Quando o assunto é comida no prato para uma crescente população global, empresas, governos e sociedade civil precisam encontrar uma receita sustentável para aumentar a produção e, ao mesmo tempo, reduzir perda e desperdício de alimentos. Com cada vez mais gente no mundo, é um desafio garantir a alimentação das pessoas sem aumentar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera e sem exaurir os recursos naturais limitados do planeta.

Um estudo do World Resources Institute (WRI) aponta que será preciso aumentar em aproximadamente 60% a produção de calorias alimentares em 2050 se a demanda global continuar crescendo, o que intensificaria a insegurança alimentar.

Ao mesmo tempo, um terço dos alimentos produzidos para o consumo humano — ou 1,3 bilhão de toneladas — é perdido ou desperdiçado entre a lavoura e o prato das pessoas anualmente, estima relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

A perda ocorre nas etapas de produção, armazenamento, transporte e distribuição — e não são intencionais. Isso significa que o produtor ou o distribuidor não quer perder alimentos, o que gera prejuízo. A perda acontece por alguma questão técnica que o produtor ou o distribuidor não conseguiu evitar. O desperdício ocorre nas etapas de varejo e no consumo final. O desperdício se dá pela negligência do varejista, do consumidor ou dos dois.

Pelas análises da FAO, a perda e o desperdício de alimentos acontecem em etapas diferentes da cadeia produtiva dependendo da região. Na Europa, metade dos alimentos é desperdiçado perto do garfo. Na América Latina, acontece o oposto: mais da metade dos alimentos produzidos é perdido na cadeia entre a produção e a distribuição.

“No Brasil, melhorias relacionadas a métodos de colheita, armazenamento e distribuição poderiam contribuir para reduzir perda e desperdício de alimentos, que ocorre principalmente nas primeiras etapas da cadeia”, diz a analista de Clima do WRI Brasil, Juliana Speranza.

A Meta 12.3 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propõe reduzir pela metade o desperdício de alimentos per capita e também as perdas ao longo da cadeia produtiva. Se bem-sucedida, a medida diminuiria em 22% a pressão global por mais alimentos.


Gráfico porcentagem de alimentos perdidos ou desperdiçados


Como Contabilizar Perda e Desperdício de Alimentos

Ainda que a FAO demonstre estimativas regionais, muitos países, cidades, empresas e organizações não dispõem de informações suficientes sobre a quantidade, o porquê e o destino dos alimentos que se perdem ou são desperdiçados na cadeia.

No Brasil, falta um estudo amplo e robusto do ponto de vista científico que apresente um levantamento real da perda e desperdício de alimentos.

Em primeiro lugar, a dificuldade está no que é considerado perda e desperdício de alimentos (PDA) na cadeia produtiva, que varia amplamente, e na falta tanto de um conjunto consistente de definições sobre PDA, como a estrutura de contabilidade e relatórios que permitam concluir e elaborar inventários.

“Temos um desafio metodológico. É difícil comparar dados numéricos sem um padrão comum, uma ‘língua comum’ que permita a medição. Pense no caso da banana. Comemos a fruta, mas não a casca. Quando falamos em desperdício, a casca entra no cálculo ou fica de fora? É um desafio administrar o que você não mede”, diz a consultora global do WRI, Kai Robertson.

O WRI elaborou o Padrão para Contabilizar e Relatar a Perda e o Desperdício de Alimentos (Padrão PDA) como oportunidade para contornar o desafio metodológico. A versão em português do resumo executivo foi lançada em evento da iniciativa Save Food Brasil (SFB) no dia 26 de setembro, em São Paulo (SP).


Kai Robertson em evento da iniciativa Save Food Brasil, em São Paulo (Foto: Leo Orestes/Divulgação SFB)

Kai Robertson em evento da iniciativa Save Food Brasil, em São Paulo (Foto: Leo Orestes/Divulgação SFB)


O Padrão PDA fornece requisitos e orientações para quantificar e relatar o que se perde e se desperdiça na cadeia de fornecimento de alimentos. “É uma base importante para o esforço de redução de perda e desperdício e oferece benefícios para governos, empresas e sociedade civil, como a possiblidade dos atores diminuírem custos associados à compra e ao descarte de matéria-prima excedente, reduzirem as emissões de GEE ou mesmo apoiarem os esforços mundiais para erradicação da fome”, afirma a gerente de Clima do WRI Brasil, Viviane Romeiro.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário criou recentemente o Comitê Técnico de Perdas e Desperdícios vinculado à Secretaria-Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). O objetivo é construir um escopo de trabalho, engajar diversos atores e promover institucionalmente política pública — e não apenas estatal — que trate da redução de PDA.

O Padrão PDA pode ajudar financeiramente os negócios porque incentivará as empresas a reduzir perda e desperdício. “Para o empresariado do ramo alimentício, o protocolo mostra o que é perdido e como é possível implementar tecnologias de redução. Por exemplo, se ele compra matéria-prima e parte dela é perdida, esse excedente poderia gerar um novo produto. Para o setor privado inovar, é necessário saber onde está a perda”, destaca Kai.

O evento da iniciativa SFB reuniu representantes de governo, setor privado, academia, centros de pesquisa e organizações não governamentais. A iniciativa tem como foco conscientizar sobre o impacto e busca de soluções para combater a perda e o desperdício de alimentos, promovendo a troca de conhecimento sobre as melhores práticas na cadeia.