Ação pelo clima: 4 grandes questões para acompanhar em 2024
O ano passado quebrou recordes globais de calor. O mundo testemunhou os efeitos do aumento das temperaturas na forma de incêndios florestais devastadores, enchentes severas e ondas de calor extremo, entre outras consequências. E é sobre os países e comunidades mais pobres, justamente os que menos contribuíram para a crise climáticam, que recai os peso de seus impactos crescentes.
O relatório do primeiro Balanço Global mostrou que, para manter o aquecimento dentro dos níveis considerados “seguros” pela ciência, precisamos reduzir as emissões globais de gases do efeito estufa em 43% até 2030. No entanto, os planos climáticos atuais reduziriam as emissões em apenas 8%.
Embora 2023 também tenha registrado avanços exponenciais nas áreas de eletromobilidade e energia renovável, precisamos que todos os setores atinjam patamares de mudança similares para dar início a uma nova era de prosperidade de baixo carbono.
Ainda não é tarde demais para corrigirmos a rota. Em 2024 – um ano eleitoral para países que abrigam mais de metade da população global –, as lideranças precisam fazer escolhas arrojadas que beneficiem tanto o clima quanto as pessoas e a natureza.
Sabemos que eleições podem fazer a diferença no destino do nosso planeta. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito presidente do Brasil em 2022, o desmatamento na Amazônia brasileira caiu 22%. Nos Estados Unidos, a gestão de Biden aprovou o maior pacote de legislação climática da história do país, incluindo quase US$ 370 bilhões em investimentos.
Em 2024, bilhões de eleitores em países como Estados Unidos, México, Reino Unido, Índia e Indonésia vão às urnas para eleger os líderes que tomarão essas decisões em meio à crise climática. Até aqui, 2024 é o ano eleitoral mais importante do século.
Todos os anos, os especialistas do WRI avaliam as principais mudanças e decisões que afetarão o futuro das pessoas, da natureza e do clima. Os temas e histórias que selecionamos para acompanhar este ano no Stories to Watch focam no poder das eleições para catalisar ações em áreas fundamentais, como clima, alimentos, energia e cidades. São reflexões sobre de que forma os líderes vão encontrar equilíbrio entre ações climáticas ambiciosas e a capacidade de envolver toda a população na transição. Elas reúnem a arte e a ciência da nova política climática.
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1) Clima: as políticas climáticas serão alinhadas ao limite de 1,5°C?
Em dezembro de 2023, os líderes mundiais se reuniram na COP28 para dar início a uma nova era para a ação climática, concordando pela primeira vez sobre um caminho para acabar com o uso de combustíveis fósseis. Esse parece um avanço e tanto.
Mas ter lideranças ambiciosas, capazes de estabelecer acordos globais fortes, é só o primeiro passo. Cumprir essas promessas exige políticas capazes de transformar os compromissos climáticos em ações de escala nacional.
Para as lideranças dos países, não vai ser fácil convencer a população de que a transição para uma economia de baixo carbono é o melhor para todos. Na Holanda (um dos países mais ricos do mundo), por exemplo, ao longo dos últimos anos centenas de produtores locais dirigiram seus tratores até o entorno do parlamento em Haia para manifestar suas preocupações em relação à transição.
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Se o mundo pretende acelerar – exponencialmente – a transição para uma economia de baixo carbono, precisamos de lideranças capazes de desenvolver uma nova política climática que não apenas mostre as oportunidades, mas também garanta apoio e segurança para os que serão mais afetados pela transição.
Nações desenvolvidas como Alemanha e Reino Unido precisam incorporar mudanças como o uso de novas práticas agrícolas, mais sustentáveis, além de alterações nos custos de energia, para garantir que os trabalhadores do setor tenham o apoio necessário na transição e que o orçamento das famílias não seja onerado. Já os países em desenvolvimento devem promover uma transição rápida em seus sistemas energéticos para que possam usufruir os benefícios do crescimento com baixas emissões de carbono. Países produtores de combustíveis fósseis, como Noruega, Arábia Saudita e Estados Unidos, precisam encontrar outras fontes de prosperidade. E as nações mais ricas ainda têm o desafio extra de destinar mais recursos para apoiar a ação climática e medidas adaptação nas economias emergentes.
As lideranças precisam planejar e promover políticas para uma transição de baixo carbono que gerem benefícios para todas as pessoas. Vencer esse desafio exige ambição, ação e colaboração em uma velocidade e escala sem precedentes.
O que acompanhar em 2024:
- Como os candidatos abordam os custos e oportunidades econômicas da ação climática em suas campanhas? A promessa de uma nova economia climática e de um mundo mais seguro vai engajar os eleitores?
