Os sistemas responsáveis pela produção dos alimentos estão repletos de contradições. Eles permitem que a comida chegue nos nossos pratos todos os dias e, assim, garantem a nossa vida, além de ser a fonte de renda de milhões de pessoas ao redor do mundo.  Porém, da forma como estão estruturados atualmente, produzem impactos inaceitáveis em diversos níveis – ambiental, socioeconômico e na saúde da população –, manifestando-se inclusive através de doenças associadas a subnutrição e fome, assim como à obesidade e ao sobrepeso.

O Brasil, um grande produtor e exportador de alimentos, enfrenta múltiplos desafios e oportunidades em seu complexo sistema alimentar. Isso se dá pelo seu papel como exportador global de commodities – fator que contribui fortemente para a monotonia da produção e do consumo de alimentos no país, concentrando-as em algumas grandes cadeias como a pecuária, o milho e a soja – e a necessidade de superar o desafio imediato de ter mais de metade de sua população em algum grau de insegurança alimentar, como demonstrou o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, lançado pela  Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) em 2023.

Esses impactos podem, e devem, ser reduzidos a partir de uma transição do atual modo de produção e consumo de alimentos para os chamados “sistemas alimentares sustentáveis”. Essa mudança não só resultaria em alimentos mais saudáveis na mesa de todos e uma produção que respeite a natureza, as florestas e evita desperdícios, como também geraria benefícios econômicos para o Brasil e o mundo.

O que são sistemas alimentares sustentáveis, e quais os benefícios sociais, econômicos e ambientais que eles podem fornecer ao Brasil e ao mundo? Confira neste artigo uma contextualização desse conceito e os resultados mais recentes de estudos que calculam custos e benefícios de um sistema de produção de alimentos que prioriza a segurança alimentar e nutricional da população atual e das futuras gerações.

O que são sistemas alimentares sustentáveis

O conceito de "Sistemas Alimentares" é amplo – se refere a todos os elementos e atividades relacionados a todas as etapas que envolvem a produção e o consumo de alimentos. Esses elementos podem ser recursos naturais, processos, infraestruturas, instituições e, principalmente, pessoas. E as etapas se referem a produção agropecuária, processamento, distribuição e consumo dos alimentos.

Em outras palavras, os Sistemas Alimentares envolvem tudo o que for relacionado à comida desde o plantio até o chegar aos nossos pratos, incluindo todas as questões sociais, econômicas e ambientais envolvidas.

Porém, um crescente corpo de estudos e pesquisas científicas têm mostrado que os sistemas alimentares atuais possuem grandes problemas. São questões que vão desde a exploração predatória de recursos naturais aos incentivos – inclusive financeiros, mercadológicos e políticos – que beneficiam alguns setores e cadeias produtivas em detrimento de outras, e resultam por exemplo na falta de acesso a alimentos nutritivos por grande parte da população.

Por isso, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) desenvolveu o conceito de Sistemas Alimentares Sustentáveis. São sistemas que proporcionam segurança alimentar e nutricional para todos, sem comprometer as bases econômicas, sociais e ambientais da segurança alimentar e nutricional de gerações futuras.

Os custos ocultos de um sistema não sustentável

Transformar os sistemas alimentares atuais em sistemas sustentáveis é uma tarefa complexa e serão necessários investimentos significativos para a implementação de ações coordenadas. Pesquisas recentes estão mostrando que os benefícios superariam muito os investimentos. A Comissão Econômica dos Sistemas Alimentares (FSEC, na sigla em inglês) é um grupo independente de cientistas que se propôs a analisar e entender quais custos são esses, comparando um cenário em que não há transformação nos sistemas com outro que busca tornar esses sistemas sustentáveis.

A partir de modelagem econômica, cálculos de custos e revisão de literatura, a FSEC apresentou o Global Policy Report, um estudo global lançado no final de janeiro de 2024 que traz um panorama amplo dos problemas associados ao modelo atual de produção e consumo de alimentos. O trabalho calcula os custos para a sociedade e explora potenciais caminhos para a solução destes problemas.

Os resultados mostram o impacto que a produção e distribuição de alimentos têm nas emissões de gases de efeito estufa, contribuindo com o aquecimento global, na insegurança alimentar e na fome, nos custos de saúde com obesidade e má nutrição, no desperdício de alimentos, no desmatamento e má gestão do solo, entre outros. São custos geralmente ocultos e não contabilizados por cálculos econômicos tradicionais.

