Florestas para água: uma solução baseada na natureza para enfrentar crises hídricas
E se os formuladores de políticas, ao tomarem as decisões sobre como fazer investimentos públicos, não olhassem só para grandes obras de cimento e concreto, mas também prestassem atenção nas florestas?
Pensar na conservação, restauração e manejo da vegetação nativa – em outras palavras, em soluções baseadas na natureza – como alternativas de investimentos para melhorar a infraestrutura dos centros urbanos é uma abordagem inovadora que pode trazer grandes benefícios para a sociedade. Um exemplo disso está no setor de tratamento e abastecimento de água: as florestas podem desempenhar um papel tão importante nesse setor a ponto de ser considerada como uma infraestrutura natural.
O que são essas soluções baseadas na natureza e o que é olhar para a floresta como uma infraestrutura natural? Entenda o que tem de mais avançado nos estudos mostrando o papel das florestas para a água.
O que é uma solução baseada na natureza
O termo “soluções baseadas na natureza” foi cunhado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A ideia é ele ser um conceito guarda-chuva: um único termo que consegue abranger uma grande gama de estratégias, técnicas, ações e atividades envolvendo a natureza para resolver problemas sociais, econômicos e ambientais do mundo atual.
Quando falamos especificamente de acesso à água, as florestas aparecem como uma das principais soluções baseadas na natureza para dar segurança aos nossos sistemas de abastecimento. Elas podem trazer benefícios para a sociedade ao mesmo tempo que se apresentam como investimentos viáveis do ponto de vista econômico, a ponto de uma série de pesquisas começar a abordar a vegetação nativa como uma forma de infraestrutura – a infraestrutura natural.
O que é infraestrutura natural para água
Chamamos de “Infraestrutura natural” investimentos e intervenções em conservação, manejo e restauração da vegetação nativa e de florestas. Essas ações não substituem investimentos em infraestrutura tradicional, mas se complementam, aumentando os benefícios e gerando maior resiliência onde são implantadas.
Atualmente, a maior parte dos investimentos em infraestruturas para o abastecimento de água das cidades é nas infraestruturas chamadas de convencionais, como reservatórios, represas e estações de tratamento. Essas obras podem ganhar muito se forem planejadas em sintonia com a infraestrutura natural.
Como a floresta melhora a água que chega na sua torneira
Que benefícios são esses? Em uma paisagem degradada ou com solo enfrentando processos severos de erosão, uma grande carga de sedimentos – terra e sujeira, por exemplo – acaba indo para os rios e reservatórios. Isso aumenta os custos de dragagem e acarreta maior uso de produtos químicos no tratamento da água, além de diminuir a vida útil dos reservatórios. Esses custos acabam invariavelmente sendo repassados para o consumidor final, por meio da tarifa de água.
Ao restaurar florestas que estão em paisagens degradadas e em áreas prioritárias para o abastecimento de água, como no entorno de reservatórios, as árvores evitam que grande parte dos sedimentos chegue aos cursos d’água, funcionando como barreiras naturais. Isso gera economia no uso de produtos químicos e nos custos de energia das estações de tratamento. Para se ter uma ideia, no Rio de Janeiro, o investimento em florestas poderia evitar o uso de 4 milhões de toneladas de produtos químicos na maior estação de tratamento de água do mundo. No Espírito Santo, a filtragem das florestas evitaria o equivalente a despejar 40 caminhões-caçamba de sujeira nos rios todos os anos.
Isso sem contar os benefícios mais amplos, como recuperação do solo, captura de gases de efeito estufa, ajudando a mitigar as mudanças climáticas, formação de corredores ecológicos para espécies ameaçadas e aumento da resiliência a impactos de eventos climáticos extremos, como secas ou inundações.
Isso faz da infraestrutura natural um investimento inteligente do ponto de vista socioeconômico, que se paga no longo prazo e produz bons resultados para toda a sociedade. As empresas de saneamento no país todo só têm a ganhar ao investir na restauração florestal.
Os resultados econômicos do investimento em infraestrutura natural
Novos modelos econômicos e pesquisas científicas têm mostrado que a conservação e restauração florestal, quando entendidas como uma infraestrutura natural no planejamento das empresas de saneamento e abastecimento de água e nos planos municipais de recursos hídricos, não só promovem benefícios ambientais como geram retorno do investimento no longo prazo.
