O que são medidas de moderação de tráfego, tema de guia da Senatran com apoio do WRI Brasil
Nas cidades brasileiras e em qualquer cidade do mundo, a velocidade é o principal fator de risco para sinistros de trânsito: contribui tanto para a chance de uma colisão ou atropelamento ocorrer quanto para sua gravidade. Reduzir a velocidade dos veículos, por outro lado, torna as cidades mais seguras e acolhedoras, em especial para pedestres e ciclistas.
Muitas cidades já readequaram os limites de velocidades em vias urbanas, ação recomendada pela segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU e da OMS. No Brasil, a agenda é impulsionada pela sociedade civil por meio do Projeto de Lei 2789/2023, que reduz os limites de velocidade em avenidas de 60 km/h para 50 km/h. Mas fixar limites adequados é apenas uma parte do processo de tornas as cidades mais humanas.
A redução das velocidades será nove vezes mais efetiva se limites de velocidade mais baixos forem combinados com intervenções físicas que mudem o comportamento dos condutores ao desestimular ou dificultar o tráfego em velocidade inadequada. São as chamadas medidas de moderação de tráfego: travessias de pedestres elevadas, lombadas, extensões de meio-fio, entre outras intervenções.
Os conceitos são explicados em detalhes no Guia de Medidas de Moderação de Tráfego, da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Elaborado com apoio técnico do WRI Brasil, no âmbito da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global (BIGRS), o guia é a primeira publicação da coleção Boas Práticas em Segurança no Trânsito, que apresenta diretrizes e recomendações técnicas, alinhadas ao Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans).
Medidas para diferentes contextos
Também chamadas de medidas de acalmamento de tráfego (do inglês, traffic calming), as medidas de moderação de tráfego estão entre as formas mais efetivas de promover a redução das velocidades e a segurança no trânsito. E podem ser utilizadas para redistribuir o espaço viário de forma mais equitativa e qualificá-lo para promover a convivência.
Há diversas estratégias, adequadas a diferentes contextos. O guia oferece informações sobre 22 medidas e elementos, com diretrizes e considerações para a implementação efetiva e segura, recomendações de projeto e ilustrações das medidas em ambientes próximos da realidade. Também são indicadas outras referências nacionais e internacionais para aprofundar questões relativas ao dimensionamento ou detalhar aspectos que não estejam claros ou que exijam uma discussão mais embasada.
A seguir, conheça as principais medidas de moderação de tráfego do guia.
Deflexões verticais
Medidas como lombadas e faixas de pedestre elevadas, as deflexões verticais têm impacto considerável na redução das velocidades. A eficácia depende de três fatores: a altura do dispositivo, o gradiente da rampa e a distância em relação a outras medidas de moderação de tráfego. Algumas deflexões verticais, como os platôs e as interseções elevadas, ainda têm como benefício o aumento da intervisibilidade entre condutores e pedestres.
As deflexões verticais são efetivas em induzir reduções pontuais de velocidade, mas em vias de tráfego mais rápido, para maior eficiência, devem ser implantadas em série e podem ser acompanhadas de outras medidas, como as deflexões horizontais e elementos complementares de moderação de tráfego. O Guia de Medidas de Moderação de Tráfego detalha as restrições e indica a legislação pertinente para a implantação das deflexões verticais.
Deflexões horizontais
Longos trechos retilíneos favorecem velocidades mais altas. As deflexões horizontais criam desvios na rota do condutor ao longo desses trechos, induzindo a redução das velocidades praticadas. Também podem contribuir para redistribuir o espaço da via ao criar espaços seguros para pedestres e ciclistas.
As extensões de meio-fio ou de calçadas são uma dessas medidas com múltiplos benefícios: ao ampliar o espaço da calçada, criam espaços para permanência e circulação de pedestres ou para a instalação de equipamentos de qualificação do espaço urbano como jardins de chuva ou paraciclos. Por reduzirem a largura da via, podem ser combinadas com faixas de pedestre para oferecer travessias mais curtas e seguras.