- Os países vão aprovar políticas mais ambiciosas alinhadas ao limite de 1,5°C?
- Os legisladores vão garantir que todas as pessoas usufruam os benefícios da economia de baixo carbono, especialmente os grupos mais afetados pela transição?
- Os países mais ricos vão cumprir as promessas de aumentar o apoio à ação climática nas economias emergentes?
- Teremos mais financiamento para a ação climática na COP29, no Azerbaijão?
2) Alimentos: conseguiremos alimentar mais pessoas e de forma mais sustentável?
Reformular os sistemas globais de alimentos e uso da terra é uma das maiores oportunidades para que a ação climática seja efetiva. Ainda assim, o setor tem sido sistematicamente ignorado nas políticas climáticas nacionais.
Embora o mundo já produza alimentos suficientes para alimentar toda a população mundial, centenas de milhões de pessoas ainda passam fome, enquanto um terço de todos os alimentos produzidos é perdido ou desperdiçado. Os padrões de consumo também são profundamente desiguais: moradores de países mais ricos comem muito mais carne e laticínios – os alimentos mais intensivos em emissões e no uso de recursos – do que as pessoas em outras partes do mundo.
Essa realidade não é apenas ineficiente, é também insustentável. Os sistemas alimentares são responsáveis por 34% das emissões globais de gases do efeito estufa e consomem uma quantidade descomunal de água e áreas de terra para produção, além de causarem cerca de 75% do desmatamento nas florestas tropicais. Ao mesmo tempo, a agropecuária é cada vez mais ameaçada por secas, ondas de calor extremo e outros impactos climáticos que podem devastar as colheitas e colocar em risco os meios de subsistência dos produtores.
Os alimentos também estão profundamente enraizados na cultura e no modo de vida das pessoas. Quase metade da população mundial vive em famílias em que um dos membros trabalha no sistema alimentar. Essa relevância política e social ajuda a explicar por que governos em todo o mundo gastam mais US$ 700 bilhões por ano em subsídios agrícolas diretos.
Alimentar uma população que está aumentando em meio à mudança climática exigirá uma reformulação de nossos sistemas alimentares, do campo ao prato. Precisamos produzir alimentos de forma mais eficiente e, ao mesmo tempo, proteger a natureza e a biodiversidade; reduzir o desperdício de alimentos em todos os países; diminuir o consumo de carne nos países mais ricos; e restaurar áreas degradadas para que voltem a ser produtivas.
As sementes já foram plantadas. Na COP28, 159 países aprovaram a histórica Declaração do Emirados Árabes sobre Agricultura Sustentável, por meio da qual concordaram, pela primeira vez, em integrar sistemas alimentares sustentáveis nos planos climáticos nacionais até 2025, aumentar a adaptação e a resiliência dos agricultores e reduzir a perda e o desperdício de alimentos, entre outras medidas.
O que acompanhar em 2024:
- Países e empresas vão agir para reduzir as emissões de metano da produção de alimentos e criação de gado? As emissões agrícolas vão começar a cair?
- As tendências positivas observadas no Brasil e na Indonésia na redução do desmatamento para a produção de commodities vão continuar e se espalhar pelo mundo?
- Os líderes vão adotar medidas arrojadas para reduzir a perda e o desperdício de alimentos e incentivar dietas mais positivas para o clima?
- Os países vão implementar políticas e incentivos efetivos para cumprir seus compromissos de restauração?
3) Energia: a rede de transmissão vai acompanhar os avanços da energia limpa?
Por muito tempo, o debate climático teve a transição energética como foco, e por um bom motivo: 75% das emissões globais são causadas pela queima de combustíveis fósseis.
A boa notícia é que a revolução da energia limpa já começou e está ganhando ritmo. Em quase todas as partes do mundo, energia solar e eólica já são mais baratas do que a geração a partir de combustíveis fósseis. A participação dessas duas fontes na geração global de eletricidade tem aumentado a uma taxa média de 14% – e esse número deve aumentar nos próximos anos.
Mas não importa o quanto o mundo invista nessa área – turbinas eólicas, painéis solares e outras tecnologias renováveis não serão capazes de atingir sozinhos as metas de energia limpa. A energia gerada onde as fontes renováveis são abundantes precisa chegar ao usuário final – e nossas redes de transmissão de eletricidade atuais não estão aptas para isso.
