Em números: a ação climática necessária nesta década para manter o 1,5°C ao alcance
A edição mais recente do Relatório sobre a Lacuna de Emissões, da ONU, faz um alerta claro: as atuais políticas e compromissos climáticos nacionais estão muito aquém do necessário para controlar as mudanças climáticas.
O que diz a ciência: manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C (em relação aos níveis pré-industriais) é essencial para evitar os impactos mais severos e generalizados das mudanças climáticas. Para isso, no entanto, precisamos reduzir as emissões de gases do efeito de estufa (GEE) em 42% até 2030 e em 56% até 2035, em relação a 2023. Sozinhas, as políticas atuais podem alcançar uma redução de menos de 1% até 2030 e 2035.
Preencher esse déficit exige ações em um ritmo e escala sem precedentes. A menos que os países consigam reduzir drasticamente as emissões de GEE até 2030, será impossível recuperar o que já foi perdido para limitar o aquecimento a 1,5°C.
Felizmente, o próximo ano apresenta uma excelente oportunidade para mudarmos essa trajetória: os países apresentarão a atualização de seus compromissos climáticos, ou contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), até o início de 2025, detalhando as ações climáticas que pretendem implementar ao longo da próxima década. Manter o limite de 1,5°C ao alcance exigirá que essas próximas NDCs deem um “salto quântico em ambição” e promovam ações imediatas em todos os setores da economia.
O que são NDCs
Os países devem anunciar suas novas NDCs, vinculadas ao Acordo de Paris, até o início de 2025. Atualizados a cada cinco anos, esses compromissos sustentam a ação climática nacional, determinando as metas de mitigação e adaptação dos países, bem como as medidas específicas que planejam implementar. Em conjunto, as NDCs formam a base dos esforços internacionais para combater a crise climática.
Os compromissos atuais, contudo – mesmo que totalmente implementados –, mantêm o mundo rumo a um aquecimento de 2,6°C a 2,8°C, com impactos cada vez mais catastróficos.
Na próxima rodada de NDCs, os países precisam definir novas metas de redução de emissões de GEE até 2035 e metas mais ambiciosas para 2030 – compromissos capazes de, juntos, colocarem o mundo no caminho certo para manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5°C. Para atingir metas dessa magnitude, são necessárias mudanças rápidas e de longo alcance em toda a economia. E, para ajudar a promove-las, os países também devem estabelecer metas setoriais específicas em suas NDCs. Embora a maioria das NDCs inclua promessas de redução de emissões de GEE gerais, poucas estabelecem metas setoriais quantitativas e com prazo determinado.
E o que isso significa exatamente em termos práticos – no que diz respeito a como geramos energia, cultivamos alimentos, movimentamos pessoas e bens, entre outras necessidades cotidianas? A seguir, detalhamos as mudanças necessárias em todos os setores da economia para reduzir as emissões de GEE ao longo da próxima década.
Manter o aquecimento abaixo de 1,5°C: metas setoriais específicas para 2030 e 2035
Em primeiro lugar, os países precisam fortalecer suas metas gerais de redução de emissões para 2030, bem como estabelecer metas novas e ambiciosas para 2035, alinhadas ao que é necessário para manter o aquecimento dentro do limite de 1,5°C. É possível tornar as NDCs se mais executáveis estabelecendo metas específicas por setor dentro dessas metas mais amplas – especialmente aquelas expressas em indicadores concretos e práticos, como vendas de veículos elétricos ou hectares de manguezais restaurados.
Embora muitos países não tenham incluído metas setoriais específicas em suas NDCs anteriores, fazer isso agora pode estabelecer referenciais para os setores público e privado. Essas metas podem não apenas orientar a implementação de ações em todo o governo, como sinalizar para empresas e investidores a direção futura do país.
Para ajudar a embasar a próxima rodada de NDCs, uma nova pesquisa do Systems Change Lab traduz a meta de 1,5°C do Acordo de Paris em metas setoriais globais específicas para 2035, complementando os objetivos anteriores para 2030 e 2050.