A magnitude destes custos é proporcional ao tamanho da complexidade dos sistemas alimentares a nível global: a FSEC estimou que esses custos representam um prejuízo de US$ 15 trilhões por ano, o equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) de todos os países do mundo. 

Já o cenário que prevê uma transformação sustentável mostra que é possível reverter esses prejuízos. Ele considera transformações nas seguintes áreas:

  • Dietas saudáveis para todos
  • Segurança alimentar em todo o sistema
  • Conservação da natureza e restauração de áreas degradadas
  • Produção agropecuária ambientalmente sustentável
  • Sistemas alimentares resilientes que mantenham a segurança alimentar e nutricional ao longo prazo

Com essas mudanças, a FSEC estima que os benefícios dos sistemas alimentares sustentáveis, calculados a partir da lógica dos custos evitados ao se reduzir os impactos negativos do modelo atual e comparados aos investimentos necessários para a transição, podem chegar a US$ 10 trilhões por ano até 2050, através da implementação coordenada e complementar de uma série de medidas tecnológicas, políticas e sociais.

Os custos ocultos no Brasil

Como o Brasil entra nesse cenário global? Em fevereiro, durante o Fórum de Finanças Climáticas em São Paulo, a FSEC apresentou, em parceria com a The Food and Land Use Coalition (Coalizão sobre Alimentos e Uso da Terra), o WRI Brasil, a Systemiq e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, um anexo do relatório global que fez um estudo de caso sobre o Brasil. 

O Brasil é um grande exportador de produtos agrícolas, mas essa produção também tem muitos custos ocultos embutidos. A pecuária é um exemplo. O país é o segundo maior exportador de carne bovina no mundo, mas essas exportações não consideram os custos socioambientais do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, por exemplo. Mesmo sendo grande produtor agropecuário, o Brasil ainda enfrenta situações de insegurança alimentar e fome, e tem uma agricultura vulnerável ao clima e às mudanças climáticas. Esses elementos fazem com que a transição para sistemas alimentares mais sustentáveis, considerando a necessidade de garantir o acesso aos alimentos por parte da população, seja urgente no país.

O estudo mostra que os custos ocultos no Brasil chegam a um prejuízo de US$ 500 bilhões por ano, especialmente por conta de emissões de gases de efeito estufa, poluição por nitrogênio, desmatamento e perdas de produtividade decorrentes do consumo de dietas pouco diversas ou saudáveis. Neste caso, o cenário de transformação para sistemas alimentares sustentáveis gera um benefício em custos ocultos evitados de US$ 216 bilhões até 2050.

Os dados mostram que o Brasil tem a oportunidade de transformar seus sistemas de uso da terra e alimentos e, simultaneamente, alcançar resultados econômicos mais robustos e equalitários, a proteção e a restauração ambiental, melhorar os meios de subsistência e acabar com a fome. Para isso, o país precisa ter uma estratégia integrada de segurança alimentar, produção em grande escala de alimentos diversos e proteção florestal, alinhando incentivos públicos, investimentos e ação local.

Uma solução transversal a todas as outras

A produção de alimentos e as mudanças no uso da terra representam atualmente um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, e os efeitos das mudanças climáticas atingirão desproporcionalmente pequenos produtores rurais, populações vulneráveis e comunidades tradicionais.  

Para o WRI Brasil, fazer a transição para sistemas alimentares sustentáveis é urgente para garantir a segurança alimentar e nutricional da população, assim como um meio ambiente sadio e seguro para as futuras gerações.

A abordagem sistêmica para a transformação da produção e o consumo de alimentos é fundamental e permite identificar alavancas, relações de causa e efeito entre diferentes elementos do sistema alimentar e identificar prioridades de ação, sempre considerando possíveis perdas e ganhos associados às intervenções. Também permite enfrentar múltiplos problemas, do combate ao desmatamento de florestas tropicais, passando pelo combate à pobreza e a fome, até o consumo de alimentos nutritivos pela população. Fazer essa mudança será fundamental para colocar o Brasil no caminho de uma transição justa para uma próspera economia de baixo carbono.