Extensões de meio-fio ainda são uma forma de implantar outras medidas de moderação, como chicanas (sinuosidade em zigue-zague) e a redução do raio de giro das esquinas, que induzem a redução da velocidade dos veículos em conversões. O Guia detalha essa e outras deflexões horizontais, como as chicanas e as minirrotatórias.
Estreitamento de vias
Medidas de estreitamento de vias como a redução da largura das faixas de tráfego e ilhas de refúgio para pedestres, além de induzir a redução da velocidade dos veículos, também contribuem para a redistribuição do espaço viário, incentivando a adoção do transporte não motorizado.
Estreitamentos em meio de quadra e ilhas de refúgio de pedestres melhoram as condições de conforto e segurança viária para os usuários mais vulneráveis, ao reduzir as distâncias de travessias e propiciar travessias em mais de uma etapa, no caso de vias com três ou mais faixas de trânsito.
Para maior eficácia e potencialização dos seus efeitos na redução de velocidades é importante que essas medidas sejam combinadas com outras categorias de medidas de moderação.
Tratamento de superfícies
A texturização e coloração do pavimento e a implantação de sonorizadores são eficientes para gerar contraste e destacar diferentes contextos e características da via. Em situações em que a via é compartilhada entre veículos e pedestres, como em centros históricos, áreas comerciais ou escolares, essas medidas de tratamento de superfícies auxiliam na melhora da compreensão dos espaços destinados a cada usuário da via e na diferenciação entre os diferentes tipos de vias.
Para que sejam efetivos na redução de velocidade, devem ser adotados em conjunto com outras medidas de moderação de tráfego, como as deflexões verticais e horizontais.
Elementos adicionais de moderação de tráfego
Para alertar sobre mudanças no contexto viário, como o ingresso em áreas históricas ou áreas de trânsito calmo, são utilizados os elementos adicionais de moderação de tráfego combinados com componentes de sinalização e de infraestrutura.
Elementos complementares como parklets, vegetação, floreiras e balizadores também contribuem para tornar os espaços públicos mais atrativos e agradáveis, sobretudo para quem transita pelas vias através dos modos ativos, como a pé e de bicicleta.
Semaforização, fiscalização e dispositivos eletrônicos
A tecnologia é uma importante aliada na gestão de velocidades. Medidas de semaforização e fiscalização por dispositivos eletrônicos são úteis em trechos com intensa circulação e interação entre veículos e pedestres nos quais os elementos de infraestrutura não sejam suficientes, ou em locais mais difíceis de promover mudanças, físicas e ou de comportamento. Ajustar os tempos dos ciclos semafóricos de modo que motoristas que trafeguem em velocidades adequadas encontrem o sinal verde ao longo do trajeto também é uma forma de estimular e reforçar comportamentos.
O Guia de Medidas de Moderação de Tráfego indica as recomendações e diretrizes de projeto para implantação desses elementos. Também apresenta um quadro resumo da efetividade de cada uma das medidas de moderação abordadas, em fatores como redução da velocidade veicular, redução da capacidade veicular da via, uso do espaço para outros fins, custo médio e indicação segundo a classificação tipológica da via.
Medidas de moderação de tráfego salvam vidas
A redução de velocidades nas vias urbanas tem o potencial de salvar milhares de vidas todos os anos no Brasil. Aplicadas de forma holística e integrada no espaço viário, podem constituir áreas de trânsito calmo, em que os benefícios também são potencializados: mais espaço para permanência e convivência, mais vitalidade para o comércio, ar mais puro.
O Guia de Medidas de Moderação de Tráfego vai contribuir para a difusão do conceito e construção de capacidades nos municípios, que são os responsáveis pelo planejamento e implementação da infraestrutura viária para gestão de velocidades e qualificação urbanística.