É fundamental observar que os países não precisam avançar no mesmo ritmo para alcançar coletivamente essas metas setoriais globais. Os países desenvolvidos têm a responsabilidade de ir mais longe e mais rápido, e, embora outros grandes emissores também precisem promover uma descarbonização rápida, alguns podem precisar de financiamento e outros tipos de apoio. Ainda assim, essas metas, junto aos objetivos setoriais coletivos estabelecidos no Balanço Global, oferecem um ponto de partida útil para os países à medida que desenvolvem suas NDCs, especificando o ritmo e a escala da transformação necessária nos setores mais intensivos em emissões:
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Energia
Descarbonizar o setor de energia exigirá que os países façam uma rápida transição no uso de combustíveis fósseis para a geração de eletricidade, aumentem as fontes de carbono zero, como a eólica e a solar, modernizem as redes elétricas, expandam o armazenamento de energia, melhorem a eficiência e gerenciem melhor a demanda. Para garantir uma transição justa, os países precisam equilibrar essas medidas de mitigação com ações para fornecer eletricidade acessível, confiável e sustentável para todos.
A eliminação gradual do carvão e do gás sem abatimento é uma prioridade imediata para a próxima geração de NDCs. Por exemplo, a parcela de energia gerada a partir do carvão precisa registrar quedas rápidas e acentuadas, com a participação global na geração de eletricidade caindo 89% até 2030 e 97% até 2035 em relação aos níveis atuais. A expansão das fontes renováveis também precisa ser rápida, tanto para substituir os combustíveis fósseis quanto para acompanhar o crescimento da demanda. Nossa pesquisa mostra que a parcela de fontes de energia de zero carbono na geração de eletricidade precisa aumentar entre 125% e 133% até 2030 e 150% até 2035 em relação com os níveis atuais. A energia eólica e a solar, especificamente, precisam ser responsáveis pela maior parte desse crescimento.
Construção
Para reduzir rapidamente as emissões de GEE no setor de construção, é preciso aprimorar a eficiência energética das edificações; descarbonizar a energia usada para aquecimento, resfriamento e eletrodomésticos; modernizar as construções existentes; e garantir que todas as operações de novos edifícios sejam de carbono zero.
Os níveis atuais de uso de energia e intensidade de carbono dos edifícios devem diminuir em 17% a 41% e 58% a 66%, respectivamente, até 2030. Em paralelo, as taxas anuais de retrofit precisam aumentar entre pelo menos 150% e 250% em relação aos níveis recentes para atingir as metas de 2030 e 2035, enquanto a parcela atual de novos edifícios zero emissão precisa aumentar mais de 1.000%.
Como os ambientes construídos variam entre os países, as metas de mitigação que cada nação opta por incluir em suas NDCs também podem mudar. Alguns países, por exemplo, podem escolher priorizar o retrofit de edifícios para aumentar a eficiência energética e reduzir as emissões, enquanto aqueles em processo de urbanização podem focar em garantir que a construção dos novos edifícios seja de zero carbono.
Indústria
Diminuir o consumo por meio da redução da demanda e do aumento da circularidade; melhorar a eficiência energética; eletrificar processos industriais que dependem de calor de baixa e média temperatura; e desenvolver novas soluções, como hidrogênio verde, para os casos que não podem ser eletrificados com facilidade são as principais estratégias para transformar o setor industrial global. As tecnologias de captura e utilização de carbono e de captura e armazenamento de carbono podem ajudar a mitigar as emissões remanescentes, de mais difícil redução, no setor.
À medida que os países preparam suas próximas NDCs, adotar metas focadas em melhorar a eficiência energética e eletrificar processos industriais de calor de baixa e média temperatura representa uma oportunidade relativamente acessível. Por exemplo, a parcela de energia originada por eletricidade em vez do consumo de combustíveis fósseis deve aumentar entre 21% e 48% até 2030 e entre 48% e 59% até 2035, em relação aos níveis atuais.
