É nas áreas mais desmatadas ou com maior degradação que se encontra o maior potencial para a restauração de paisagens e florestas – e o Vale do Paraíba Paulista é uma paisagem que é exemplo disso. Localizado na Mata Atlântica, um dos hotspots globais da restauração, o Vale é marcado por um processo histórico de intenso desmatamento e exploração do uso da terra, mas que hoje vê surgir movimentos, iniciativas e experiências em restauração florestal que podem reverter essa tendência. 

Um artigo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), agentes locais de restauração da região e profissionais do WRI Brasil indica que o Vale do Paraíba reúne condições favoráveis para o avanço de iniciativas de Restauração de Paisagens e Florestas.  

O artigo mostra que, quando as iniciativas de restauração fazem parte de uma estrutura de governança em que as paisagens, não só ecológicas, mas demográficas, sociais e políticas, estão interligadas e fortalecidas, elas têm mais chances de obter resultados ambientais e econômicos positivos melhores e mais céleres.  

Governança: um grande passo para dar escala à restauração 

A restauração não depende somente dos aspectos biofísicos, mas também sociais da paisagem: as pessoas, representadas por comunidades locais, produtores e produtoras rurais, empresas e organizações diversas, formam modelos de governança da Restauração de Paisagens e Florestas. Mas o que é governança? 

O conceito de governança está relacionado à ligação, interação e dependência de atores sociais – estatais e não estatais – que estabelecem objetivos comuns sobre questões de interesse público. Na governança da Restauração não é diferente. Os agentes estabelecem conexões entre si pela troca de recursos (informações, insumos, financeiros, etc.) e influenciam decisões, projetos e processos de implementação de ações no território.  

Buscando entender como essas conexões entre os atores sociais acontecem e configuram a governança do Vale do Paraíba, o artigo “Governança da restauração de paisagens e florestas: iniciativas e a rede de atores sociais do Vale do Paraíba paulista”, apresenta um mapeamento social do Vale que revela a existência de uma grande densidade de instituições e organizações que atuam com restauração na região.  

Confira algumas características da governança no Vale do Paraíba identificadas no estudo: 

  • 92 atores sociais se dividem em organizações públicas, privadas com fins lucrativos e sem fins lucrativos, redes de trabalho, movimentos sociais, grupos e indivíduos; 
  • 182 ligações foram contabilizadas entre os atores sociais; 
  • Os atores sociais atuam do nível local ao internacional, com maioria em atuação no nível microrregional; 
  • O setor privado sem fins lucrativos, como as ONGs, caraterizado como intermediador, são centrais na rede de governança e intermediam recursos e conectam diferentes atores; 
  • A estrutura de múltiplos atores identificados no Vale do Paraíba Paulista é positiva, mas ainda há a necessidade de coordenação para promover colaboração em torno de políticas, projetos e processos de restauração. 

Essas características da rede de governança são importantes para destravar o potencial de restauração do Vale do paraíba. Cerca de 450 mil hectares de áreas degradas têm aptidão agroflorestal na região, como aponta trabalho publicado em 2018 pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, com apoio do WRI Brasil. O estudo foi realizado com base na aplicação da Metodologia ROAM e tinha como objetivo identificar as oportunidades para a recuperação de florestas e paisagens na região.  

Ainda segundo a pesquisa, 19% da área do Vale do Paraíba atende a uma, duas ou três das seguintes motivações: restaurar para melhorar a qualidade do solo, da água e para gerar emprego e renda. A restauração do Vale pode aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário da região em cerca de 32%

A partir do mapeamento dos atores sociais do norte do Espírito Santo, da bacia do rio Doce em Minas Gerais e do Vale do Paraíba em São Paulo, o estudo "A paisagem social no planejamento da restauração", mostra que para o sucesso da restauração é necessário que as pessoas estejam no centro do processo.  

O modelo de governança do Vale do Paraíba pode ser exemplo para outras regiões 

Ainda que a governança varie de acordo com cada realidade local, algumas características da estrutura de governança do Vale do Paraíba podem ser semelhantes e servir de referência para outras regiões. Por exemplo: 

  • A multiplicidade de atores sociais;  
  • A atuação de atores sociais, principalmente em escala regional. Este cenário é positivo, pois indica que há a participação de pessoas com grande conhecimento das condições e características locais do Vale do Paraíba; 
  • A presença de organizações locais e internacionais, como as ONGs, que funcionam como intermediadores da rede de governança. Essas organizações possuem interlocução com atores dos setores públicos, como o governo, e estão presentes nas discussões que envolvem a paisagem e a restauração e a construção de políticas públicas.  

Iniciativas como as do Vale do Paraíba podem chegar em outras regiões pelo ganho de escala, divulgação e mobilização de atores sociais com recursos políticos e financeiros capazes de disseminá-las para outros locais. 

Desde 2006, foram identificadas 22 iniciativas de restauração de paisagens e florestas no Vale do Paraíba. Uma delas, a Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, é exemplo do engajamento de agricultoras e agricultores. 

Desde a sua fundação em 2011, a associação já mobilizou mais de 50 mutirões de implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), com a participação de mais de mil produtores rurais.  

Um desses sistemas, a Fazenda Coruputuba, foi abordada na websérie “As Caras da Restauração”, produção do WRI Brasil. Comandada pelo agricultor Patrick Assumpção, a propriedade investe em plantios biodiversos e silvicultura de espécies nativas. Patrick já ajudou a disseminar técnicas de agrofloresta para mais de 200 produtores rurais. 

Essas e outras ações exemplificam a potencialidade de atuação e mobilização dos atores sociais do Vale, que contribuem para atingir um objetivo em comum: a restauração de áreas degradadas.


*Jordano Buzati Roma é pesquisador em Políticas Públicas Socioambientais, possui Bacharel em Gestão de Políticas Públicas e é Mestre em Ciência Ambiental pelo Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. 

Agradecimento dos autores: Publicações como essa são possíveis graças ao compartilhamento das informações e esclarecimentos necessários ao longo da elaboração do estudo por parte das organizações implementadoras ou envolvidas nas entrevistas e reuniões bilaterais. Os autores agradecem aos participantes de oficinas presenciais realizadas entre 2018 e 2020, bem como o apoio dos consultores locais nos municípios em que as atividades foram realizadas.