Região Sudeste pode apostar na restauração florestal para enfrentar crises hídricas
O Brasil enfrenta atualmente, em estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul, o pior período de seca já registrado simultaneamente nas bacias do Rio Grande, Paraná e Paranapanema. Segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, que avalia o nível de água em reservatórios de usinas hidrelétricas, há 91 anos não era registrado um fluxo tão reduzido de entrada de água nas barragens responsáveis por mais de 60% da capacidade hidrelétrica do país.
Essa crise tem afetado principalmente o setor elétrico, aumentando o preço da tarifa para “bandeira vermelha patamar 2”, o que na prática significa um aumento médio da ordem de 5% na conta de luz dos brasileiros. As previsões climáticas para os próximos meses apontam para precipitações abaixo da média na região, o que deve agravar a situação dos reservatórios tanto para a geração de energia quanto abastecimento, além de comprometer os ciclos biológicos nos rios, especialmente com a chegada da piracema.
A frequência e severidade das secas têm aumentado significativamente, e lançam desafios que exigem soluções que combinem mitigação e adaptação às mudanças climáticas já em curso, como mostrado no mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC. A água é um recurso de uso múltiplo e portanto de gestão compartilhada. Reabilitar as paisagens a regular o fluxo hídrico e fornecer água de melhor qualidade às estruturas de saneamento e geração elétrica é imprescindível.
O natural na infraestrutura
Ecossistemas naturais são sistemas complexos de fluxos de energia e matéria, dentre as quais, a água. Soluções inteligentes integram tecnologia e natureza. Uma série de estudos do WRI Brasil vem construindo um arcabouço de conhecimento e evidências de que investimentos em infraestrutura natural para água podem ter um papel relevante para a melhoria de sua qualidade e no enfrentamento de eventos climáticos extremos. Recuperar florestas e outros ecossistemas potencializa a eficiência de infraestruturas convencionais, aumentando a capacidade sazonal dos reservatórios e sistemas de abastecimento tornando o uso de um recurso essencial como a água potável mais eficiente, reduzindo emissões de carbono e, de quebra, gerando benefícios econômicos.
O WRI Brasil, em parceria com outras 6 organizações, tem trabalhado há 5 anos com empresas de saneamento, comitês de bacias, secretarias de meio ambiente, de agricultura e de recursos hídricos, produtores rurais e agentes públicos na busca de soluções integradas para ampliar a infraestrutura natural. O foco é na recuperação de áreas degradadas nas áreas rurais que fornecem água a grandes regiões metropolitanas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória.
Os resultados mostram que a infraestrutura natural é altamente eficiente na melhoria da qualidade da água, trazendo benefícios adicionais ao tratamento de água e gestão de reservatórios, diminuindo a turbidez e a erosão e assoreamento. O desempenho financeiro da infraestrutura natural é positivo e compatível com os indicadores obtidos pelas infraestruturas convencionais. Mais do que isso. Os investimentos em infraestruturas convencionais, como reservatórios e barragens, podem ser mais efetivos se vierem acompanhados da infraestrutura natural.
Os estudos publicados mostram que:
- São Paulo: O Sistema Cantareira abastece grande parte da região metropolitana e a cidade mais populosa do país. A restauração de 4 mil hectares de áreas prioritárias poderia levar a uma economia no tratamento da água de R$ 338 milhões ao longo de 30 anos.
- Rio de Janeiro: A maior estação de tratamento de água (ETA) do mundo, a ETA Guandu, controlada pela Cedae, abastece grande parte das residências cariocas. Uma redução de gastos com tratamento de água e produtos químicos é possível com a restauração de 3 mil hectares de pastagens com alto grau de erosão, resultando em uma economia de R$ 259 milhões.
- Espírito Santo: A Região Metropolitana da Grande Vitória é abastecida por três bacias hidrográficas. A restauração de 2,5 mil hectares de pastagens degradadas em duas delas – a dos rios Jucu e Santa Maria do Vitória – pode gerar uma economia de quase R$ 93 milhões nos custos de tratamento de água em 20 anos.
Oportunidades para todas as partes interessadas
A identificação de retorno positivo, com taxas similares aos de investimento na infraestrutura convencional da área de saneamento, mostra que soluções baseadas na natureza não apenas geram benefícios ecológicos como são viáveis economicamente.
A infraestrutura natural para a água não é a única forma de solução baseada na natureza que pode contar com restauração e conservação de florestas e áreas naturais. Ela pode ser importante para adaptar cidades a eventos extremos. Estudo do WRI mostra que florestas podem, por exemplo, ajudar a absorver, filtrar e desacelerar o escoamento de água de tempestades, mitigando enchentes e deslizamentos.
As evidências apontam que soluções baseadas na natureza, incluindo a infraestrutura natural para água, não apenas são uma boa solução para resolver problemas ecológicos, mas que também tornam infraestruturas convencionais mais efetivas. Esse dado é crucial em um momento em que o Brasil vai buscar fazer uma retomada de sua economia após a pandemia. Restaurar florestas é uma forma de recuperar nossa economia, reduzir impactos causados por secas e enchentes e, ao mesmo tempo, otimizar recursos financeiros e gerar retorno econômico.