Ao mesmo tempo, os países devem preparar o terreno para reduzir emissões de difícil abatimento, investindo, por exemplo, em pesquisa, desenvolvimento e implementação de materiais alternativos para cimento ou hidrogênio verde para produzir aço de baixo carbono. Essas inovações são essenciais para reduzir a intensidade de carbono na produção de cimento e aço, dois dos subsetores industriais com os maiores níveis de emissões. Em ambos os casos, os níveis atuais de intensidade de carbono precisam diminuir em magnitudes relativamente semelhantes até 2030 – mais de 45% para o cimento e mais de 30% no caso do aço.
Transportes
Reduzir as emissões de GEE do setor de transportes exigirá uma abordagem em três eixos: evitar, mudar e melhorar. Primeiro, trazer empregos, serviços e bens para mais perto de onde as pessoas vivem pode ajudar a evitar deslocamentos motorizados. O mundo também precisa mudar o modo como é feita a maior parte das viagens, substituindo os veículos individuais por transporte público, caminhadas e bicicleta. E, ao mesmo tempo, é preciso melhorar os modos existentes, substituindo motores de combustão interna por carros, ônibus e caminhões elétricos. Aumentar a disponibilidade de opções de combustível sustentáveis e de emissão zero para aviação e transporte marítimo também é essencial.
Embora os contextos específicos de cada país influenciem as metas de transporte estabelecidas em suas NDCs, a escala de mudanças necessárias globalmente é substancial em todos os aspectos. Por exemplo, as atuais redes de transporte rápido, como metrôs, trens leves e corredores de ônibus, precisam aumentar 90% até 2030. A parcela atual de veículos elétricos nas vendas de veículos leves deve aumentar mais de 690% até 2030 e 730% até 2035, enquanto as parcelas de combustíveis sustentáveis para aviação e combustíveis de emissão zero no transporte marítimo devem ter um aumento de mais de 1.000% até 2030, em relação aos níveis atuais.
Embora a dimensão das mudanças necessárias seja significativa, a adoção de novas tecnologias de carbono zero pode se dar de forma rápida, em especial quando os governos implementam políticas para incentivar essa transição. Alguns países já estão implantando essas inovações no ritmo necessário para manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C.
Florestas e uso da terra
A perda e a degradação de ecossistemas em todo o mundo – principalmente florestas, turfeiras, zonas úmidas costeiras e pastagens – liberam GEE na atmosfera, enquanto proteger, restaurar e gerenciar de forma sustentável esses mesmos ecossistemas pode reduzir as emissões de GEE e aumentar o sequestro e o armazenamento de carbono. Se implementadas de forma adequada, medidas de mitigação baseadas no uso da terra podem ajudar a amenizar o aquecimento e, ao mesmo tempo, gerar benefícios substanciais para o desenvolvimento sustentável, adaptação e biodiversidade.
Acabar com o desmatamento e a degradação de ecossistemas ricos em carbono está entre as prioridades mais urgentes para a próxima rodada de NDCs. Para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C, a taxa anual de perda de florestas deve cair 65% até 2030 e 72% até 2035, em relação aos níveis atuais. Esses declínios precisam ser ainda mais acentuados para as zonas úmidas, com as taxas recentes de degradação de turfeiras e perdas de manguezais diminuindo 100% e 85% até 2030, respectivamente.
A restauração de todos os ecossistemas também precisa ser ampliada imediatamente. Os esforços de reflorestamento precisam aumentar 77% até 2030 e 115% até 2035; para manguezais e turfeiras, o índice salta para mais de 1.000% até 2030, em relação aos níveis recentes de restauração. Atrasos contínuos nessas ações não só colocam em risco o limite de 1,5°C, mas ameaçam causar danos irreversíveis aos ecossistemas, enfraquecendo sua capacidade de fornecer serviços essenciais para a vida.