O WRI Brasil, por meio dos projetos Infraestrutura Natural para Água, Pró-Restaura e Cities4Forests, vem produzindo estudos demostrando os bons resultados econômicos e de retorno de investimento da infraestrutura natural. Os sistemas de abastecimento de três grandes regiões metropolitanas já foram analisados: o sistema Cantareira, em São Paulo, a bacia do Guandu, no Rio de Janeiro, e as bacias do Jucu e Santa Maria da Vitória, no Espírito Santo. Os três casos mostram resultados animadores:
- São Paulo: O Sistema Cantareira abastece grande parte da região metropolitana e da cidade mais populosa do país. A restauração de 4 mil hectares de áreas prioritárias poderia levar a uma economia no tratamento da água de R$ 338 milhões ao longo de 30 anos.
- Rio de Janeiro: A maior estação de tratamento de água (ETA) do mundo, a ETA Guandu, controlada pela Cedae, abastece grande parte das residências cariocas. Uma redução de gastos com tratamento de água e produtos químicos é possível com a restauração de 3 mil hectares de pastagens com alto grau de erosão, resultando em uma economia de R$ 259 milhões.
- Espírito Santo: A Região Metropolitana da Grande Vitória é abastecida por três bacias hidrográficas. A restauração de 2,5 mil hectares de pastagens degradadas em duas delas – a dos rios Jucu e Santa Maria do Vitória – pode gerar uma economia de quase R$ 93 milhões nos custos de tratamento de água em 20 anos.
Novos estudos seguem sendo desenvolvidos e devem ser publicados nos próximos meses, com foco nas regiões metropolitanas de Campinas e Belo Horizonte. Assine a newsletter do WRI Brasil para ter acesso a eles assim que forem lançados.
A natureza ajudando a enfrentar crises hídricas
Em 2021, uma seca severa colocou parte do Sul e Sudeste brasileiros em alerta, com baixa produção de água para a produção de energia. Nos anos anteriores, estiagens atingiram o Espírito Santo (2015-2020), o Distrito Federal (2017-18), São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (2014-2015), além de uma sequência de cinco anos da pior seca no Nordeste já registrada. Em outras palavras, todos os anos alguma região do país enfrenta dificuldades com a disponibilidade de água.
A alteração no padrão de chuvas provocada pelas mudanças do clima é certamente um fator a ser considerado, mas um dado importante no enfrentamento das crises de falta de água está na capacidade dos sistemas de abastecimento conseguirem suprir a demanda nas grandes regiões metropolitanas do país. Os dados da ferramenta Aqueduct, do World Resources Institute, mostram esse panorama: as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Campinas, Ribeirão Preto e Vitória enfrentam um risco “alto” de estresse hídrico.
Investimentos inteligentes e duradouros em infraestrutura para o abastecimento são mais do que necessários. Em muitos casos, é preciso construir novos reservatórios, barragens ou melhorar o sistema de esgoto e de distribuição. O papel das florestas pode ser o de potencializar esses investimentos. Como a infraestrutura natural reduz a necessidade de obras, dragagens e produtos químicos para o tratamento da água e ainda gera retorno do investimento, apostar nas florestas é uma forma de combater as crises hídricas por meio do uso eficiente dos recursos.
A hora de investir em florestas é agora
O Brasil tem compromissos internacionais de restaurar e recuperar milhões de hectares degradados, retirando assim carbono da atmosfera e contribuindo para mitigar as mudanças climáticas. É na escala dos municípios e regiões metropolitanas, no entanto, que há a maior oportunidade de fazer com que esses planos saiam do papel. As empresas de saneamento e abastecimento podem ser grandes indutoras dessa restauração, investindo na recuperação de áreas prioritárias para mananciais, recolhendo lucros na redução de custos no tratamento de água, e expandindo os benefícios para toda a sociedade. Produtores rurais, empresas e governos podem fazer parte desse movimento, garantindo um acesso à água mais seguro e de melhor qualidade, especialmente para os grandes centros urbanos do país.
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