A modernização das redes é um desafio político delicado que envolve grandes investimentos, políticas, terra e tecnologia. Em muitas economias desenvolvidas, como Estados Unidos e Europa, custos elevados e normas restritivas de uso do solo impedem a construção de novas infraestruturas de rede na escala e no ritmo necessários. Antes da construção, a etapa de licenciamento pode levar anos, e atrasos de conexão à rede de até uma década são comuns. Ainda assim, o mundo precisa encontrar uma forma de triplicar a energia renovável em apenas seis anos.
Enquanto isso, muitas comunidades ainda vivem sem eletricidade. Na África, menos de 60% das pessoas estão ligadas à rede eléctrica. Na Nigéria – o país com o maior PIB de África –, 40% de toda a eletricidade produzida em 2021 veio de geradores privados. Além de caro, isso é altamente prejudicial ao meio ambiente e à saúde humana.
Reformar as redes elétricas em todo o mundo não é essencial apenas para as metas globais de energia limpa. A mudança também é fundamental para aumentar a segurança energética, melhorar a qualidade do ar e garantir que todos tenham acesso a uma energia limpa e confiável, que possa tirar as pessoas da pobreza e impulsionar o desenvolvimento sustentável.
O que acompanhar em 2024:
- Os países e seus líderes vão priorizar investimentos para reformar a infraestrutura de transmissão?
- Os governos vão aprovar reformas que permitam a rápida expansão da rede e o desenvolvimento de novos projetos para além das fronteiras estaduais e nacionais?
- As redes de transmissão vão ser modernizadas por meio de novas tecnologias, como a inteligência artificial, para torná-la mais eficientes e responsivas a diferentes necessidades?
4) Calor extremo: como cidades e países vão proteger os mais vulneráveis?
O calor é o retrato do impacto das mudanças climáticas nas vidas humanas. Pesquisas indicam que mais de 500 mil pessoas morrem todos os anos no mundo em decorrência de problemas relacionados ao calor. E o número exato tende a ser muito mais alto, uma vez que o calor como causa direta de uma morte com frequência não é algo evidente.
O calor também é um retrato da injustiça. Comunidades pobres e marginalizadas são as que mais sofrem com o calor extremo, seja porque não possuem acesso a sistemas de resfriamento, porque tendem a realizar trabalhos manuais ou porque vivem nas áreas mais densas e quentes das cidades. Países mais pobres também possuem menos recursos para promover as adaptações necessárias para tornar suas cidades, infraestruturas e sistemas alimentares mais resilientes ao calor extremo.
Depois de testemunhar as consequências do ano mais quente já vivido no planeta, enfrentar o calor extremo e seus impactos deve ser uma prioridade em 2024. E as cidades devem estar na linha de frente. Seja plantando milhares de árvores, como Medellín, na Colômbia; pintando telhados de branco, como Ahmedabad, na Índia; ou reimaginando o planejamento urbano, como Singapura – os governos locais têm o poder de criar soluções práticas para resfriar as cidades e proteger a vida de mais de metade da população mundial.
Também há um trabalho importante a ser feito em âmbito nacional, por meio de políticas e regulações que incentivem a eficiência energética e o uso de soluções baseadas na natureza, entre outras medidas. Os países mais ricos, beneficiados por séculos de uso de combustíveis fósseis e que causaram boa parte desse calor, precisam tomar a iniciativa este ano em Baku, na COP29, e apoiar as nações mais vulneráveis. É preciso avançar nos compromissos da Meta Global de Adaptação e estabelecer novos compromissos financeiros para promover medidas de adaptação lideradas localmente.
O que acompanhar em 2024:
- Como os líderes vão proteger as pessoas mais vulneráveis ao calor?
- Governos locais, regionais e nacionais vão coordenar ações para maximizar o impacto?
- Cidades e países vão investir para duplicar a eficiência energética, como prometeram em Dubai, e promover avanços em soluções de resfriamento passivo e baseadas na natureza?
- Na COP29, os países vão fortalecer a Meta Global de Adaptação com metas quantitativas e o financiamento necessário para a adaptação nos países em desenvolvimento?
Moldando 2024 e o futuro
Essas questões serão centrais e estarão na linha de frente da ação climática este ano.
Em 2024, batalhas climáticas fundamentais vão acontecer não apenas em grandes reuniões globais, como a conferência do clima da ONU, mas também nas urnas. As ações adotadas pelos líderes eleitos ao longo dos próximos anos vão determinar se o mundo será capaz de manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C e evitar os efeitos mais catastróficos das mudanças climáticas.
Para mais informações sobre como esses temas podem se desenrolar, acesse a apresentação completa do Stories to Watch.
Artigo publicado originalmente no Insights.