preciso investir mais em pesquisa e desenvolvimento para aumentar a produtividade e a competitividade desses sistemas de produção sustentável. Existe pouquíssimos pilotos que vêm sendo implementados. Eu diria que no máximo nas últimas uma ou duas décadas. Enquanto isso, por exemplo, as pesquisas que a Embrapa desenvolve na área de soja já duram mais de um século e têm dado resultados fantásticos, a gente conseguiu mais do que triplicar a produtividade de soja nos últimos 30, 40 anos.
E a terceira frente, eu diria que é fomento ao empreendedorismo. Nós não temos conseguido desenvolver e atrair empreendedores, nem da região e nem de fora da região, para desenvolver negócios da bioeconomia na Amazônia. E aí não estou falando só de setor produtivo, como empreendedores para restaurar áreas plantando agrofloresta. Estou falando também de empreendedores na área de serviços. Vamos lembrar que a região enfrenta desafios muito grandes em relação a comunicação, infraestrutura de transporte, recursos humanos, internet, energia. Então, para se promover uma agricultura sustentável, mais tecnificada, você também precisa de uma infraestrutura básica que não existe hoje na maior parte da região amazônica.
WRI BRASIL: Qual é o potencial da economia na região amazônica?
MARIANO CENAMO: De números, o WRI Brasil tem lançado uma série de estudos, mas posso falar de de uma iniciativa muito promissora, que está crescendo bastante, que é o projeto do café Apuí, que nós criamos oito anos atrás. Nós reflorestamos algumas áreas degradadas ou áreas de pastagem, plantando sistemas agroflorestais para a produção de café.
É um café orgânico certificado que tem conseguido gerar dez vezes mais renda do que a pecuária, que é o uso predominante na região. Estamos falando de Apuí, na região sul do Amazonas, onde 90% da atividade relacionada ao uso da terra é pecuária extensiva. A pecuária paga ao produtor hoje, em média, algo em torno de R$ 700 a R$ 800 reais por hectare ano.
Com café, nós estamos conseguindo gerar R$ 7 mil ou R$ 8 mil, em alguns casos até R$ 10 mil de renda por hectare ao ano. Café orgânico que está sendo exportado, está sendo vendido nos mercados de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Manaus e por aí vai. Então, acho que esse é um exemplo bem interessante de que existe mercado, existe demanda e quanto que isso pode virar o jogo.
WRI BRASIL: O que te leva a acreditar no aumento dos negócios da bioeconomia nas próximas décadas?
MARIANO CENAMO: O que me deixa otimista é que existe uma geração de empreendedores vindo especialmente nos últimos quatro, cinco anos, durante a pandemia, que tem como propósito resolver os problemas sociais e ambientais do mundo. Pessoas que tem capacidade de empreender e se informam minimamente sobre o caminho que a humanidade está seguindo e falam “poxa, vou ter que fazer alguma coisa para melhorar esse cenário”. Então essas pessoas estão buscando empreender e a gente tem ficado muito feliz de ter conseguido atrair alguma delas com a nossa aceleradora para empreender na Amazônia provendo soluções para os problemas sociais e ambientais. Então, assim, existe hoje claramente uma demanda de mercado por produtos ou soluções que resolvam o problema da mudança do clima. E aí, de novo, voltando para os números, falar de resolução do problema das mudanças climáticas no Brasil, basicamente 70% do problema se resume ao uso da terra, especialmente na Amazônia.
Isso está atraindo muita gente que tem visão de futuro e percebe que os governos não estão dando conta, que existe uma oportunidade de mercado para empresas que possam solucionar esses problemas. Então isso me deixa otimista.
Eu acho que os empreendedores têm uma capacidade única de independente do cenário político, encontrarem brechas, formas de hackear o sistema e ainda assim implementar soluções. Basta analisar, por exemplo, a revolução digital, das tecnologias. Há 20 anos atrás a gente mal utilizava o WhatsApp, não existia Waze, não existia Uber, não existia Airbnb, todo esse monte de coisa que surgiu aí, tecnologias que hoje a gente basicamente não vive sem. Esses produtos foram criados por empreendedores sem nenhum incentivo de governo. Foram empreendedores que viram que existiam soluções que poderiam ser úteis para a humanidade e foram criando esses negócios.
Eu acredito que vai vir uma geração de empreendedores, que já está começando a surgir, com essa mesma visão de que resolver os problemas ambientais, em especial os problemas climáticos, vai ser necessário e dá para fazer isso como empreendedor.
WRI BRASIL: Qual seria a estratégia para ganho de escala da bioeconomia?
MARIANO CENAMO: Olha, eu sempre digo que não existe bala de prata. Eu acho que ganho de escala em situações complexas passa por várias soluções. Não acredito que a solução, por exemplo, do desmatamento na Amazônia, olhando do ponto de vista de negócios da bioeconomia, vai surgir a partir de uma megaempresa que vai atuar na região inteira e vai conseguir conter o desmatamento e gerar renda para as comunidades.
O problema é muito complexo. A começar pela diferença que existe entre, por exemplo, o Pará e o Acre. Do ponto de vista econômico, cultural, geográfico, são estados muito diferentes, são dinâmicas muito diferentes. Então você não arruma uma solução só para tudo isso. É por isso que, na minha opinião, o ganho de escala para bioeconomia na Amazônia envolve a criação de centenas de negócios locais e não de quatro ou cinco startups que vão virar unicórnios na Amazônia.
Sou muito contra esse discurso de que precisamos de um unicórnio, uma empresa que vai crescer e vai gerar essa transformação. Claro que precisamos de empresas grandes, robustas, ambiciosas. Mas eu acho que escala, numa região diversa e complexa como a Amazônia, ainda mais quando se quer ganhar escala resolvendo problemas sociais e ambientais, envolve múltiplas iniciativas e não um grande programa governamental ou um grande projeto de uma ONG ou uma grande empresa que foi criada por um empreendedor brilhante. Precisamos de diversidade.
WRI BRASIL: Como você vê a economia da Amazônia no futuro?
MARIANO CENAMO: Meu sonho é ver a bioeconomia ou a economia da Amazônia com a floresta em pé ou com a floresta restaurada gerando 20% do PIB nacional. Hoje nós estamos em 8%, então nós temos mais do que dobrar. E eu acho essa a grande oportunidade que o Brasil tem para se posicionar no cenário macropolítico internacional. O grande diferencial que o Brasil tem no mundo é a sua capacidade de produzir alimentos, serviços ambientais, como o carbono e a manutenção do regime hidrológico, e gerar renda para sua população conservando essas florestas que são o nosso grande patrimônio. Eu acho que a maior capacidade que o Brasil tem de atrair investimento é nessa área. E se nós conseguirmos fazer isso direito, nós vamos nos posicionar como líderes globais. Os diálogos do G20 acontecendo no Brasil neste ano são um claro indicativo disso.
Se você perguntar para um gringo quais são as três coisas que vêm na cabeça dele quando você fala de Brasil, ele vai falar samba, futebol e Amazônia. O samba e o futebol a gente já está valorizando o suficiente, já consegue atrair investimentos. Para a Amazônia ainda falta muito. Na Amazônia, a gente tem que transformar interesse em ação. Esse é o nosso grande desafio.