Alimentos e agricultura
Limitar o aquecimento global a 1,5°C exigirá transformações em todos os sistemas alimentares do mundo. Reduções drásticas na perda e desperdício de alimentos (em todos os países) e no consumo excessivo de carne bovina, ovina e caprina (principalmente nas Américas, Europa e Oceania) podem ajudar a reduzir as emissões de GEE tanto da produção agrícola quanto das mudanças de uso da terra relacionadas à agricultura, como o desmatamento. Ao mesmo tempo, para produzir mais alimentos de forma sustentável nas terras existentes, são necessárias mudanças nas práticas agrícolas e novas tecnologias agrícolas, de forma a evitar a expansão das terras agrícolas para ecossistemas ricos em carbono, como as florestas. Em conjunto, essas mudanças na produção agrícola podem reduzir a quantidade de GEE emitidos por caloria de alimentos produzidos, proteger o solo e os recursos hídricos, fortalecer os meios de subsistência e a segurança alimentar e construir resiliência às mudanças climáticas. A falta de mudanças holísticas pode implicar apenas a substituição de uma crise por outra.
As novas NDCs podem ajudar a promover a transformação necessária no setor agrícola ao focar em grandes reduções de emissões. Por exemplo, a quantidade de GEE emitida por caloria de alimentos produzidos precisa cair 28% até 2030 e 35% até 2035 em relação aos níveis recentes. A produtividade por hectare, que se manteve relativamente estável nos últimos anos, também precisa aumentar – 16% até 2030 e 22% até 2035 em relação aos níveis de produção atuais, para evitar ainda mais desmatamento e degradação, além de alimentar uma população crescente. Mudanças na demanda devem ocorrer em um ritmo e magnitude semelhantes, com os países reduzindo pela metade a perda e o desperdício de alimentos até 2030 e diminuindo os níveis atuais de consumo de carne bovina, ovina e caprina em regiões de alto consumo (principalmente Américas, Europa e Oceania) em 21% até 2030 e 26% até 2035.
Remoção tecnológica de dióxido de carbono
Junto a reduções de emissões profundas e rápidas em todos os setores, os caminhos que mantêm o aquecimento abaixo de 1,5°C também dependem da remoção de dióxido de carbono da atmosfera. Em outras palavras, para atingir o zero líquido – e eventualmente até emissões líquidas negativas –, são necessárias soluções de remoção direta do dióxido de carbono do ar. Equilibrar as compensações associadas a diferentes abordagens de remoção de carbono exige um portfólio diversificado de tecnologias, como captura direta do ar e mineralização de carbono, bem como medidas baseadas no uso da terra, como reflorestamento.
As estimativas atuais mostram que, juntas, todas as abordagens tecnológicas de remoção de carbono removem e armazenam menos de 1 MtCO2 por ano – ou menos de 1% do necessário até 2030. A próxima rodada de NDCs é uma oportunidade para que os países que têm capacidade e/ou já manifestaram interesse em utilizar a remoção de carbono apresentem planos para desenvolver essas tecnologias. As nações devem estabelecer metas separadas para redução de emissões e remoção de carbono e precisam ser transparentes em relação a quais abordagens de remoção de carbono serão implementadas e quais mecanismos de políticas, governança e financiamento serão estabelecidos para incentivar a indústria emergente de remoção de carbono e garantir seu desenvolvimento.
Da teoria à prática
À medida que o prazo para submeter as novas NDCs se aproxima, os países lutam para definir como transformar suas economias, reduzir drasticamente as emissões e atingir as metas de desenvolvimento – e até quando.
Ao apresentar metas setoriais específicas, ambiciosas e com prazo determinado dentro de seus próximos compromissos climáticos nacionais, os países podem demonstrar ao mundo como enfrentarão esse desafio. Agora é o momento de aproveitar as oportunidades em todos os setores da economia. O tempo é curto, e as consequências da falta de ação não poderiam ser mais graves.
Este artigo foi publicado originalmente no Insights.